domingo, 5 de outubro de 2014

MEU DESTINO É VOCÊ - Capítulo 09

Capítulo 9 - Um concerto e uma cantina italiana

Theo chegou à Pinacoteca com dez minutos de antecedência do horário marcado.  Não necessitou de nenhuma indicação para encontrar o salão no qual acontecia o Sarau Literário, simplesmente seguiu o som rico e profundo do violoncelo, que era acompanhado pelos acordes elegantes de um violino.
Os instrumentos executavam perfeição poética, a melodia tema da versão para o cinema, de um famoso romance do século XIX. 
Olhares curiosos, alguns repletos de interesse, acompanharam sua chegada. Mas ele tinha olhos somente para a mulher que colocava a alma e o coração em cada acorde que executava com elegância.
Eva tirara o blazer curto. A camisa de seda branca tinha um tipo de gola feminina, um pouco maior que o usual, própria para usar com os dois primeiros botões apertos. As mangas estavam tecnicamente dobradas, para não atrapalhar os movimentos, sem tirar o charme feminino da peça. O branco abraçava a madeira do violino de uma maneira quase sensual. A saia ampla, além do óbvio conforto que proporcionava a musicista, caía em torno dela e do violoncelo com graça e leveza. Aquele nível de comunhão, técnica e sentimento, eram o resultado de muito estudo e uma extraordinária paixão pela música.
Assistir a uma apresentação de Eva, mesmo informal como aquela, fazia seu peito inchar de orgulho e seu corpo queimar de desejo. Era tão inesperado quanto surpreendente. Nunca em sua vida, imaginou que uma mulher tocando violoncelo, seria tão devastadoramente sexy, como sua dama.
Theo acreditava que a mulher de roupas e maquiagem discretas não desconfiava o quão sensual era. E isso a tornava ainda mais desejável.
Estou ferrado – Disse em silêncio para si mesmo. 
Aplausos entusiasmados soaram ao fim da apresentação. O violinista agradeceu e se dirigiu até Eva. Com um gesto galante a ajudou a levantar e após ambos agradecerem o caloroso reconhecimento, o homem se aproximou um pouco mais, olhou para os olhos de sua dama e depositou um cavalheiresco beijo sobre sua mão. As mulheres, a maioria do grupo reunido, suspiraram e aplaudiram ainda mais o gesto intencionalmente romântico.
O ciúme, frio e ácido, corroeu seu peito, ao constatar que o sujeito a comia com os olhos. A evidente sintonia entre Eva e o violinista o incomodou a um nível novo. Sentia um desejo quase incontrolável de pegar o “engomadinho” pelo colarinho e atirá-lo pela porta ou janela, o que estive mais perto.
Praguejou contra sua estupidez! Trajava jeans, camiseta e estava com a caminhonete de trabalho. Seu adversário, por sua vez, usava um terno elegante e poderia apostar que o galã do violino tinha um carro importado. Financiado e provavelmente com parcelas atrasadas, mas o suficiente para impressionar as mulheres. Pensou, permitindo-se uma dose de sarcasmo esnobe.
Saber que o tal músico estava na vida dela há mais tempo que ele, provocava uma incômoda sensação que ainda não conseguia identificar.
E foi quando os olhos castanhos e os seus se encontraram.
O sorriso de Eva se iluminou ainda mais. Os olhos brilharam com uma intensidade que roubava sua respiração. Pura satisfação masculina percorreu seu corpo ao vê-la soltar a mão do violinista e vir em sua direção.
Eva agradecia aos entusiasmados aplausos, quando foi surpreendida. Não pelo gesto galante de Heitor, afinal não era a primeira vez que se apresentavam juntos. Beijar sua mão ao final de uma apresentação era algo comum. A novidade estava no calor ardente com que os olhos cinza miravam os seus.
- Toca encantadoramente, encantadora Eva – Heitor sussurrou ainda com os lábios sobre as costas da mão de dedos longos e delicados.
Eva era uma tentação que ele estava determinado a provar – Heitor pensou determinado ao contemplar o par de olhos de um incomum tom de castanho.
- Encantada, galante cavalheiro – Ela gracejou, sorriu e mais uma vez cumprimentou os participantes do sarau.
Que novidade era aquela! Pensou incomodada pela maneira intensa e descarada com que ele a fitava.
Conhecia Heitor há anos. Sempre que surgia a oportunidade de uma apresentação em dupla, um sempre indicava o outro. Existiam sintonia e cumplicidade musical entre eles, exclusivamente isso.  Esperava sinceramente que tudo fosse parte de uma encenação para aquela apresentação.
Ainda sorria quando seus olhos encontraram um par de olhos azuis no fundo sala e tudo o mais fora relegado a segundo plano. Sentiu o coração acelerar e o corpo aquecer quase que imediatamente. Todas as intensas sensações que a assaltavam quando estava diante do “seu Theo Santini”, a atingiram com uma força ainda maior.
“Meu Theo Santini”. O pensamento a fez sorrir ainda mais. Novamente viveu a experiência de se descobrir tocando para aquele homem e mais uma vez, sentiu uma conexão ainda maior com a música.
Sem pensar ou hesitar, seguiu ao encontro dele. Parecia natural e certo caminhar até o homem que seu coração teimava em reconhecer. Ele estava todo de preto. Jeans, camiseta e sapatos pretos. Os cabelos agora estavam penteados de uma maneira que ainda pareciam meio bagunçados. Mais cedo, usando roupas surradas e com todos os sinais de um árduo dia de trabalho sobre o corpo, ele já lhe roubara a respiração. O que dizer agora?
- Vejo que é um homem pontual senhor Santini – disse ao parar diante dele.
A poderosa energia de reconhecimento ancestral pairava em tornos de seus corpos em um invisível abraço.
-  Já posso roubar você desse lugar?  - Theo perguntou enfeitiçado.
Cristo, o que acontecia com ele? – Se perguntou ainda atordoado pelo efeito devastador que a proximidade dela causava em seus sentidos.
Acariciou a face morena com um leve movimento e não resistiu a ajeitar os cabelos cacheados atrás da orelha dela. Era um gesto íntimo, uma declaração de posse, mas ele não podia fazer nada quanto a isso. A necessidade de tocar aquela mulher sobrepujava sua racionalidade.
- Ainda não. Temos mais uns quinze minutos. Consegue esperar? - Perguntou divertida.
Merda! Ela teria de voltar para o lado do violinista que ele queria jogar sobre o telhado – Praguejou em silêncio, ironizando um clássico do cinema.
- Estou tentado a jogar você sobre os ombros e fugir, o que acha? Respondeu a pergunta dela com outra.
Eva riu deliciada com o charme divertido. Deu um passo para trás e sussurrou:
- Eu adoraria.
