Capítulo 9 - Um concerto e
uma cantina italiana
Theo chegou à Pinacoteca com dez minutos de antecedência do
horário marcado. Não necessitou de nenhuma indicação para encontrar o
salão no qual acontecia o Sarau Literário, simplesmente seguiu o som rico e
profundo do violoncelo, que era acompanhado pelos acordes elegantes de um
violino.
Os instrumentos executavam perfeição poética, a melodia tema da versão para o cinema, de um famoso romance do século XIX.
Os instrumentos executavam perfeição poética, a melodia tema da versão para o cinema, de um famoso romance do século XIX.
Olhares curiosos, alguns repletos de interesse, acompanharam sua
chegada. Mas ele tinha olhos somente para a mulher que colocava a alma e o
coração em cada acorde que executava com elegância.
Eva tirara o blazer curto. A camisa de seda branca tinha um tipo
de gola feminina, um pouco maior que o usual, própria para usar com os dois
primeiros botões apertos. As mangas estavam tecnicamente dobradas, para não
atrapalhar os movimentos, sem tirar o charme feminino da peça. O branco
abraçava a madeira do violino de uma maneira quase sensual. A saia ampla, além
do óbvio conforto que proporcionava a musicista, caía em torno dela e do
violoncelo com graça e leveza. Aquele nível de comunhão, técnica e sentimento,
eram o resultado de muito estudo e uma extraordinária paixão pela música.
Assistir a uma apresentação de Eva, mesmo informal como aquela,
fazia seu peito inchar de orgulho e seu corpo queimar de desejo. Era tão
inesperado quanto surpreendente. Nunca em sua vida, imaginou que uma mulher
tocando violoncelo, seria tão devastadoramente sexy, como sua dama.
Theo acreditava que a mulher de roupas e maquiagem discretas não desconfiava
o quão sensual era. E isso a tornava ainda mais desejável.
Estou ferrado – Disse em silêncio para si mesmo.
Aplausos entusiasmados soaram ao fim da apresentação. O violinista
agradeceu e se dirigiu até Eva. Com um gesto galante a ajudou a levantar e após
ambos agradecerem o caloroso reconhecimento, o homem se aproximou um pouco
mais, olhou para os olhos de sua dama e depositou um cavalheiresco beijo sobre
sua mão. As mulheres, a maioria do grupo reunido, suspiraram e aplaudiram ainda
mais o gesto intencionalmente romântico.
O ciúme, frio e ácido, corroeu seu peito, ao constatar que o
sujeito a comia com os olhos. A evidente sintonia entre Eva e o violinista o
incomodou a um nível novo. Sentia um desejo quase incontrolável de pegar o
“engomadinho” pelo colarinho e atirá-lo pela porta ou janela, o que estive mais
perto.
Praguejou contra sua estupidez! Trajava jeans, camiseta e estava
com a caminhonete de trabalho. Seu adversário, por sua vez, usava um terno
elegante e poderia apostar que o galã do violino tinha um carro importado.
Financiado e provavelmente com parcelas atrasadas, mas o suficiente para
impressionar as mulheres. Pensou, permitindo-se uma dose de sarcasmo esnobe.
Saber que o tal músico estava na vida dela há mais tempo que ele,
provocava uma incômoda sensação que ainda não conseguia identificar.
E foi quando os olhos castanhos e os seus se encontraram.
O sorriso de Eva se iluminou ainda mais. Os olhos brilharam com
uma intensidade que roubava sua respiração. Pura satisfação masculina percorreu
seu corpo ao vê-la soltar a mão do violinista e vir em sua direção.
Eva agradecia aos entusiasmados aplausos, quando foi surpreendida.
Não pelo gesto galante de Heitor, afinal não era a primeira vez que se
apresentavam juntos. Beijar sua mão ao final de uma apresentação era algo
comum. A novidade estava no calor ardente com que os olhos cinza miravam os
seus.
- Toca encantadoramente, encantadora Eva – Heitor sussurrou
ainda com os lábios sobre as costas da mão de dedos longos e delicados.
Eva era uma tentação que ele estava determinado a provar – Heitor
pensou determinado ao contemplar o par de olhos de um incomum tom de castanho.
- Encantada, galante cavalheiro – Ela gracejou, sorriu e mais uma
vez cumprimentou os participantes do sarau.
Que novidade era aquela! Pensou incomodada pela maneira intensa e
descarada com que ele a fitava.
Conhecia Heitor há anos. Sempre que surgia a oportunidade de uma
apresentação em dupla, um sempre indicava o outro. Existiam sintonia e
cumplicidade musical entre eles, exclusivamente isso. Esperava
sinceramente que tudo fosse parte de uma encenação para aquela apresentação.
Ainda sorria quando seus olhos encontraram um par de olhos azuis
no fundo sala e tudo o mais fora relegado a segundo plano. Sentiu o coração acelerar
e o corpo aquecer quase que imediatamente. Todas as intensas sensações que a
assaltavam quando estava diante do “seu Theo Santini”, a atingiram com uma
força ainda maior.
“Meu Theo Santini”. O pensamento a fez sorrir ainda mais.
Novamente viveu a experiência de se descobrir tocando para aquele homem e mais
uma vez, sentiu uma conexão ainda maior com a música.
Sem pensar ou hesitar, seguiu ao encontro dele. Parecia natural e
certo caminhar até o homem que seu coração teimava em reconhecer. Ele estava todo
de preto. Jeans, camiseta e sapatos pretos. Os cabelos agora estavam penteados
de uma maneira que ainda pareciam meio bagunçados. Mais cedo, usando roupas
surradas e com todos os sinais de um árduo dia de trabalho sobre o corpo, ele
já lhe roubara a respiração. O que dizer agora?
- Vejo que é um homem pontual senhor Santini – disse ao parar
diante dele.
A poderosa energia de reconhecimento ancestral pairava em tornos
de seus corpos em um invisível abraço.
- Já posso roubar você desse lugar? - Theo perguntou
enfeitiçado.
Cristo, o que acontecia com ele? – Se perguntou ainda atordoado
pelo efeito devastador que a proximidade dela causava em seus sentidos.
Acariciou a face morena com um leve movimento e não resistiu a
ajeitar os cabelos cacheados atrás da orelha dela. Era um gesto íntimo, uma
declaração de posse, mas ele não podia fazer nada quanto a isso. A necessidade
de tocar aquela mulher sobrepujava sua racionalidade.
- Ainda não. Temos mais uns quinze minutos. Consegue esperar? -
Perguntou divertida.
Merda! Ela teria de voltar para o lado do violinista que ele
queria jogar sobre o telhado – Praguejou em silêncio, ironizando um clássico do
cinema.
- Estou tentado a jogar você sobre os ombros e fugir, o que acha?
Respondeu a pergunta dela com outra.
Eva riu deliciada com o charme divertido. Deu um passo para trás e
sussurrou:
- Eu adoraria.
