CAPÍTULO UM
Os mortos eram o seu negócio. Ela convivia com eles, trabalhava com eles, estudava-os; sonhava com eles. E pelo fato de que tudo isso ainda não parecia ser o suficiente, em algum lugar profundo e secreto do coração ela os pranteava.
Seus dez anos de trabalho na polícia a tinham endurecido.
Trouxeram-lhe uma visão próxima, fria e muitas vezes cínica da morte, e suas muitas causas. Eles faziam com que cenas como aquela à qual assistia agora, em uma noite chuvosa em uma rua escura e imunda de tanto lixo, lhe parecessem quase que banais. Mesmo assim, ela sentia.
Assassinatos não mais a deixavam chocada. Mas continuavam a lhe causar nojo.
A mulher tinha sido bonita no passado. Longos tentáculos de seu cabelo dourado se espalhavam como raios sobre a calçada imunda. Os olhos pareciam espantados e estavam vidrados, com aquela expressão agoniada que a morte às vezes deixava impressa. Tinham um tom violeta-escuro, em contraste com as bochechas brancas, sem sangue e molhadas de chuva. Usava um conjunto caro, que tinha a mesma cor vibrante de seus olhos. O paletó estava cuidadosamente abotoado, em contraste com a saia levantada que expunha suas coxas elegantes.
Jóias brilhavam em seus dedos, nas orelhas e na lapela do paletó. Uma bolsa de couro, com fecho de ouro, estava caída, junto à mão com os dedos abertos.
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