Deixando um Theo literalmente boquiaberto, com passos apressados ela retornou ao seu lugar.
Os quinze minutos se transformaram em quarenta. O encerramento com os agradecimentos finais e cumprimentos, levaram mais vinte minutos.  A última hora fora qualquer coisa, menos aborrecida, Theo reconheceu enquanto observava, do fundo da sala, Eva receber os cumprimentos pela bela e sensível apresentação.
Quando as atividades recomeçaram, após a apresentação dos músicos, Theo descobriu que estavam apresentando e discutindo o livro Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Era incrível como a história, publicada no século XIX, ainda suscitava polêmica e discussão. Quase enxergava sua irmã, defendendo argumentos e levantando questões políticas, sociais e humanas abordadas pelo romance.
Quando Eva recebia o último cumprimento, o galã do violino se aproximou. Com uma naturalidade que o irritou, o sujeito entrou na conversa como se estivesse participado desde o início. O sangue ferveu ao notar uma das mãos do violinista pousadas na base das costas de sua dama. A intimidade daquele toque o revoltou.
Com passos decididos seguiu em direção aos músicos.
Eva recebia o cumprimento de uma senhora simpática, entusiasta da música clássica quando Heitor se aproximou. Galante e charmoso conquistou a atenção da elegante e culta senhora em segundos. Ao se afastar, a mulher tinha um sonhador sorriso nos lábios.
- Você é incrível – Ela elogiou o músico, ainda observado o caminhar, que parecia passos sobre nuvens, da velha senhora – Como consegue?
- Todos necessitam de sonhos e desejos Eva – Sussurrou ainda com a mão apoiada às costas dela.
Sob as roupas discretas e elegantes, Heitor desconfiava estar um corpo de passista de escola de samba que faria qualquer homem salivar. Não as mulatas de hoje, que tinham corpos malhados em academias. Mas o corpo naturalmente curvilíneo, que enlouqueceria um homem com luxúria. Eva possuía as curvas generosas herdadas de seus antepassados.
- Bom... Isso é verdade – Eva concordou – E essa noite aquela senhora sonhará com você – comentou divertida ao dar uma última olhada na senhora que agora conversava animadamente com outras mulheres. Certamente compartilhando a experiência do breve contato com o encantador violinista.
Animada com a apresentação e com o homem que a esperava no fundo da sala, voltou-se para o cello e começou a preparar o instrumento e os acessórios usados para serem guardados na capa protetora.
Onde eu estava durante todos esses anos? Heitor se perguntava ao observar a mulher que, concentrada em guardar cuidadosamente seu instrumento, o ignorava placidamente.
Como pude ignorar o quão quente e deliciosa essa mulher pode ser? Perguntou-se, ao devorar descaradamente o corpo feminino com o olhar.
- Quais são os seus desejos Eva? – perguntou com uma voz propositalmente sedutora.
- Quer que os enuncie em ordem de importância ou alfabética? – ela respondeu em um tom brincalhão ao fechar o zíper da capa que protegia seu instrumento. Alheia a tentativa de sedução.
- O que acha de conversamos sobre esse assunto em um jantar? Depois prometo deixá-la à salvo em seu castelo.
Heitor estava preparado para a resistência dela, assim como confiava em seus argumentos para fazer a reticente mulher, ceder ao seu charme.
- Hoje ela é minha – Theo anunciou ao se aproximar, passando um braço em torno da cintura de Eva em uma arrogante declaração de posse – Desculpa amigo – pronunciou o falso lamento com um perigoso sorriso no rosto.
Em sua mente, Theo imaginava o quão bem se sentiria ao esmurrar o Dom Juan do violino. O prazer seria inenarrável, reconheceu. Mas não faria nada para envergonhar sua dama e muito menos, estragaria sua noite com ela.
Heitor reconheceu o homem a quem Eva cumprimentara mais cedo.
Quem era o tal sujeito de jeans e camiseta? Porque a abraçava com tamanha intimidade? Há muito tempo que Eva não saia com alguém, ponderou.
Não disfarçou o desagrado por ter o território invadido pelo desconhecido. Em um descarado escrutínio, mostrou ao outro, que o sujeito não estava à altura de uma disputa com ele.
A testosterona vibrava agressiva no ar.
Eva percebeu a antipatia imediata que nasceu entre os dois homens.
Sentir o braço de Theo agarrado a sua cintura roubou sua capacidade de articulação por uns rápidos segundos. Ter o corpo dele, encostado ao seu, fez seus hormônios gritarem de alegria. Lá estava aquela estranha e familiar sensação de conhecer intimamente o toque desse homem.
Foi expulsa de seu momentâneo torpor  pela maneira ofensiva com que o violinista encarava Theo. O queixo quase caiu ao ver a encarada esnobe e arrogante de Heitor.
- Heitor quero que conheça Theo Santini – Fez a apresentação exigida pela boa educação, mas com um olhar duro, exigiu que o músico se comportasse – Theo esse é Heitor Avelar - Ainda chocada pela atitude ofensiva, observou o aperto de mão entre os dois homens.
Heitor reconheceu o sobrenome tradicional de imediato.
- Um sobrenome e tanto senhor Santini – cumprimentou quase arrependido.
A mulher não escolhia homens fracos! Pensou divertido.
- Tão bom quanto qualquer outro – Theo respondeu em um tom seco e desinteressado.
Idiota! Praguejou em sua mente.
Olhou para a mulher ao seu lado e sentiu imediatamente o controle e calma alagarem seu corpo.
- Podemos ir? – Perguntou com a voz quente e sensual.
- Podemos – Eva respondeu ao mesmo tempo em que pegava a alça da capa do violoncelo. 
- Posso? – Theo estendeu a mão livre em direção do instrumento.
- Claro – Ela entregou o instrumento sem hesitação.
 Despediram-se rapidamente do músico e seguiram em direção à saída.
Heitor olhava estarrecido para o casal que deixava o salão. Um músico nunca entregava seu instrumento nas mãos de terceiros. Era quase um sacrilégio fazer tal coisa. Até aquela noite Eva também seguia a risca essa regra. Pelo menos até um Santini cruzar o seu caminho.
Santini ou não, não desistiria. Perdera a primeira batalha, mas a guerra só tinha começado. Pensou ao ver a musicista cruzar a porta de saída.
- Desculpe pelo comportamento horrível do Heitor – Eva comentou ao deixarem o salão  - Ele normalmente não...  – O que pretendia dizer, foi esquecido, ao sentir seu corpo ser puxado de encontro ao dele e os lábios tomados em um beijo faminto. 
Mais uma vez Theo a silenciava com um beijo. Um beijo que devastava seu controle e fazia seu corpo arder.