Deixando um Theo literalmente boquiaberto, com passos apressados
ela retornou ao seu lugar.
Os quinze minutos se transformaram em quarenta. O encerramento com
os agradecimentos finais e cumprimentos, levaram mais vinte minutos. A
última hora fora qualquer coisa, menos aborrecida, Theo reconheceu enquanto
observava, do fundo da sala, Eva receber os cumprimentos pela bela e sensível
apresentação.
Quando as atividades recomeçaram, após a apresentação dos músicos,
Theo descobriu que estavam apresentando e discutindo o livro Madame Bovary, de
Gustave Flaubert. Era incrível como a história, publicada no século XIX, ainda
suscitava polêmica e discussão. Quase enxergava sua irmã, defendendo argumentos
e levantando questões políticas, sociais e humanas abordadas pelo romance.
Quando Eva recebia o último cumprimento, o galã do violino se
aproximou. Com uma naturalidade que o irritou, o sujeito entrou na conversa
como se estivesse participado desde o início. O sangue ferveu ao notar uma das
mãos do violinista pousadas na base das costas de sua dama. A intimidade
daquele toque o revoltou.
Com passos decididos seguiu em direção aos músicos.
Eva recebia o cumprimento de uma senhora simpática, entusiasta da
música clássica quando Heitor se aproximou. Galante e charmoso conquistou a
atenção da elegante e culta senhora em segundos. Ao se afastar, a mulher tinha
um sonhador sorriso nos lábios.
- Você é incrível – Ela elogiou o músico, ainda observado o
caminhar, que parecia passos sobre nuvens, da velha senhora – Como consegue?
- Todos necessitam de sonhos e desejos Eva – Sussurrou ainda com a
mão apoiada às costas dela.
Sob as roupas discretas e elegantes, Heitor desconfiava estar um
corpo de passista de escola de samba que faria qualquer homem salivar. Não as
mulatas de hoje, que tinham corpos malhados em academias. Mas o corpo
naturalmente curvilíneo, que enlouqueceria um homem com luxúria. Eva possuía as
curvas generosas herdadas de seus antepassados.
- Bom... Isso é verdade – Eva concordou – E essa noite aquela
senhora sonhará com você – comentou divertida ao dar uma última olhada na
senhora que agora conversava animadamente com outras mulheres. Certamente
compartilhando a experiência do breve contato com o encantador violinista.
Animada com a apresentação e com o homem que a esperava no fundo
da sala, voltou-se para o cello e começou a preparar o instrumento e os
acessórios usados para serem guardados na capa protetora.
Onde eu estava durante todos esses anos? Heitor se perguntava ao
observar a mulher que, concentrada em guardar cuidadosamente seu instrumento, o
ignorava placidamente.
Como pude ignorar o quão quente e deliciosa essa mulher pode ser?
Perguntou-se, ao devorar descaradamente o corpo feminino com o olhar.
- Quais são os seus desejos Eva? – perguntou com uma voz
propositalmente sedutora.
- Quer que os enuncie em ordem de importância ou alfabética? – ela
respondeu em um tom brincalhão ao fechar o zíper da capa que protegia seu
instrumento. Alheia a tentativa de sedução.
- O que acha de conversamos sobre esse assunto em um jantar?
Depois prometo deixá-la à salvo em seu castelo.
Heitor estava preparado para a resistência dela, assim como
confiava em seus argumentos para fazer a reticente mulher, ceder ao seu charme.
- Hoje ela é minha – Theo anunciou ao se aproximar, passando um
braço em torno da cintura de Eva em uma arrogante declaração de posse –
Desculpa amigo – pronunciou o falso lamento com um perigoso sorriso no rosto.
Em sua mente, Theo imaginava o quão bem se sentiria ao esmurrar o
Dom Juan do violino. O prazer seria inenarrável, reconheceu. Mas não faria nada
para envergonhar sua dama e muito menos, estragaria sua noite com ela.
Heitor reconheceu o homem a quem Eva cumprimentara mais cedo.
Quem era o tal sujeito de jeans e camiseta? Porque a abraçava com
tamanha intimidade? Há muito tempo que Eva não saia com alguém, ponderou.
Não disfarçou o desagrado por ter o território invadido pelo
desconhecido. Em um descarado escrutínio, mostrou ao outro, que o sujeito não
estava à altura de uma disputa com ele.
A testosterona vibrava agressiva no ar.
Eva percebeu a antipatia imediata que nasceu entre os dois homens.
Sentir o braço de Theo agarrado a sua cintura roubou sua
capacidade de articulação por uns rápidos segundos. Ter o corpo dele, encostado
ao seu, fez seus hormônios gritarem de alegria. Lá estava aquela estranha e
familiar sensação de conhecer intimamente o toque desse homem.
Foi expulsa de seu momentâneo torpor pela maneira ofensiva
com que o violinista encarava Theo. O queixo quase caiu ao ver a encarada
esnobe e arrogante de Heitor.
- Heitor quero que conheça Theo Santini – Fez a apresentação
exigida pela boa educação, mas com um olhar duro, exigiu que o músico se
comportasse – Theo esse é Heitor Avelar - Ainda chocada pela atitude ofensiva,
observou o aperto de mão entre os dois homens.
Heitor reconheceu o sobrenome tradicional de imediato.
- Um sobrenome e tanto senhor Santini – cumprimentou quase arrependido.
A mulher não escolhia homens fracos! Pensou divertido.
- Tão bom quanto qualquer outro – Theo respondeu em um tom seco e
desinteressado.
Idiota! Praguejou em sua mente.
Olhou para a mulher ao seu lado e sentiu imediatamente o controle
e calma alagarem seu corpo.
- Podemos ir? – Perguntou com a voz quente e sensual.
- Podemos – Eva respondeu ao mesmo tempo em que pegava a alça da
capa do violoncelo.
- Posso? – Theo estendeu a mão livre em direção do instrumento.
- Claro – Ela entregou o instrumento sem hesitação.
Despediram-se rapidamente do músico e seguiram em direção à
saída.
Heitor olhava estarrecido para o casal que deixava o salão. Um
músico nunca entregava seu instrumento nas mãos de terceiros. Era quase um
sacrilégio fazer tal coisa. Até aquela noite Eva também seguia a risca essa
regra. Pelo menos até um Santini cruzar o seu caminho.
Santini ou não, não desistiria. Perdera a primeira batalha, mas a
guerra só tinha começado. Pensou ao ver a musicista cruzar a porta de saída.
- Desculpe pelo comportamento horrível do Heitor – Eva comentou ao
deixarem o salão - Ele normalmente não... – O que pretendia dizer,
foi esquecido, ao sentir seu corpo ser puxado de encontro ao dele e os lábios
tomados em um beijo faminto.
Mais uma vez Theo a silenciava com um beijo. Um beijo que
devastava seu controle e fazia seu corpo arder.
