Capítulo 5 - A Dama de Olhos
Cor de Whisky
Treze dias mais tarde...
Eva terminou de checar a afinação de seu violoncelo e contemplou a
movimentação à sua volta. Concentrados, musicistas conferiam a afinação de seus
instrumentos. Os músicos faziam os últimos acertos de voz em um último ensaio.
Dentro de minutos, os instrumentos seriam posicionados no palco do
teatro e o salão entraria em ebulição, com todos se preparando para
a grande apresentação daquela noite.
Contemplou os detalhes das paredes e do teto de arquitetura
renascentista barroca, uma excentricidade dos arquitetos responsáveis pela
construção do prédio no início do século XX e sentiu o coração aquecer.
Em menos de duas horas ela tocaria no Teatro Municipal de São
Paulo e por aquela noite integraria uma das melhores sinfônicas do mundo.
Eva já tocara em teatros de várias partes do mundo, mas desde
menina, seu sonho era tocar naquele teatro e aquela noite, enfim o realizaria.
Graças à teimosia e persistência de Laura Mondrian, pensou
agradecida.
O espetáculo daquela noite não seria uma apresentação clássica,
mas uma releitura de canções contemporâneas. O programa era composto por
canções que iam de tema de filmes como O Mágico de Oz e sua clássica Over the
Rainbow à Rolling in the Deep, da cantora Adele.
A vida tinha uma maneira inesperada de realizar nossos sonhos, ela
pensou.
Duas canções do programa seriam interpretadas por solos de
violoncelo. O músico escolhido desistira do projeto a nove dias da apresentação
e Laura, que fora escolhida como anfitriã do evento, conseguiu que o reticente
diretor da Sinfônica lhe concedesse uma audição.
Eva recordou a reação do homem, ao ficar diante da musicista
indicada pela primeira bailarina do municipal e constatar que era negra.
O preconceito velado machucava a um nível visceral.
Mas após recusar cinco outros profissionais, o homem não teve
escolha a não ser ouvir sua apresentação. Nunca esqueceria a expressão de
espanto e incredulidade no rosto do diretor e do maestro ao final de sua audição.
Essa era a sua maneira de lidar contra o racismo e o preconceito
contra suas origens, o seu talento. O homem teve de engolir toda sua empáfia e
arrogância e contratá-la para apresentação.
Seria somente uma apresentação, mas seu coração estava feliz.
Avistou uma pequena e ruiva mulher entrar no salão. Ela usava um
lindo vestido longo vermelho. Os cabelos vermelhos brilhavam em um elaborado e
sofisticado penteado e a maquiagem estava perfeita.
- Eva, você ainda não está arrumada? – Laura perguntou chocada.
- Eu tenho tempo, entrarei somente aos quarenta minutos lembra? –
Eva comentou divertida ao perceber que a amiga estava mais nervosa que ela
própria.
- Estou tão orgulhosa de você – Laura disse emocionada.
- É somente uma única apresentação Laura – Eva ponderou com os pés
no chão.
- Não importa, está realizando seu sonho – Laura disse com olhos
marejados.
- Graças a você – Eva salientou – Se chorar vai borrar sua
maquiagem – ela retrucou também emocionada.
- Graças ao seu talento. Você deixou aquele rogante de queixo
caído – Laura não aceitou o agradecimento.
- Deixei, não foi? – Perguntou sorrindo e com os olhos marejados
pela emoção.
Laura pigarreou e respirou fundo, colocando as emoções sob
controle.
- O que fará com os cabelos? – Perguntou.
- O bom e velho coque – Eva respondeu, vasculhando sua sacola, a
procura dos itens necessários para se aprontar.
Laura observou o longo vestido branco, envolto na capa de proteção
e cuidadosamente depositado sobre uma cadeira.
- Esse vestido fica lindo em você – comentou e estendeu uma caixa
em direção à amiga.