Ao ultrapassar as portas e encontrar o corredor vazio, Theo fez o que desejara fazer desde que entrou no salão há uma hora. Trouxe o corpo de Eva de encontro ao seu e a beijou. Imediatamente seu sistema foi invadido pelo sabor de primavera. O aroma de morangos silvestres brindou seu olfato. As mãos de dedos longos agarram sua camiseta. O prazer rugiu em seu peito. Beijar essa mulher provocava emoções densas e profundas.
Hesitante, diminuiu a intensidade do beijo, antes de enfim conseguir se afastar dos lábios mais saborosos que tinha provado em sua vida.
- Ele é só mais um idiota arrogante. Não tem que se desculpar – Disse acariciando a face delicada cor de chocolate derretido.
O que há comigo que não consigo parar de tocar essa mulher? Perguntou-se.
- Você realmente sabe como calar uma mulher – Eva gracejou entre tonta e encantada.
- Espero que essa mulher esteja com fome, pois estou determinado a levá-la para jantar – Comentou ao descerem as escadas.
- Essa mulher confessa estar faminta – comentou bem humorada.
Theo estava nervoso.
Obedecendo a um impulso, vestira jeans e fora ao primeiro encontro com Eva com a pick-up de trabalho.  Queria que ela apreciasse estar com ele, sem toda a incômoda bagagem que seu sobrenome trazia. Sabia que teria de contar a ela, quem ele era. Que o “seu Theo Santini e o Theodoro Santini, que a amiga Laura conhecia, eram a mesma pessoa. Porém desejava que ela conhecesse o Theo com coração de jardineiro e quisesse estar com ele, antes de apresentar o herdeiro de uma corporação, o homem que carregava o sobrenome de uma família com mais de duzentos anos de tradição.
Pararam diante do utilitário. Atento a reação da mulher ao seu lado, desativou o alarme.
- Oh Meu Deus! – Eva exclamou – Você tem uma C-10! – comentou entusiasmada ao contemplar o utilitário vermelho da década de 70 – Você sabe há quantos anos não vejo uma dessas? – perguntou.
- Você já teve uma C-10? – Ele perguntou desconfiado.
- Eu? Quem dera! – Eva colocou as mãos sobre o capô – Era o carro da paróquia da comunidade em que eu morava. A mesma do instituto no qual dou aula – Informou. As mãos deslizando sobre o capô – Nossa, a coitada carregava desde os instrumentos do instituto para as apresentações, a mudanças dos paroquianos. O padre ficava enlouquecido com as crianças que adoravam se pendurar na caçamba da caminhonete – Ela é valente! Forte, robusta e carrega o mundo naquela caçamba.
Eva tinha uma expressão nostálgica em seu rosto.
Theo não sabia o que pensar daquela reação.
- Acredite já testei esse mito – Comentou ao abrir a porta do passageiro – E é verdade – disse animado ao ajudá-la a subir. Não resistiu a ajudá-la a colocar o cinto de segurança. A proximidade fez estragos ao seu controle – Fico feliz que goste do meu carro senhorita Martins – depositou um beijo rápido nos lábios nos quais estava se tornando viciado e entregou o violoncelo.
- O que aconteceu a caminhonete da comunidade? – Perguntou curiosos ao entrar pelo lado do motorista.
- Faleceu, após perecer por anos. Todos na comunidade tinham uma experiência com ela. Ou ajudaram a empurrar para o motor pegar, ou se tornaram mecânicos autodidatas ao ajudarem o padre – Eva comentou bem humorada.
Theo balançou a cabeça ao mesmo tempo em que sorria. Essa mulher o confundia, o enfeitiçava e decididamente o excitava.
- Pensei em levá-la em um lugar que gosto muito. Mas é um lugar simples, com comida simples. Talvez você queira ir a outro lugar – Ponderou cauteloso.
- Seu plano inicial parece perfeito – Eva respondeu sincera.
Refletiu sobre o comportamento de Theo, parecia incomodado por não ter um carro importado ou não poder levá-la a um restaurante de luxo. Creditou essa atitude a reação esnobe e arrogante de Heitor. Nunca julgou um homem por sua conta bancária ou o carro que ele conduzia.
Simplicidade era tudo o que desejava aquela noite. Pensou tranquila.
- Lembre-se que confiou no meu julgamento – disse em um tom de alerta.
- Sim senhor – Eva respondeu com uma continência.
Theo sorriu e novamente balançou a cabeça. Ainda sorrindo ligou o carro.
- Esse não é um motor de uma C-10, conheço o som deles – Comentou surpreendida pelo som potente.
****************** 
Surpresa, Eva viu a pick-up ganhar as ruas do tradicional Bixiga, o bairro mais italiano de São Paulo. Repletos de restaurantes, cantinas, trattorias, tabernas e choperias, era um lugar para os amantes da gastronomia italiana e seus deliciosos vinhos.
Fazia muito tempo que não vinha ao Bixiga. Eva pensava ao contemplar, pela janela do utilitário, os estabelecimentos em suas diversas cores e tamanhos e a intensa movimentação das ruas.
A pick-up parou em frente a um estabelecimento e Theo buzinou três vezes. A fachada nas cores da bandeira italiana chamava atenção para o lugar de tamanho modesto, comparado aos demais estabelecimentos da rua.
Eva lia o luminoso que anunciava Cantina d´Anita, quando um homem, de traços europeus, um corpo arredondado e um franco sorriso no rosto, deixou o estabelecimento e retirou os cones que reservavam a vaga de estacionamento em frente ao lugar.
Theo fez um gesto de agradecimento e estacionou o veículo.
- Tráfico de influência? – Eva comentou divertida.
Ele sorriu concentrado na manobra.
- Prefiro pensar que tenho os amigos certos – Piscou para ela charmoso.
- Acabei de perceber que não perguntei se gosta de comida italiana – Theo comentou já do lado de fora do carro ao ajudá-la a descer.
- Não conheço ninguém que não goste de comida italiana – Eva respondeu ainda mais encantada com o cavalheirismo e gentilezas do homem que não parava de surpreendê-la.
- Vamos então – Theo pegou sua mão e a guiou para o interior do estabelecimento.
Ao entrarem seus sentidos foram bombardeados pelo colorido da decoração com mesas cobertas por toalhas verdes e vermelhas, móveis simples, mas de madeira com excelente qualidade preenchiam o lugar. Os aromas de especiarias, pizza, molhos e massa, pairavam no interior da cantina. Conversas e risos animados disputavam o volume com a música ambiente interpretada pela banda em um pequeno palco.
O homem que liberara a vaga do estacionamento se aproximou sorridente. Eva simpatizou com ele de cara. Era uma dessas pessoas que você gosta sem entender bem o motivo. Theo os apresentou e descobriu que o nome do italiano era Lorenzo. Ele e a irmã Anita, eram sócios no estabelecimento.