Ao ultrapassar as portas e encontrar o corredor vazio, Theo fez o
que desejara fazer desde que entrou no salão há uma hora. Trouxe o corpo de Eva
de encontro ao seu e a beijou. Imediatamente seu sistema foi invadido pelo
sabor de primavera. O aroma de morangos silvestres brindou seu olfato. As mãos
de dedos longos agarram sua camiseta. O prazer rugiu em seu peito. Beijar essa
mulher provocava emoções densas e profundas.
Hesitante, diminuiu a intensidade do beijo, antes de enfim
conseguir se afastar dos lábios mais saborosos que tinha provado em sua vida.
- Ele é só mais um idiota arrogante. Não tem que se desculpar –
Disse acariciando a face delicada cor de chocolate derretido.
O que há comigo que não consigo parar de tocar essa mulher?
Perguntou-se.
- Você realmente sabe como calar uma mulher – Eva gracejou entre
tonta e encantada.
- Espero que essa mulher esteja com fome, pois estou determinado a
levá-la para jantar – Comentou ao descerem as escadas.
- Essa mulher confessa estar faminta – comentou bem humorada.
Theo estava nervoso.
Obedecendo a um impulso, vestira jeans e fora ao primeiro encontro
com Eva com a pick-up de trabalho. Queria que ela apreciasse estar com
ele, sem toda a incômoda bagagem que seu sobrenome trazia. Sabia que teria de
contar a ela, quem ele era. Que o “seu Theo Santini e o Theodoro Santini, que a
amiga Laura conhecia, eram a mesma pessoa. Porém desejava que ela conhecesse o
Theo com coração de jardineiro e quisesse estar com ele, antes de apresentar o
herdeiro de uma corporação, o homem que carregava o sobrenome de uma família
com mais de duzentos anos de tradição.
Pararam diante do utilitário. Atento a reação da mulher ao seu
lado, desativou o alarme.
- Oh Meu Deus! – Eva exclamou – Você tem uma C-10! – comentou
entusiasmada ao contemplar o utilitário vermelho da década de 70 – Você sabe há
quantos anos não vejo uma dessas? – perguntou.
- Você já teve uma C-10? – Ele perguntou desconfiado.
- Eu? Quem dera! – Eva colocou as mãos sobre o capô – Era o carro
da paróquia da comunidade em que eu morava. A mesma do instituto no qual dou
aula – Informou. As mãos deslizando sobre o capô – Nossa, a coitada carregava
desde os instrumentos do instituto para as apresentações, a mudanças dos
paroquianos. O padre ficava enlouquecido com as crianças que adoravam se
pendurar na caçamba da caminhonete – Ela é valente! Forte, robusta e carrega o
mundo naquela caçamba.
Eva tinha uma expressão nostálgica em seu rosto.
Theo não sabia o que pensar daquela reação.
- Acredite já testei esse mito – Comentou ao abrir a porta do
passageiro – E é verdade – disse animado ao ajudá-la a subir. Não resistiu a
ajudá-la a colocar o cinto de segurança. A proximidade fez estragos ao seu controle
– Fico feliz que goste do meu carro senhorita Martins – depositou um beijo
rápido nos lábios nos quais estava se tornando viciado e entregou o violoncelo.
- O que aconteceu a caminhonete da comunidade? – Perguntou
curiosos ao entrar pelo lado do motorista.
- Faleceu, após perecer por anos. Todos na comunidade tinham uma
experiência com ela. Ou ajudaram a empurrar para o motor pegar, ou se tornaram
mecânicos autodidatas ao ajudarem o padre – Eva comentou bem humorada.
Theo balançou a cabeça ao mesmo tempo em que sorria. Essa mulher o
confundia, o enfeitiçava e decididamente o excitava.
- Pensei em levá-la em um lugar que gosto muito. Mas é um lugar
simples, com comida simples. Talvez você queira ir a outro lugar – Ponderou
cauteloso.
- Seu plano inicial parece perfeito – Eva respondeu sincera.
Refletiu sobre o comportamento de Theo, parecia incomodado por não
ter um carro importado ou não poder levá-la a um restaurante de luxo. Creditou
essa atitude a reação esnobe e arrogante de Heitor. Nunca julgou um homem por
sua conta bancária ou o carro que ele conduzia.
Simplicidade era tudo o que desejava aquela noite. Pensou
tranquila.
- Lembre-se que confiou no meu julgamento – disse em um tom de
alerta.
- Sim senhor – Eva respondeu com uma continência.
Theo sorriu e novamente balançou a cabeça. Ainda sorrindo ligou o
carro.
- Esse não é um motor de uma C-10, conheço o som deles – Comentou
surpreendida pelo som potente.
******************
Surpresa, Eva viu a pick-up ganhar as ruas do tradicional Bixiga,
o bairro mais italiano de São Paulo. Repletos de restaurantes, cantinas,
trattorias, tabernas e choperias, era um lugar para os amantes da gastronomia
italiana e seus deliciosos vinhos.
Fazia muito tempo que não vinha ao Bixiga. Eva pensava ao
contemplar, pela janela do utilitário, os estabelecimentos em suas diversas
cores e tamanhos e a intensa movimentação das ruas.
A pick-up parou em frente a um estabelecimento e Theo buzinou três
vezes. A fachada nas cores da bandeira italiana chamava atenção para o lugar de
tamanho modesto, comparado aos demais estabelecimentos da rua.
Eva lia o luminoso que anunciava Cantina d´Anita, quando um homem,
de traços europeus, um corpo arredondado e um franco sorriso no rosto, deixou o
estabelecimento e retirou os cones que reservavam a vaga de estacionamento em
frente ao lugar.
Theo fez um gesto de agradecimento e estacionou o veículo.
- Tráfico de influência? – Eva comentou divertida.
Ele sorriu concentrado na manobra.
- Prefiro pensar que tenho os amigos certos – Piscou para ela
charmoso.
- Acabei de perceber que não perguntei se gosta de comida italiana
– Theo comentou já do lado de fora do carro ao ajudá-la a descer.
- Não conheço ninguém que não goste de comida italiana – Eva
respondeu ainda mais encantada com o cavalheirismo e gentilezas do homem que
não parava de surpreendê-la.
- Vamos então – Theo pegou sua mão e a guiou para o interior do
estabelecimento.
Ao entrarem seus sentidos foram bombardeados pelo colorido da
decoração com mesas cobertas por toalhas verdes e vermelhas, móveis simples,
mas de madeira com excelente qualidade preenchiam o lugar. Os aromas de
especiarias, pizza, molhos e massa, pairavam no interior da cantina. Conversas
e risos animados disputavam o volume com a música ambiente interpretada pela
banda em um pequeno palco.