Lorenzo os conduziu até uma das mesas próximas as janelas e de frente para o modesto palco.
Era um dos melhores lugares do restaurante e estava reservado para eles. Isso dizia muito da relação de Theo com a família dona da cantina.
Em seguida, uma mulher de aproximadamente quarenta anos, curvas generosas e cabelos claros muito curtos se aproximou. Em seguida Anita foi apresentada à Eva. A dona da cantina era uma mulher com uma energia vibrante, que parecia abraçar tudo a sua volta.
- Você sabe como impressionar uma mulher – Eva disse divertida quando Lorenzo e Anita se afastaram.
- Guarde os elogios para quando provar a comida, isso se gostar – ele brincou.
Por um instante os olhos dela se concentraram na banda. O som  da música italiana a fazia querer suspirar.
- Adoro musica italiana – confessou – Considero um dos idiomas mais bonitos do mundo.
- Ao lado do nosso bom e velho português? – Theo provocou.
- Nosso português é lindo em sua complexidade – ela concedeu.
- Ele está menos complexo agora. Pelo menos é o que dizem – Theo comentou sem tirar os olhos dela.
- Depende do ponto de vista. – ela ponderou – Temos de reaprender o que já sabíamos, então em minha opinião, a mudança veio para complicar  e não para facilitar a nossa vida. Porque as pessoas vivem mexendo no que já está pronto e funciona perfeitamente bem? – perguntou e continuou – Fiquei tão chateada quando excluíram o trema da nossa ortografia! Era um dos símbolos da miscigenação do nosso país. Nossa língua é uma bela mistura de vários idiomas. O trema era romântico e lírico, e agora foi expulso. Estou falando demais não estou?  - Eva perguntou  constrangida – Desculpe.
- Estou adorando suas considerações – Theo estava cada vez mais curioso sobre essa mulher que mexia com ele há um nível totalmente novo.
- Uma das minhas amigas diz que isso é reflexo do excessivo tempo que passo em silêncio quando estou estudando ou compondo. Tocar é um exercício de silêncio e escuta. Para encontrar a harmonia perfeita, temos de apurar a audição e para isso o exercício do silêncio externo e interno é essencial. Então quando começo a falar, como estou neste momento, não paro – concluiu rindo.
Theo sorriu seduzido pelo leve constrangimento dela. Eva tinha uma voz de sonoridade agradável e sensual. O som o fazia pensar em uma sinfonia, ora vibrante e repleta de emoção, ora suave e comovente.
Ele estava perdido – Mais uma vez admitiu para si mesmo.
- Então vou aproveitar esse seu momento falante a meu favor – Comentou.
Não conseguiu resistir à tentação de tocá-la novamente. Em gesto quase inconsciente, tocou os cabelos negros.  Em uma carícia despretensiosa, mais uma vez ajeitou uma mecha de cachos brilhantes e macios atrás da delicada orelha feminina.
Eva o olhou de forma interrogativa.
- Me conte tudo sobre você Eva Martins  – pediu.
- Esse é um pedido perigoso – respondeu em um tom descontraído – É um dos assuntos que me fazem falar sem parar. Tem certeza que está preparado para isso? – Perguntou em tom de provocação e desafio.
- Quero saber tudo sobre você moça – Ele disse ainda acariciando os cachos negros.
- Eu conto tudo o que deseja saber sobre mim, exceto os assuntos comprometedores, é claro – disse em tom divertido.
- Claro – ele concordou rindo.
- Em troca, você me conta tudo sobre você – Ela sugeriu.
- Exceto os assuntos comprometedores – Ele a parafraseou.
- É claro – disseram juntos.
- Você primeiro senhorita Martins.
- Ok. O que gostaria de saber?
- Tudo Eva. Onde nasceu, estudou, como foi sua infância, quando descobriu que tinha esse dom incrível, como escolheu o violoncelo como instrumento – ela o interrompeu.
- Cello – informou e continuou ao ver a interrogação no rosto dele – Não chamamos violoncelo, dizemos cello.
Theo percebeu que a correção era uma prova do quanto ela se sentia à vontade e confiava no seu bom senso. De alguma forma Eva sabia que ele não se sentiria ofendido com a correção.
- Como escolheu o cello como instrumento, os lugares que conheceu, enfim tudo.
- Uau, você é um homem corajoso – comentou impressionada. – Vamos ver...  Em uma noite fria de inverno fui concebida – começou com falso tom de seriedade  provocando uma sonora gargalhada em seu ouvinte  – Melhor pularmos essa parte – ponderou rindo.
Ainda sorrindo, ela começou a narrar sua história. Os primeiros minutos foram tensos, não sabia ao certo o que fazer com as mãos ou como não tornar a narrativa enfadonha. Porém, passado o nervosismo inicial, descobriu-se totalmente à vontade com Theo Santini.
Era como se o conhecesse há anos.
Eva falou sobre a determinação da mãe de conseguir para ela uma vida diferente da vida sofrida que levava. Do sonho de Dona Tereza Martins de ter uma filha bailarina. Narrou com entusiasmo o dia em que ouviu pela primeira vez o som do cello. Com os olhos brilhantes, contou que havia terminado a aula de balé e seguia para saída, quando um som irresistivelmente comovente soou através dos corredores. Encantada entrou na sala na qual eram ministradas aulas de instrumentos de corda e sentada quietinha em um canto assistiu a aula. Sentiu o coração aquecer ao recordar que naquele exato momento em que observava a aula, soube o que desejava fazer em sua vida. Aos oito anos de idade, soube com uma certeza assustadora que seria uma musicista e que o cello seria seu companheiro nessa jornada.
Atento, Theo a interrompia para fazer perguntas, comentários ora inteligentes, ora charmosos.
A refeição chegou e a conversa mudou de rumo por alguns minutos.  Anita se esmerara e acertara em cheio. A massa e o vinho estavam perfeitos.
Era uma comida simples, porém saborosa. O vinho era bom sem ser ostensivo.
Elogiaram a escolha da proprietária e a cozinha que preparara os pratos deliciosos.
A dona da cantina os deixou com recomendações para comerem de verdade e não como passarinhos e voltou a percorrer a cantina e conversar com os clientes.
Instantes depois voltaram a conversar sobre sua história.
Theo havia pesquisado sobre a musicista na internet. Focara sua busca por informações no site do conservatório de música no qual era professora e também no site do instituto. O pouco que descobrira o deixara ainda mais admirado.
Porém faltava conhecer a mulher Eva Martins.
Nada na vida o tinha preparado para a história de superação e um profundo amor pela música que ouvia. Eva era uma dessas pessoas guiadas pelo coração, emoção, sensibilidade e apesar de disfarçar muito bem, era uma mulher de natureza apaixonada.
Entremeando a narração com bom humor, conversava de maneira despretensiosa.  Não existia nela a pose forçada ou o pedante comportamento enfadado de alguns intelectuais. Foi extremamente gentil com os garçons que serviam a mesa e falou de igual para igual com a simples e vibrante Anita.  Obstante sua privilegiada educação erudita, ou o quanto de conhecimento e cultura a vida proporcionou, sua dama era uma mulher sem frescuras, estrelismos ou a arrogância esnobe.
Ou seja, aos poucos Eva se revelava uma dama, no real sentido da palavra.
Cada vez mais envolvido, a ouviu falar sobre a surpresa do professor ao escutá-la executar as primeiras notas. As bolsas de estudos conseguidas por indicação dos professores ou por concorridos testes.
O talento fez com que ela e a mãe se mudassem para Curitiba e Rio Grande do Sul. Anos depois voltaram a morar em São Paulo. Com onze anos começaram os convites para períodos de aprendizado fora do país. Boquiaberto a ouviu falar de maneira totalmente despretensiosa de cursos na América do Sul, Estados Unidos e Europa. 
Quando tudo parecia convergir para um sucesso estrondoso, Eva voltou ao Brasil, cinco anos atrás e desde então não retornara ao exterior. Na época, a musicista conquistara uma importante posição em uma sinfônica na Itália.
Ele não precisou escutar as palavras para saber o que acontecera.  Maria Flor comentou que ela perdera a mãe há três anos e tinha quase certeza que a doença que vitimara a guerreira senhora se manifestara dois anos antes. 
O câncer era uma doença ingrata. Ele pensou.
Sua dama encerrou sua narração falando do conservatório e de seu retorno ao instituto, agora como professora.
- Mais alguma coisa que queira saber, ou posso começar a ouvir a sua história?  - Eva perguntou descontraída.
Theo tinha muitas perguntas. Eva não citara nenhuma vez a existência de um pai. Não era necessário ser o mais inteligentes dos homens para entender que o sujeito responsável por sua concepção não participara de sua vida. O quanto desse dom e vocação para música herdara dele? Perguntou-se.
Compreendia o fato de ela ocultar a doença e morte da mãe de sua narrativa. Ele não queria provocar lembranças dolorosas. Mas tinha algo que o estava incomodando e muito.
Em momento algum ela deixara escapar algo sobre sua vida amorosa.
Existia uma história ali, ele sentia.
Alguém a havia ferido profundamente, ele tinha quase certeza disso.
- Nossa, falei tanto que o deixei catatônico? – Eva brincou.
Theo olhava para ela de uma maneira intensa. Como se estivesse processando tudo o que ela dissera e pressentindo o que ocultara.
- Tem ideia do quão especial é Eva Martins?  - Perguntou ainda mais fascinado por sua dama de olhos cor de whisky.
- Se acredita que me elogiando vai escapar da sua parte do acordo, esta muito, mas muito enganado Sr. Theo Santini  – Declarou, tentando disfarçar com bom humor, o quanto aquele comentário mexia com seus sentimentos  – A propósito, pode começar esclarecendo qual nome o fez ganhar o apelido Theo. Tenho minhas suposições – confessou com charme.
- É mesmo? Estou curioso para saber quais são – Theo entrou na brincadeira.
- Se eu acertar, me de deixará escolher a sobremesa – Ela negociou.
- Desde que seja tiramisú, você pode escolher à vontade.
- Sua sorte, Teobaldo Santini, é que adoro tiramisú – Eva iniciou o jogo de adivinhação.
Theo riu da primeira tentativa dela.
- Está frio. Muito frio senhorita Martins.
- Theóphilo? Com TH e PH?
- Não – Ele riu mais uma vez.
- Thertuliano?
Ele gargalhou
- Esse nome não existe! – Theo retrucou.
- Mas é claro que existe.
- Teocrático?
Ele riu das sugestões esdruxulas.
- Você está mesmo desesperada! Isso é um estilo de governo e não um nome Eva.
- Vai saber o que inspirou seus pais? – Eva se justificou.
- Recebi o nome do meu avô materno, de quem herdei também o dom para trabalhar com as plantas.
- Existe a possibilidade de Theo ser um nome e não um diminutivo – Eva ponderou.
- Mais uma tentativa e se não acertar, eu revelo o nome correto.
- Theonísio? – Eva disse rindo e o fazendo rir.
- Agora Sr. Santini é a sua vez.
- Meu nome é Theodoro Emiliano Santini. Theodoro é uma homenagem ao meu avô materno e Emiliano ao meu avô paterno – Theo entendeu que aquela era a hora de revelar que ele e o Theodoro conhecido por Laura Mondrian eram o mesmo homem. 
- Quantos Theodoros Santini existem nessa cidade? – Eva perguntou divertida por ele ter o mesmo nome do ricaço conhecido por Laura, com exceção do nome do meio.
- Acredita em coincidência ou em destino Eva? Theo perguntou.
Ela não teve oportunidade de responder a pergunta.
O som de uma vigorosa voz ecoou pela cantina em uma fluente e musical pronuncia napolitana, saudando os presentes e anunciando o momento mais esperado pelos fregueses. Em seguida os primeiros acordes da Tarantella soaram vibrantes.
Surpresa Eva olhou em direção ao palco e constatou que o homem que os recebera, ao chegarem ao restaurante, assumira o microfone e comandava a festa.
Os clientes, com os pequenos e enfeitados pandeiros  em mãos, erguiam-se de suas mesas, ao mesmo tempo em que o restaurante eram “invadido” por dançarinos, tão alegres e vibrantes quanto a música,  caracterizados com as tradicionais roupas típicas.
- De onde eles saíram? – Eva perguntou estupefata.
- Chegamos ao ápice da noite – Theo comentou em voz alta o suficiente para se fazer ouvir acima da música e conversas e se levantou.
Ele não sabia se respirava aliviado ou praguejava contra sua sorte.
Estendeu a mão para Eva que observava a transformação do ambiente com olhos brilhantes e um amplo sorriso em seus lábios.
- Preparada para viver a Tarantella? – Perguntou.
Ele pegou a mão estendida em sua direção.
- Viver? – Eva perguntou sem entender o real sentido da pergunta.
Theo a ergueu da cadeira, puxando o corpo macio de encontro ao dele.
- Nós não assistimos a Tarantella! Nós a vivenciamos! – Anunciou em um tom acima da música contagiante que animava o estabelecimento.
Entregou um dos pequenos pandeiros em suas mãos.
- Pronta? – Perguntou divertido.
Lamentava o fato de ter deixar o corpo macio se afastar do seu.