O homem que liberara a vaga do estacionamento se aproximou
sorridente. Eva simpatizou com ele de cara. Era uma dessas pessoas que você
gosta sem entender bem o motivo. Theo os apresentou e descobriu que o nome do
italiano era Lorenzo. Ele e a irmã Anita, eram sócios no estabelecimento.
Lorenzo os conduziu até uma das mesas próximas as janelas e de
frente para o modesto palco.
Era um dos melhores lugares do restaurante e estava reservado para
eles. Isso dizia muito da relação de Theo com a família dona da cantina.
Em seguida, uma mulher de aproximadamente quarenta anos, curvas
generosas e cabelos claros muito curtos se aproximou. Em seguida Anita foi
apresentada à Eva. A dona da cantina era uma mulher com uma energia vibrante,
que parecia abraçar tudo a sua volta.
- Você sabe como impressionar uma mulher – Eva disse divertida
quando Lorenzo e Anita se afastaram.
- Guarde os elogios para quando provar a comida, isso se gostar –
ele brincou.
Por um instante os olhos dela se concentraram na banda. O
som da música italiana a fazia querer suspirar.
- Adoro musica italiana – confessou – Considero um dos idiomas
mais bonitos do mundo.
- Ao lado do nosso bom e velho português? – Theo provocou.
- Nosso português é lindo em sua complexidade – ela concedeu.
- Ele está menos complexo agora. Pelo menos é o que dizem – Theo
comentou sem tirar os olhos dela.
- Depende do ponto de vista. – ela ponderou – Temos de reaprender
o que já sabíamos, então em minha opinião, a mudança veio para complicar
e não para facilitar a nossa vida. Porque as pessoas vivem mexendo no que já
está pronto e funciona perfeitamente bem? – perguntou e continuou – Fiquei tão
chateada quando excluíram o trema da nossa ortografia! Era um dos símbolos da
miscigenação do nosso país. Nossa língua é uma bela mistura de vários idiomas.
O trema era romântico e lírico, e agora foi expulso. Estou falando demais não
estou? - Eva perguntou constrangida – Desculpe.
- Estou adorando suas considerações – Theo estava cada vez mais
curioso sobre essa mulher que mexia com ele há um nível totalmente novo.
- Uma das minhas amigas diz que isso é reflexo do excessivo tempo
que passo em silêncio quando estou estudando ou compondo. Tocar é um exercício
de silêncio e escuta. Para encontrar a harmonia perfeita, temos de apurar a
audição e para isso o exercício do silêncio externo e interno é essencial.
Então quando começo a falar, como estou neste momento, não paro – concluiu
rindo.
Theo sorriu seduzido pelo leve constrangimento dela. Eva tinha uma
voz de sonoridade agradável e sensual. O som o fazia pensar em uma sinfonia,
ora vibrante e repleta de emoção, ora suave e comovente.
Ele estava perdido – Mais uma vez admitiu para si mesmo.
- Então vou aproveitar esse seu momento falante a meu favor –
Comentou.
Não conseguiu resistir à tentação de tocá-la novamente. Em gesto
quase inconsciente, tocou os cabelos negros. Em uma carícia
despretensiosa, mais uma vez ajeitou uma mecha de cachos brilhantes e macios
atrás da delicada orelha feminina.
Eva o olhou de forma interrogativa.
- Me conte tudo sobre você Eva Martins – pediu.
- Esse é um pedido perigoso – respondeu em um tom descontraído – É
um dos assuntos que me fazem falar sem parar. Tem certeza que está preparado
para isso? – Perguntou em tom de provocação e desafio.
- Quero saber tudo sobre você moça – Ele disse ainda acariciando
os cachos negros.
- Eu conto tudo o que deseja saber sobre mim, exceto os assuntos
comprometedores, é claro – disse em tom divertido.
- Claro – ele concordou rindo.
- Em troca, você me conta tudo sobre você – Ela sugeriu.
- Exceto os assuntos comprometedores – Ele a parafraseou.
- É claro – disseram juntos.
- Você primeiro senhorita Martins.
- Ok. O que gostaria de saber?
- Tudo Eva. Onde nasceu, estudou, como foi sua infância, quando descobriu
que tinha esse dom incrível, como escolheu o violoncelo como instrumento – ela
o interrompeu.
- Cello – informou e continuou ao ver a interrogação no rosto dele
– Não chamamos violoncelo, dizemos cello.
Theo percebeu que a correção era uma prova do quanto ela se sentia
à vontade e confiava no seu bom senso. De alguma forma Eva sabia que ele não se
sentiria ofendido com a correção.
- Como escolheu o cello como instrumento, os lugares que conheceu,
enfim tudo.
- Uau, você é um homem corajoso – comentou impressionada. – Vamos
ver... Em uma noite fria de inverno fui concebida – começou com falso tom
de seriedade provocando uma sonora gargalhada em seu ouvinte –
Melhor pularmos essa parte – ponderou rindo.
Ainda sorrindo, ela começou a narrar sua história. Os primeiros
minutos foram tensos, não sabia ao certo o que fazer com as mãos ou como não
tornar a narrativa enfadonha. Porém, passado o nervosismo inicial, descobriu-se
totalmente à vontade com Theo Santini.
Era como se o conhecesse há anos.
Eva falou sobre a determinação da mãe de conseguir para ela uma
vida diferente da vida sofrida que levava. Do sonho de Dona Tereza Martins de
ter uma filha bailarina. Narrou com entusiasmo o dia em que ouviu pela primeira
vez o som do cello. Com os olhos brilhantes, contou que havia terminado a aula
de balé e seguia para saída, quando um som irresistivelmente comovente soou
através dos corredores. Encantada entrou na sala na qual eram ministradas aulas
de instrumentos de corda e sentada quietinha em um canto assistiu a aula.
Sentiu o coração aquecer ao recordar que naquele exato momento em que observava
a aula, soube o que desejava fazer em sua vida. Aos oito anos de idade, soube
com uma certeza assustadora que seria uma musicista e que o cello seria seu
companheiro nessa jornada.
Atento, Theo a interrompia para fazer perguntas, comentários ora
inteligentes, ora charmosos.
A refeição chegou e a conversa mudou de rumo por alguns
minutos. Anita se esmerara e acertara em cheio. A massa e o vinho estavam
perfeitos.
Era uma comida simples, porém saborosa. O vinho era bom sem ser
ostensivo.
Elogiaram a escolha da proprietária e a cozinha que preparara os
pratos deliciosos.
A dona da cantina os deixou com recomendações para comerem de
verdade e não como passarinhos e voltou a percorrer a cantina e conversar com
os clientes.
Instantes depois voltaram a conversar sobre sua história.
Theo havia pesquisado sobre a musicista na internet. Focara sua
busca por informações no site do conservatório de música no qual era professora
e também no site do instituto. O pouco que descobrira o deixara ainda mais
admirado.
Porém faltava conhecer a mulher Eva Martins.