- Já nasci pronta Theodoro Emiliano Santini! - Eva respondeu fascinada pela proximidade íntima.
Quando o sentiu soltar sua cintura, forçou-se a dar um passo para trás. O corpo protestou a falta de contato com ele.
Com uma expressão abobalhada, Eva observava como homens, mulheres, jovens e crianças, aderiam com prazer e alegria à farra napolitana.  
Ela ainda se perguntava como os dançarinos se apresentariam, pois o palco do lugar era mínimo. Deliciada percebeu que tudo aconteceria ali mesmo, entre as mesas e com a participação dos fregueses da cantina.
Tentava seguir os movimentos experientes, com as mãos e pés quando um dos dançarinos a convidou para dançar com ele, assim como vira outros dançarinos convidarem algumas das mulheres presentes.
Theo não deu tempo para ela recusar o convite.  Em italiano fluente e cara de poucos amigos dispensou o outro homem. Segurou sua mão e começou conduzir a ambos, através das mesas, para  frente do pequeno palco, onde os clientes e garçons arrastaram as mesas e cadeiras para abrir espaço para a coreografia guiada pelos dançarinos e animada por Lorenzo, irmão de Anita.
Eva o puxou de volta.
- O cello – Argumentou preocupada.
- Ele está seguro Eva.
Eva olhou incerta em direção à mesa.
Theo sentiu o quão insegura ela estava em se afastar do instrumento. Após assistir suas apresentações ele compreendia exatamente o que se passava. Ignorando o fato de estar cercado por pessoas por todos os lados, ele mais uma vez, trouxe o corpo curvilíneo ao encontro do seu.
- Fidati di me – Sussurrou em seu ouvido.
Por um instante, era como se estivessem sozinhos...
Ao escutar aquelas três palavras, uma poderosa sensação percorreu todo seu corpo, fez seu coração arder e marcou sua alma. Eva tinha a absurda impressão de já ter ouvido aquela frase antes e que fora o próprio Theo quem as pronunciara.
Porque estar com ele sempre a trazia esse intenso efeito de déjà vu? Perguntava-se esquecida das pessoas que cantavam e dançavam em torno deles e do violoncelo, pela primeira vez em sua vida.
Uma força profundamente arraigada rugiu em seu peito, quando Theo sentiu o corpo de Eva reagir as palavras ditas no idioma de seus ancestrais. Nem mesmo sabia como tinha acontecido. Mas uma voz em sua mente gritava algo que ele não entendia, compreendia somente que estar com essa mulher era a coisa certa.
- Non prendere questa bella donna a ballare Theo Santini? - A voz de Lorenzo soou poderosa, rompendo a magia que parecia envolvê-los.
Theo riu alto da provocação e antes que Eva tivesse tempo para protestar, a arrastou para o meio da algazarra.
Durante os seguintes trinta minutos, Eva experimentou momentos perfeitos.
Errou mais passos que acertou, riu mais que dançou.
Bailou nos braços do homem que parecia se divertir com sua falta de jeito para a dança típica.
Mas ali, ninguém estava ligando para isso. Todos estavam comprometidos em aproveitar ao máximo a energia vibrante da Tarantella.
Theo observava Eva se entregar ao ritmo da música com uma alegria contagiante. Ela imitava os passos das dançarinas e seguia suas poucas orientações.
Com um enorme sorriso na face corada pelos movimentos e os olhos brilhantes pelo simples prazer de experimentar, sem culpa ou compromisso, ela parecia mais bonita e sexy do que nunca. Nos refrãos cantava em plenos pulmões, acompanhando os demais clientes, tão envolvidos na saudável brincadeira quanto eles.
Os bailarinos se despediram sob os fortes aplausos e lamentos dos clientes. Os músicos que antes da farra, cantavam baladas românticas italianas, reassumiram seus lugares.
Theo e Eva ainda riam ao retonar a mesa.
- Se eu vier aqui umas três vezes por semana, consigo entrar em forma – Eva comentou ao sentar. Antes, é claro, os olhos buscaram o violoncelo, que constataram que o instrumento estava no mesmo lugar e mesma posição em que haviam deixado.
- Não tem nada errado com seu corpo Eva, acredite em mim – Theo argumentou com os olhos presos ao dela.
Eva pensava em como responder aquele comentário, quando a voz de Anita, ao microfone, percorreu a cantina. Ela agradecia a participação de todos durante o que chamou de dança maluca, provocando o riso dos fregueses. Continuou anunciando que aquela era uma noite especial, pois tinham uma presença muito especial entre eles e que para ela, era uma honra receber em sua casa, uma musicista com tamanho talento.
Boquiaberta Eva ouviu a dona do restaurante pronunciar seu nome e convidá-la para dividir o talento com os presentes.
- Sou inocente – Theo respondeu tão surpreso quanto à mulher na sua frente. Não tinha ideia de que Anita sabia quem era Eva.
Ainda corada por sua participação na Tarantella e incentivada pela animação das pessoas às mesas próximas, buscou mais uma vez os olhos de Theo.
- Se não desejar tocar, não o faça – Ele disse olhando diretamente em seus olhos. Ignorando os apelos em torno deles.
Eva respirou fundo e sorriu.
- O problema não é tocar, o problema é me fazer parar depois que começo – comentou o fazendo sorrir.
Ela se levantou e a clientela aplaudiu animada.
Theo a ajudou com o violoncelo.
Parecia tão natural ter aquele homem carregando seu instrumento e a ajudando a preparar uma apresentação. Eva refletia ao ajeitar o cello sobre o suporte.
Após ajudá-la com o cello, Theo pediu licença a uma família que ocupava uma das mesas próximas ao palco e perguntou se poderia se sentar com eles para acompanhar a apresentação. Acreditando que ele era o namorado ou marido da musicista, aprovaram seu pedido de imediato.
A mulher mais uma vez o surpreendeu.
Acreditou que ela assumiria o violoncelo e iniciaria a apresentação improvisada. Mas Eva assumiu o microfone, agradeceu as palavras carinhosas de Anita e o convite inesperado.
Com frases inteligentes e bem humoradas se apresentou e contou uma breve piada sobre músicos. Ele observou que ali, além do carisma, existia uma técnica. Naqueles breves minutos ela conseguiu atrair a atenção de todos que ainda estavam dispersos e agitados pela movimentação de minutos antes.
Quando ela se sentou atrás do cello, um inédito silêncio preenchia o ambiente.
Ele estava assombrado.
Exclamações surpresas escaparam através do restaurante ao identificar os primeiros acordes de Con Te Partiro.  Boquiaberta, a improvisada platéia, a via tocar sem partitura, a releitura para o cello de cinco canções italianas.
Theo não conseguia parar de sorrir. Estava abismado, embasbacado, fascinado, enfeitiçado. Tudo ao mesmo tempo.
Que mulher era essa? Não conseguia parar de se perguntar.
- Será um tolo se deixar essa mulher escapar Theo Santini! -  Anita sussurrou ao lado dele.
- Ela é fantástica não é? – Ele perguntou sem conseguir deixar de sorri.
- Qualquer mulher que coloque esse sorriso no rosto de um homem, é a mulher perfeita para ele – Anita profetizou e afastou em direção à cozinha.
Pensava nas palavras de Anita quando aplausos entusiasmados ressoaram entre  as paredes do restaurante. Eva se levantou e agradeceu aos aplausos.
O micro conserto havia terminado.
Theo se adiantou, ajudou-a a descer e fez a única coisa que um homem rendido aos encantos, talento e carisma de uma mulher, poderia fazer.
A trouxe para si e a beijou.
Ovações e assovios animados os cumprimentaram.
Meia hora depois, deixavam a Cantina d´Annita, ainda embriagados pelos acontecimentos das últimas horas.
Apesar dos protestos de Eva, Theo fez questão de acompanhá-la até a porta de seu apartamento. Assim como não aceitou de maneira nenhuma dividir a conta do restaurante com ela. Ao chegarem ao seu edifício, descobriram que Herbie, o elevador, estava novamente quebrado. Subiram as escadas conversando sobre a cantina, a apresentação improvisada e claro, a Tarantella. 
Apesar da conversa descontraída, Eva sentia a pele sensibilizada pela proximidade de horas ao lado de Theo. Ele despertava seu corpo e seus sentidos com uma inédita força e urgência.
A voz, o cheiro, os beijos dele a faziam queimar...
Não apenas no sentido físico. Com Theo sentia uma conexão que estava além de sua compreensão. Sentia estar segura e protegida, o que seu lado racional gritava ser um absurdo.
Com ele sentia que seu coração estava em risco e não havia pior momento para se descobrir apaixonada por alguém. Em três meses estaria partindo para Londres e tudo o que não desejava era um coração partido.
Theodoro Emiliano Santini era o homem certo na hora mais errada de sua vida.
Desde o fim da apresentação na cantina Theo percebeu a sutil mudança em Eva. Como se o tempo passado com o violoncelo a tivesse feito refletir sobre o quão depressa as coisas estavam acontecendo entre eles.
Ele também se sentia confuso, perdido. Era como se o destino os tivesse atropelado com a força de um dos vagões do metrô. Pensou secretamente divertido pela analogia.
Era a hora de dar alguns passos para trás, recuar um pouco, dar o tempo necessário para ela se sentir  à  vontade e segura com ele. Mesmo com seu corpo protestando veementemente contra sua decisão, era a coisa certa a fazer.
Queria essa mulher de uma maneira como nunca acontecera em sua vida. Precisava esfriar a cabeça e pensar com calma em tudo o que acontecia entre eles.
- Pronto. Está entregue senhorita Eva Martins – Theo anunciou ao parar diante dela, que tinha a porta do apartamento 52 às suas costas. Tudo nele gritava contra o fim daquela noite.
 Eva respirou fundo.
De repente toda a espontaneidade entre eles evaporou.
- Obrigada pela noite Theo, foi perfeita – Disse sincera.
O calor do corpo dele, parecia aquecer o  seu.
- Foi sim - Contrariando sua recente decisão, aproximou-se um pouco mais.
- A tradição pede que eu o convide para um café – Comentou sem jeito.
Ela estava constrangida e insegura. O corpo desejava uma coisa e a mente gritava outra.
- Acho melhor quebrarmos essa tradição por essa noite Eva – Ele se aproximou ainda mais.
- Eu também – Ela confessou perdida nos olhos azuis.
- Existe outra tradição não é? – Theo perguntou descendo o rosto na direção do dela.
- Qual? – Perguntou perdida na energia sensual que emanava dele.
- A que diz que o rapaz ganha um beijo da moça ao deixá-la segura em sua casa.
Eva sorriu da perspicácia do homem que tinha o corpo quase colado ao seu.
- Já rompemos uma tradição essa noite. Acho que não seria correto, quebrar mais essa, o que acha? – Perguntou com voz rouca. A boca a centímetros da dela.
- Seria imperdoável – Ela sussurrou rendida.
Theo cortou a mínima distância que existia entre eles.
O beijo começou lento, sensual, explorador. Saboreava a boca de Eva sem pressa. Sentia a textura macia dos lábios que ainda retinham o sabor do vinho experimentado durante o jantar. O aroma de morangos ainda exalava dela, mesmo depois de horas e de dançar a tarantella. Invadiu a boca dela com a língua e o desejo que vinha cozinhando à fogo lento, incendiou-se.
Enlaçou a cintura dela com o braço livre, sua outra mão ainda segurava o violoncelo. Lamentou não poder abraçar aquele corpo macio e cheiroso com ambos os braços.
A intensidade dos beijos foi aumentando sem que ele se desse conta... Não conseguia parar...
Eva gemeu gostosamente em sua boca, roubando sua sanidade.
Colou seu quadril ao dela, permitindo que sentisse o quanto estava excitado por ela.
Estava duro, dolorido e louco para estar dentro da mulher que emitia deliciosos sons femininos em resposta às suas carícias.
Para seu desespero, a resposta de Eva ao seu gesto descarado, foi esfregar-se contra sua dolorosa e faminta ereção. Com um grunhindo, que era um misto de tesão e frustração, ele interrompeu o beijo.
O que restava de suas boas intenções exigia que fosse embora naquele momento, caso contrário, estaria perdido. Pressentia que ir para cama com Eva mudaria seus destinos e não estava seguro de que desejava que algo mudasse em sua vida. Não na proporção que antevia.
Encaravam-se ofegantes e surpresos.
Eva não conseguia acreditar que perdera toda a noção de compostura e bom senso.
Esfregara-se nele com uma mulher sem o senso de dignidade. Praticamente implorava para que ele fizesse sexo com ela. E isso não era o pior...
Mesmo sabendo o quanto tudo aquilo era errado, desejava aquele homem com todo seu corpo e alma. Isso nunca acontecera antes.
Cada beijo, toque e carícia roubaram seu poder de raciocínio. A razão perdia para a pura emoção de estar nos braços dele. Nunca verbalizaria aquilo em voz alta, mas seu desejo era que Theo erguesse sua saía e a amasse ali mesmo, no corredor, encostados a porta de seu apartamento.
Quem era esse homem e porque ele a fazia esquecer de suas prioridades? E a fazia mandar ao inferno seu bom senso? Perguntava-se.
- Melhor eu ir embora – Theo quebrou o silêncio.
- Sim – Foi tudo o que Eva conseguiu responder.