Nada na vida o tinha preparado para a história de superação e um
profundo amor pela música que ouvia. Eva era uma dessas pessoas guiadas pelo
coração, emoção, sensibilidade e apesar de disfarçar muito bem, era uma mulher
de natureza apaixonada.
Entremeando a narração com bom humor, conversava de maneira
despretensiosa. Não existia nela a pose forçada ou o pedante
comportamento enfadado de alguns intelectuais. Foi extremamente gentil com os
garçons que serviam a mesa e falou de igual para igual com a simples e vibrante
Anita. Obstante sua privilegiada educação erudita, ou o quanto de
conhecimento e cultura a vida proporcionou, sua dama era uma mulher sem
frescuras, estrelismos ou a arrogância esnobe.
Ou seja, aos poucos Eva se revelava uma dama, no real sentido da
palavra.
Cada vez mais envolvido, a ouviu falar sobre a surpresa do
professor ao escutá-la executar as primeiras notas. As bolsas de estudos
conseguidas por indicação dos professores ou por concorridos testes.
O talento fez com que ela e a mãe se mudassem para Curitiba e Rio
Grande do Sul. Anos depois voltaram a morar em São Paulo. Com onze anos
começaram os convites para períodos de aprendizado fora do país. Boquiaberto a
ouviu falar de maneira totalmente despretensiosa de cursos na América do Sul,
Estados Unidos e Europa.
Quando tudo parecia convergir para um sucesso estrondoso, Eva
voltou ao Brasil, cinco anos atrás e desde então não retornara ao exterior. Na
época, a musicista conquistara uma importante posição em uma sinfônica na
Itália.
Ele não precisou escutar as palavras para saber o que
acontecera. Maria Flor comentou que ela perdera a mãe há três anos e tinha
quase certeza que a doença que vitimara a guerreira senhora se manifestara dois
anos antes.
O câncer era uma doença ingrata. Ele pensou.
Sua dama encerrou sua narração falando do conservatório e de seu
retorno ao instituto, agora como professora.
- Mais alguma coisa que queira saber, ou posso começar a ouvir a
sua história? - Eva perguntou descontraída.
Theo tinha muitas perguntas. Eva não citara nenhuma vez a
existência de um pai. Não era necessário ser o mais inteligentes dos homens
para entender que o sujeito responsável por sua concepção não participara de
sua vida. O quanto desse dom e vocação para música herdara dele? Perguntou-se.
Compreendia o fato de ela ocultar a doença e morte da mãe de sua
narrativa. Ele não queria provocar lembranças dolorosas. Mas tinha algo que o
estava incomodando e muito.
Em momento algum ela deixara escapar algo sobre sua vida amorosa.
Existia uma história ali, ele sentia.
Alguém a havia ferido profundamente, ele tinha quase certeza
disso.
- Nossa, falei tanto que o deixei catatônico? – Eva brincou.
Theo olhava para ela de uma maneira intensa. Como se estivesse
processando tudo o que ela dissera e pressentindo o que ocultara.
- Tem ideia do quão especial é Eva Martins? - Perguntou
ainda mais fascinado por sua dama de olhos cor de whisky.
- Se acredita que me elogiando vai escapar da sua parte do acordo,
esta muito, mas muito enganado Sr. Theo Santini – Declarou, tentando
disfarçar com bom humor, o quanto aquele comentário mexia com seus sentimentos
– A propósito, pode começar esclarecendo qual nome o fez ganhar o apelido
Theo. Tenho minhas suposições – confessou com charme.
- É mesmo? Estou curioso para saber quais são – Theo entrou na
brincadeira.
- Se eu acertar, me de deixará escolher a sobremesa – Ela
negociou.
- Desde que seja tiramisú, você pode escolher à vontade.
- Sua sorte, Teobaldo Santini, é que adoro tiramisú – Eva iniciou
o jogo de adivinhação.
Theo riu da primeira tentativa dela.
- Está frio. Muito frio senhorita Martins.
- Theóphilo? Com TH e PH?
- Não – Ele riu mais uma vez.
- Thertuliano?
Ele gargalhou
- Esse nome não existe! – Theo retrucou.
- Mas é claro que existe.
- Teocrático?
Ele riu das sugestões esdruxulas.
- Você está mesmo desesperada! Isso é um estilo de governo e não
um nome Eva.
- Vai saber o que inspirou seus pais? – Eva se justificou.
- Recebi o nome do meu avô materno, de quem herdei também o dom
para trabalhar com as plantas.
- Existe a possibilidade de Theo ser um nome e não um diminutivo –
Eva ponderou.
- Mais uma tentativa e se não acertar, eu revelo o nome correto.
- Theonísio? – Eva disse rindo e o fazendo rir.
- Agora Sr. Santini é a sua vez.
- Meu nome é Theodoro Emiliano Santini. Theodoro é uma homenagem
ao meu avô materno e Emiliano ao meu avô paterno – Theo entendeu que aquela era
a hora de revelar que ele e o Theodoro conhecido por Laura Mondrian eram o
mesmo homem.
- Quantos Theodoros Santini existem nessa cidade? – Eva perguntou
divertida por ele ter o mesmo nome do ricaço conhecido por Laura, com exceção
do nome do meio.
- Acredita em coincidência ou em destino Eva? Theo perguntou.
Ela não teve oportunidade de responder a pergunta.
O som de uma vigorosa voz ecoou pela cantina em uma fluente e
musical pronuncia napolitana, saudando os presentes e anunciando o momento mais
esperado pelos fregueses. Em seguida os primeiros acordes da Tarantella soaram
vibrantes.
Surpresa Eva olhou em direção ao palco e constatou que o homem que
os recebera, ao chegarem ao restaurante, assumira o microfone e comandava a
festa.
Os clientes, com os pequenos e enfeitados pandeiros em mãos,
erguiam-se de suas mesas, ao mesmo tempo em que o restaurante eram “invadido”
por dançarinos, tão alegres e vibrantes quanto a música, caracterizados
com as tradicionais roupas típicas.
- De onde eles saíram? – Eva perguntou estupefata.
- Chegamos ao ápice da noite – Theo comentou em voz alta o
suficiente para se fazer ouvir acima da música e conversas e se levantou.
Ele não sabia se respirava aliviado ou praguejava contra sua
sorte.
Estendeu a mão para Eva que observava a transformação do ambiente
com olhos brilhantes e um amplo sorriso em seus lábios.
- Preparada para viver a Tarantella? – Perguntou.
Ele pegou a mão estendida em sua direção.
- Viver? – Eva perguntou sem entender o real sentido da pergunta.
Theo a ergueu da cadeira, puxando o corpo macio de encontro ao
dele.
- Nós não assistimos a Tarantella! Nós a vivenciamos! – Anunciou
em um tom acima da música contagiante que animava o estabelecimento.
Entregou um dos pequenos pandeiros em suas mãos.
- Pronta? – Perguntou divertido.
Lamentava o fato de ter deixar o corpo macio se afastar do seu.