Tudo o que deseja fazer era puxar ele volta e recomeçar de onde tinham parado.
- A chave – Theo pediu sem tirar os olhos dos dela.
Eva entregou sem questionar ou hesitar. Não conseguiria abrir a porta se sem constranger ainda mais, pois suas mãos tremiam.
Com gestos seguros, Theo não encontrou dificuldade alguma para abrir a porta de seu apartamento.
- É melhor entrar e fechar a porta – Disse ao entregar o cello aos cuidados da violoncelista.
Eva recebeu o instrumento, mas não se mexeu. Não conseguia tirar os olhos dele. Não conseguia e não desejava se afastar. Seu coração gritava, não desejava ficar sozinha. Não naquela noite. Não em nenhuma outra noite.
- É melhor entrar Eva – Theo repetiu – Caso contrário, eu entrarei.
Ambos compreendiam tudo o que estava implícito naquelas palavras..
Mais uma vez ela respirou fundo.
Cristo! Nunca foi tão difícil dar dois passos para trás e fechar uma porta.
- Boa noite Theo Santini – Ela disse e por fim deu os passos para trás.
- Boa noite Eva Martins – Theo também retrocedeu dois passos.
Ficaram mais uns instantes em silêncio olhando um para o outro, antes de enfim, Eva fechar, lentamente a porta.
Com as mãos fechadas em punho, Theo ordenava o cérebro a compreender que fizera a coisa certa. Que era o momento de se afastar e deixar aquelas sensações descontroladas se acalmarem. Era hora de ser um homem racional e não um sujeito dominado pela testosterona.
Seguiu pelo corredor em direção da escadaria, desceu o primeiro degrau e parou.
Ao inferno com a razão, com senso ou diabo que fosse! Praguejou.
Voltou ao apartamento e tocou a campainha.
Eva fechou a porta, encostou a cabeça sobre a madeira fria e respirou fundo.
Pedia aos céus que estivesse fazendo a coisa certa. Pedia um sinal de que mandar o homem do metrô embora, não fosse o maior erro de sua vida.
Seguiu em passos lentos para a sala e ainda atordoada, depositou o violoncelo em uma poltrona e sua bolsa em outra.
A campainha soou desesperada.
Seu coração bateu descontrolado.
Com passos apressados alcançou a porta e a abriu sem se dar o trabalho de olhar pelo olho mágico. O coração sabia quem era.
Mal a porta foi aberta, Theo devorava sua boca em um beijo desesperado. As mãos percorriam seu corpo com ânsia, provocando a resposta que de alguma maneira ele sabia que ela estava pronta para dar. Eva correspondia com volúpia, agarrada a ele como um polvo, buscava a proximidade que as roupas impediam.
Ouviu o som da porta batendo e soube que ele de alguma maneira a fechara.
A boca dele abandonou a sua, percorreu sua face e desceu por seu pescoço. As mãos percorriam suas costas, acariciavam sua cintura e escorregaram por sua nádegas. Eva não conseguiu controlar o gemido necessitado que escapou por seus lábios ao sentir a carícia  sem vergonha.
- Theo – sussurrou o nome dele em meio a outro gemido e o ouviu resmungar algo contra sua boca. E seguida sentiu que  ele tirava seu casaco.
Através da seda fina da camisa, sentia o calor das grandes nãos que exploravam seu corpo sem pudor ou calma.
As mãos tatearam o torso rígido por cima da camiseta negra, deslizaram pelas costas largas e alçaram os cabelos loiros que sempre pareciam charmosamente despenteados.
Obedecendo aos instintos os puxou pelos ombros para que a seguisse.
Seguiram juntos, entre carícias e beijos, tropeçando nos móveis e nas paredes, rindo da fome que os impedia de se separarem, chegaram a sala e caíram juntos sobre o macio e confortável sofá. Um emaranhado de braços, pernas, gemidos e sussurros.
Eva estava fascinada. Sentir o peso de Theo sobre seu corpo, as mãos dele em sua pele, a boca dele em sua boca, era o certo, era maravilhoso.
Pela primeira vez em sua vida, sentia-se sexy e feminina por inteiro. Era desejada com o mesmo desespero com que desejava.
A mão grande e áspera infiltrou-se sob sua saia e percorreu toda a extensão de sua perna, até agarrar seu traseiro com vontade. Em uma reação involuntária ou não, ergueu os quadris procurando o contato que seu corpo necessitava e ouviu um grunhido feroz, quando sem pudor algum, esfregou sua pélvis contra o rígido pênis, ainda protegido pela calça jeans.
Theo se sentia embriagado pelo sabor, cheiro e calor do corpo sob o seu. Eva era tudo o que um homem desejava. Uma mulher apaixonada e ardente que o enlouquecia com seus gemidos, beijos e carícias. Uma de suas mãos, vagou sob a saia longa e sentiu o calor morno e convidativo da pele cor de chocolate derretido. A sentiu se arrepiar sob a palma de suas mãos. Seguiu o caminho explorando toda a extensão da perna dela. Quando alcançou a coxa macia, foi sua vez de gemer. Ela era uma delícia. Continuou sua exploração e em uma carícia descaradamente safada, apertou a bunda gostosa. Foi sua perdição.
Eva gemeu e murmurou seu nome ao mesmo tempo que o quadril se esfregou contra o dele e o resquício de controle se perdeu.
As mãos seguiram em direção a blusa de seda e enquanto a beijava, abriu os botões com pressa e mãos desajeitadas. As mãos delicadas desceram por seu tronco e encontram a barra de sua camiseta e puxou a peça para cima com a mesma pressa e urgência.
- Eva – ele murmurou perdido ao sentir o toque dela em seu peito.
A ajudou a se livrar da camisa, aquela altura a saia longa era uma emaranhado de tecido sobre o ventre feminino. Fascinando, tocou os seios cheios sobre o sutiã branco, mais uma vez ela gemeu.
- Tem ideia do quanto é bonita? – perguntou e baixou a boca para o pescoço delgado, desceu pelos ombros delicados, o colo de pele sedosa e arrepiada. Sem conseguir esperar, mesmo sobre o tecido delicado do sutiã, a boca se fechou em volta do mamilo, que enrijecido, se sobressaltava.
Eva gritou e ele sorriu.
- Linda – murmurou ao buscar o fecho sob as costas dela.
O som da campainha do telefone soou estridente no silencioso apartamento, assustando-os.
Sorriam da inconveniente interrupção, que ambos desejavam ignorar, quando a secretária eletrônica atendeu a chamada e a voz desesperada de Laura Mondrian invadiu o momento de paixão.
Aos prantos a mulher pedia para Eva ligar para ela.

Um chamado que ela não poderia ignorar.

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