- Já nasci pronta Theodoro Emiliano Santini! - Eva respondeu
fascinada pela proximidade íntima.
Quando o sentiu soltar sua cintura, forçou-se a dar um passo para
trás. O corpo protestou a falta de contato com ele.
Com uma expressão abobalhada, Eva observava como homens, mulheres,
jovens e crianças, aderiam com prazer e alegria à farra napolitana.
Ela ainda se perguntava como os dançarinos se apresentariam, pois
o palco do lugar era mínimo. Deliciada percebeu que tudo aconteceria ali mesmo,
entre as mesas e com a participação dos fregueses da cantina.
Tentava seguir os movimentos experientes, com as mãos e pés quando
um dos dançarinos a convidou para dançar com ele, assim como vira outros
dançarinos convidarem algumas das mulheres presentes.
Theo não deu tempo para ela recusar o convite. Em italiano
fluente e cara de poucos amigos dispensou o outro homem. Segurou sua mão e
começou conduzir a ambos, através das mesas, para frente do pequeno
palco, onde os clientes e garçons arrastaram as mesas e cadeiras para abrir
espaço para a coreografia guiada pelos dançarinos e animada por Lorenzo, irmão
de Anita.
Eva o puxou de volta.
- O cello – Argumentou preocupada.
- Ele está seguro Eva.
Eva olhou incerta em direção à mesa.
Theo sentiu o quão insegura ela estava em se afastar do
instrumento. Após assistir suas apresentações ele compreendia exatamente o que
se passava. Ignorando o fato de estar cercado por pessoas por todos os lados,
ele mais uma vez, trouxe o corpo curvilíneo ao encontro do seu.
- Fidati di me – Sussurrou em seu ouvido.
Por um instante, era como se estivessem sozinhos...
Ao escutar aquelas três palavras, uma poderosa sensação percorreu
todo seu corpo, fez seu coração arder e marcou sua alma. Eva tinha a absurda
impressão de já ter ouvido aquela frase antes e que fora o próprio Theo quem as
pronunciara.
Porque estar com ele sempre a trazia esse intenso efeito de déjà
vu? Perguntava-se esquecida das pessoas que cantavam e dançavam em torno deles
e do violoncelo, pela primeira vez em sua vida.
Uma força profundamente arraigada rugiu em seu peito, quando Theo
sentiu o corpo de Eva reagir as palavras ditas no idioma de seus ancestrais.
Nem mesmo sabia como tinha acontecido. Mas uma voz em sua mente gritava algo
que ele não entendia, compreendia somente que estar com essa mulher era a coisa
certa.
- Non prendere questa bella donna a ballare Theo Santini? - A voz
de Lorenzo soou poderosa, rompendo a magia que parecia envolvê-los.
Theo riu alto da provocação e antes que Eva tivesse tempo para
protestar, a arrastou para o meio da algazarra.
Durante os seguintes trinta minutos, Eva experimentou momentos
perfeitos.
Errou mais passos que acertou, riu mais que dançou.
Bailou nos braços do homem que parecia se divertir com sua falta
de jeito para a dança típica.
Mas ali, ninguém estava ligando para isso. Todos estavam
comprometidos em aproveitar ao máximo a energia vibrante da Tarantella.
Theo observava Eva se entregar ao ritmo da música com uma alegria
contagiante. Ela imitava os passos das dançarinas e seguia suas poucas
orientações.
Com um enorme sorriso na face corada pelos movimentos e os olhos
brilhantes pelo simples prazer de experimentar, sem culpa ou compromisso, ela
parecia mais bonita e sexy do que nunca. Nos refrãos cantava em plenos pulmões,
acompanhando os demais clientes, tão envolvidos na saudável brincadeira quanto
eles.
Os bailarinos se despediram sob os fortes aplausos e lamentos dos
clientes. Os músicos que antes da farra, cantavam baladas românticas italianas,
reassumiram seus lugares.
Theo e Eva ainda riam ao retonar a mesa.
- Se eu vier aqui umas três vezes por semana, consigo entrar em
forma – Eva comentou ao sentar. Antes, é claro, os olhos buscaram o violoncelo,
que constataram que o instrumento estava no mesmo lugar e mesma posição em que
haviam deixado.
- Não tem nada errado com seu corpo Eva, acredite em mim – Theo
argumentou com os olhos presos ao dela.
Eva pensava em como responder aquele comentário, quando a voz de
Anita, ao microfone, percorreu a cantina. Ela agradecia a participação de todos
durante o que chamou de dança maluca, provocando o riso dos fregueses.
Continuou anunciando que aquela era uma noite especial, pois tinham uma presença
muito especial entre eles e que para ela, era uma honra receber em sua casa,
uma musicista com tamanho talento.
Boquiaberta Eva ouviu a dona do restaurante pronunciar seu nome e
convidá-la para dividir o talento com os presentes.
- Sou inocente – Theo respondeu tão surpreso quanto à mulher na
sua frente. Não tinha ideia de que Anita sabia quem era Eva.
Ainda corada por sua participação na Tarantella e incentivada pela
animação das pessoas às mesas próximas, buscou mais uma vez os olhos de Theo.
- Se não desejar tocar, não o faça – Ele disse olhando diretamente
em seus olhos. Ignorando os apelos em torno deles.
Eva respirou fundo e sorriu.
- O problema não é tocar, o problema é me fazer parar depois que
começo – comentou o fazendo sorrir.
Ela se levantou e a clientela aplaudiu animada.
Theo a ajudou com o violoncelo.
Parecia tão natural ter aquele homem carregando seu instrumento e
a ajudando a preparar uma apresentação. Eva refletia ao ajeitar o cello sobre o
suporte.
Após ajudá-la com o cello, Theo pediu licença a uma família que
ocupava uma das mesas próximas ao palco e perguntou se poderia se sentar com
eles para acompanhar a apresentação. Acreditando que ele era o namorado ou
marido da musicista, aprovaram seu pedido de imediato.
A mulher mais uma vez o surpreendeu.
Acreditou que ela assumiria o violoncelo e iniciaria a
apresentação improvisada. Mas Eva assumiu o microfone, agradeceu as palavras
carinhosas de Anita e o convite inesperado.
Com frases inteligentes e bem humoradas se apresentou e contou uma
breve piada sobre músicos. Ele observou que ali, além do carisma, existia uma
técnica. Naqueles breves minutos ela conseguiu atrair a atenção de todos que
ainda estavam dispersos e agitados pela movimentação de minutos antes.
Quando ela se sentou atrás do cello, um inédito silêncio preenchia
o ambiente.
Ele estava assombrado.
Exclamações surpresas escaparam através do restaurante ao
identificar os primeiros acordes de Con Te Partiro. Boquiaberta, a
improvisada platéia, a via tocar sem partitura, a releitura para o cello de
cinco canções italianas.
Theo não conseguia parar de sorrir. Estava abismado, embasbacado,
fascinado, enfeitiçado. Tudo ao mesmo tempo.
Que mulher era essa? Não conseguia parar de se perguntar.
- Será um tolo se deixar essa mulher escapar Theo Santini! -
Anita sussurrou ao lado dele.
- Ela é fantástica não é? – Ele perguntou sem conseguir deixar de
sorri.
- Qualquer mulher que coloque esse sorriso no rosto de um homem, é
a mulher perfeita para ele – Anita profetizou e afastou em direção à cozinha.
Pensava nas palavras de Anita quando aplausos entusiasmados
ressoaram entre as paredes do restaurante. Eva se levantou e agradeceu
aos aplausos.
O micro conserto havia terminado.
Theo se adiantou, ajudou-a a descer e fez a única coisa que um
homem rendido aos encantos, talento e carisma de uma mulher, poderia fazer.
A trouxe para si e a beijou.
Ovações e assovios animados os cumprimentaram.
Meia hora depois, deixavam a Cantina d´Annita, ainda embriagados
pelos acontecimentos das últimas horas.
Apesar dos protestos de Eva, Theo fez questão de acompanhá-la até
a porta de seu apartamento. Assim como não aceitou de maneira nenhuma dividir a
conta do restaurante com ela. Ao chegarem ao seu edifício, descobriram que
Herbie, o elevador, estava novamente quebrado. Subiram as escadas conversando
sobre a cantina, a apresentação improvisada e claro, a Tarantella.
Apesar da conversa descontraída, Eva sentia a pele sensibilizada
pela proximidade de horas ao lado de Theo. Ele despertava seu corpo e seus
sentidos com uma inédita força e urgência.
A voz, o cheiro, os beijos dele a faziam queimar...
Não apenas no sentido físico. Com Theo sentia uma conexão que
estava além de sua compreensão. Sentia estar segura e protegida, o que seu lado
racional gritava ser um absurdo.
Com ele sentia que seu coração estava em risco e não havia pior
momento para se descobrir apaixonada por alguém. Em três meses estaria partindo
para Londres e tudo o que não desejava era um coração partido.
Theodoro Emiliano Santini era o homem certo na hora mais errada de
sua vida.
Desde o fim da apresentação na cantina Theo percebeu a sutil
mudança em Eva. Como se o tempo passado com o violoncelo a tivesse feito
refletir sobre o quão depressa as coisas estavam acontecendo entre eles.
Ele também se sentia confuso, perdido. Era como se o destino os
tivesse atropelado com a força de um dos vagões do metrô. Pensou secretamente
divertido pela analogia.
Era a hora de dar alguns passos para trás, recuar um pouco, dar o
tempo necessário para ela se sentir à vontade e segura com ele.
Mesmo com seu corpo protestando veementemente contra sua decisão, era a coisa
certa a fazer.
Queria essa mulher de uma maneira como nunca acontecera em sua
vida. Precisava esfriar a cabeça e pensar com calma em tudo o que acontecia
entre eles.
- Pronto. Está entregue senhorita Eva Martins – Theo anunciou ao
parar diante dela, que tinha a porta do apartamento 52 às suas costas. Tudo
nele gritava contra o fim daquela noite.
Eva respirou fundo.
De repente toda a espontaneidade entre eles evaporou.
- Obrigada pela noite Theo, foi perfeita – Disse sincera.
O calor do corpo dele, parecia aquecer o seu.
- Foi sim - Contrariando sua recente decisão, aproximou-se um
pouco mais.
- A tradição pede que eu o convide para um café – Comentou sem
jeito.
Ela estava constrangida e insegura. O corpo desejava uma coisa e a
mente gritava outra.
- Acho melhor quebrarmos essa tradição por essa noite Eva – Ele se
aproximou ainda mais.
- Eu também – Ela confessou perdida nos olhos azuis.
- Existe outra tradição não é? – Theo perguntou descendo o rosto
na direção do dela.
- Qual? – Perguntou perdida na energia sensual que emanava dele.
- A que diz que o rapaz ganha um beijo da moça ao deixá-la segura
em sua casa.
Eva sorriu da perspicácia do homem que tinha o corpo quase colado
ao seu.
- Já rompemos uma tradição essa noite. Acho que não seria correto,
quebrar mais essa, o que acha? – Perguntou com voz rouca. A boca a centímetros
da dela.
- Seria imperdoável – Ela sussurrou rendida.
Theo cortou a mínima distância que existia entre eles.
O beijo começou lento, sensual, explorador. Saboreava a boca de
Eva sem pressa. Sentia a textura macia dos lábios que ainda retinham o sabor do
vinho experimentado durante o jantar. O aroma de morangos ainda exalava dela,
mesmo depois de horas e de dançar a tarantella. Invadiu a boca dela com a
língua e o desejo que vinha cozinhando à fogo lento, incendiou-se.
Enlaçou a cintura dela com o braço livre, sua outra mão ainda
segurava o violoncelo. Lamentou não poder abraçar aquele corpo macio e cheiroso
com ambos os braços.
A intensidade dos beijos foi aumentando sem que ele se desse
conta... Não conseguia parar...
Eva gemeu gostosamente em sua boca, roubando sua sanidade.
Colou seu quadril ao dela, permitindo que sentisse o quanto estava
excitado por ela.
Estava duro, dolorido e louco para estar dentro da mulher que
emitia deliciosos sons femininos em resposta às suas carícias.
Para seu desespero, a resposta de Eva ao seu gesto descarado, foi
esfregar-se contra sua dolorosa e faminta ereção. Com um grunhindo, que era um
misto de tesão e frustração, ele interrompeu o beijo.
O que restava de suas boas intenções exigia que fosse embora
naquele momento, caso contrário, estaria perdido. Pressentia que ir para cama
com Eva mudaria seus destinos e não estava seguro de que desejava que algo
mudasse em sua vida. Não na proporção que antevia.
Encaravam-se ofegantes e surpresos.
Eva não conseguia acreditar que perdera toda a noção de compostura
e bom senso.
Esfregara-se nele com uma mulher sem o senso de dignidade.
Praticamente implorava para que ele fizesse sexo com ela. E isso não era o
pior...
Mesmo sabendo o quanto tudo aquilo era errado, desejava aquele
homem com todo seu corpo e alma. Isso nunca acontecera antes.
Cada beijo, toque e carícia roubaram seu poder de raciocínio. A
razão perdia para a pura emoção de estar nos braços dele. Nunca verbalizaria
aquilo em voz alta, mas seu desejo era que Theo erguesse sua saía e a amasse
ali mesmo, no corredor, encostados a porta de seu apartamento.
Quem era esse homem e porque ele a fazia esquecer de suas
prioridades? E a fazia mandar ao inferno seu bom senso? Perguntava-se.
- Melhor eu ir embora – Theo quebrou o silêncio.
- Sim – Foi tudo o que Eva conseguiu responder.
Tudo o que deseja fazer era puxar ele volta e recomeçar de onde
tinham parado.
- A chave – Theo pediu sem tirar os olhos dos dela.
Eva entregou sem questionar ou hesitar. Não conseguiria abrir a
porta se sem constranger ainda mais, pois suas mãos tremiam.
Com gestos seguros, Theo não encontrou dificuldade alguma para
abrir a porta de seu apartamento.
- É melhor entrar e fechar a porta – Disse ao entregar o cello aos
cuidados da violoncelista.
Eva recebeu o instrumento, mas não se mexeu. Não conseguia tirar
os olhos dele. Não conseguia e não desejava se afastar. Seu coração gritava,
não desejava ficar sozinha. Não naquela noite. Não em nenhuma outra noite.
- É melhor entrar Eva – Theo repetiu – Caso contrário, eu
entrarei.
Ambos compreendiam tudo o que estava implícito naquelas palavras..
Mais uma vez ela respirou fundo.
Cristo! Nunca foi tão difícil dar dois passos para trás e fechar
uma porta.
- Boa noite Theo Santini – Ela disse e por fim deu os passos para
trás.
- Boa noite Eva Martins – Theo também retrocedeu dois passos.
Ficaram mais uns instantes em silêncio olhando um para o outro,
antes de enfim, Eva fechar, lentamente a porta.
Com as mãos fechadas em punho, Theo ordenava o cérebro a
compreender que fizera a coisa certa. Que era o momento de se afastar e deixar
aquelas sensações descontroladas se acalmarem. Era hora de ser um homem
racional e não um sujeito dominado pela testosterona.
Seguiu pelo corredor em direção da escadaria, desceu o primeiro
degrau e parou.
Ao inferno com a razão, com senso ou diabo que fosse! Praguejou.
Voltou ao apartamento e tocou a campainha.
Eva fechou a porta, encostou a cabeça sobre a madeira fria e
respirou fundo.
Pedia aos céus que estivesse fazendo a coisa certa. Pedia um sinal
de que mandar o homem do metrô embora, não fosse o maior erro de sua vida.
Seguiu em passos lentos para a sala e ainda atordoada, depositou o
violoncelo em uma poltrona e sua bolsa em outra.
A campainha soou desesperada.
Seu coração bateu descontrolado.
Com passos apressados alcançou a porta e a abriu sem se dar o
trabalho de olhar pelo olho mágico. O coração sabia quem era.
Mal a porta foi aberta, Theo devorava sua boca em um beijo
desesperado. As mãos percorriam seu corpo com ânsia, provocando a resposta que
de alguma maneira ele sabia que ela estava pronta para dar. Eva correspondia
com volúpia, agarrada a ele como um polvo, buscava a proximidade que as roupas
impediam.
Ouviu o som da porta batendo e soube que ele de alguma maneira a
fechara.
A boca dele abandonou a sua, percorreu sua face e desceu por seu
pescoço. As mãos percorriam suas costas, acariciavam sua cintura e escorregaram
por sua nádegas. Eva não conseguiu controlar o gemido necessitado que escapou
por seus lábios ao sentir a carícia sem vergonha.
- Theo – sussurrou o nome dele em meio a outro gemido e o ouviu
resmungar algo contra sua boca. E seguida sentiu que ele tirava seu
casaco.
Através da seda fina da camisa, sentia o calor das grandes nãos
que exploravam seu corpo sem pudor ou calma.
As mãos tatearam o torso rígido por cima da camiseta negra,
deslizaram pelas costas largas e alçaram os cabelos loiros que sempre pareciam
charmosamente despenteados.
Obedecendo aos instintos os puxou pelos ombros para que a
seguisse.
Seguiram juntos, entre carícias e beijos, tropeçando nos móveis e
nas paredes, rindo da fome que os impedia de se separarem, chegaram a sala e
caíram juntos sobre o macio e confortável sofá. Um emaranhado de braços,
pernas, gemidos e sussurros.
Eva estava fascinada. Sentir o peso de Theo sobre seu corpo, as
mãos dele em sua pele, a boca dele em sua boca, era o certo, era maravilhoso.
Pela primeira vez em sua vida, sentia-se sexy e feminina por
inteiro. Era desejada com o mesmo desespero com que desejava.
A mão grande e áspera infiltrou-se sob sua saia e percorreu toda a
extensão de sua perna, até agarrar seu traseiro com vontade. Em uma reação
involuntária ou não, ergueu os quadris procurando o contato que seu corpo
necessitava e ouviu um grunhido feroz, quando sem pudor algum, esfregou sua
pélvis contra o rígido pênis, ainda protegido pela calça jeans.
Theo se sentia embriagado pelo sabor, cheiro e calor do corpo sob
o seu. Eva era tudo o que um homem desejava. Uma mulher apaixonada e ardente
que o enlouquecia com seus gemidos, beijos e carícias. Uma de suas mãos, vagou
sob a saia longa e sentiu o calor morno e convidativo da pele cor de chocolate
derretido. A sentiu se arrepiar sob a palma de suas mãos. Seguiu o caminho
explorando toda a extensão da perna dela. Quando alcançou a coxa macia, foi sua
vez de gemer. Ela era uma delícia. Continuou sua exploração e em uma carícia
descaradamente safada, apertou a bunda gostosa. Foi sua perdição.
Eva gemeu e murmurou seu nome ao mesmo tempo que o quadril se
esfregou contra o dele e o resquício de controle se perdeu.
As mãos seguiram em direção a blusa de seda e enquanto a beijava,
abriu os botões com pressa e mãos desajeitadas. As mãos delicadas desceram por
seu tronco e encontram a barra de sua camiseta e puxou a peça para cima com a
mesma pressa e urgência.
- Eva – ele murmurou perdido ao sentir o toque dela em seu peito.
A ajudou a se livrar da camisa, aquela altura a saia longa era uma
emaranhado de tecido sobre o ventre feminino. Fascinando, tocou os seios cheios
sobre o sutiã branco, mais uma vez ela gemeu.
- Tem ideia do quanto é bonita? – perguntou e baixou a boca para o
pescoço delgado, desceu pelos ombros delicados, o colo de pele sedosa e
arrepiada. Sem conseguir esperar, mesmo sobre o tecido delicado do sutiã, a
boca se fechou em volta do mamilo, que enrijecido, se sobressaltava.
Eva gritou e ele sorriu.
- Linda – murmurou ao buscar o fecho sob as costas dela.
O som da campainha do telefone soou estridente no silencioso
apartamento, assustando-os.
Sorriam da inconveniente interrupção, que ambos desejavam ignorar,
quando a secretária eletrônica atendeu a chamada e a voz desesperada de Laura
Mondrian invadiu o momento de paixão.
Aos prantos a mulher pedia para Eva ligar para ela.
Um chamado que ela não poderia ignorar.
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