- O que é isso? – Eva perguntou.
Ao abrir a delicada caixa encontrou um delicado enfeite de cabelos
prateado, adornado com pedras semipreciosas.
- Enlouqueceu? – Perguntou chocada.
Laura piscou travessa.
- Hoje não haverá o bom e velho coque senhorita Eva Martins. É um
presente de boa sorte.
- Não posso aceitar Laura – Eva argumentou.
- É claro que pode – a mulher retorquiu – Ainda tenho alguns
minutos, então vou ajudá-la com o penteado. Você vai arrasar Eva! – disse
entusiasmada.
- Com esse presente, com certeza – Dessa vez foi Eva quem piscou.
- Vamos, vamos, não temos tempo a perder - Laura ordenou
empurrando Eva em direção ao espaço usado como camarim.
- Sim senhora! – Eva fez a imitação de uma saudação militar e se
colocou à caminho.
********************
- Isso são horas senhor Theodoro Santini! - Sarah ralhou em um
sussurro. – E onde está sua gravata? – perguntou quase estarrecida ao vê-lo
trajando o smoking sem o acessório.
- Desculpe pelo atraso, mas tive um imprevisto no trabalho – Theo
respondeu vasculhando o bolso do smoking – Você pode colocá-la? Nunca me
entendo com essas malditas coisas – resmungou ao estender a gravata borboleta.
A irmã sorriu e balançou a cabeça.
Enquanto Sarah fazia sua mágica com a maldita tira de pano negra,
Theo contemplou o ambiente à sua volta. Homens e mulheres trajando roupas de
gala circulavam pelo saguão de arquitetura única. A iluminação dos holofotes
externos rivalizava com os flashes das câmeras dos paparazzi prontos para
flagrar as celebridades e autoridades presentes àquela noite de espetáculo.
Theo apreciava música clássica, fazia parte de sua formação, mas
preferia apresentações mais intimistas. A maior parte daquelas pessoas não
estava presente pela música e sim para serem vistas. As conversas e sorrisos
superficiais o irritavam ainda mais do que trocar a confortável calça jeans por
um smoking e suas diabólicas gravatas.
Somente um pedido de Sarah o tiraria de sua casa aquela noite,
ainda mais quando tinha uma bela mulher como Alexia, esperando por ele, para
uma agradável e quente noite de sexo sem compromisso.
Conhecia Alexia desde a infância. Era uma bela mulher de longos
cabelos loiros e pernas longas que abraçavam a cintura de um homem com
perfeição. Nunca estiveram apaixonados um pelo outro, ou coisa do gênero.
Ao longo dos anos mantiveram essa amizade com benefícios. Quando ambos estavam
solteiros e sem disposição para arte da conquista, se permitiam uma ou duas
noites do bom, velho e suado sexo. Sem amarras, expectativas ou compromisso.
Somente o encontro de dois corpos saciando uma necessidade básica.
Quando Sarah insistiu na presença dele, Theo ligou para Alexia
para desmarcar, mas a mulher o surpreendeu, sugerindo esperá-lo em sua casa.
Ele concordou, é óbvio, que homem deixaria uma chance dessas escapar? Não ele.
- Pronto! Agora você é um homem elegante – Sarah anunciou ao
terminar de ajeitar a gravata borboleta.
- Você está linda essa noite Sarah – Disse sincero. - Os homens
não tiram os olhos de você.
Sua irmã era uma linda mulher que merecia voltar a viver.
- Leu o programa do espetáculo que enviei por e-mail? – Sarah
perguntou ignorando o elogio bajulador do irmão.
- Não tive tempo - Theo confessou.
Sarah abriu a boca para um comentário contrariado, porém foi
interrompida por uma aproximação inesperada.
- Aqui estão vocês! - Sebastian anunciou ao se
aproximar, trajando um elegante smoking de corte perfeito. – Você está linda
Sarah - disse beijando a mão da irmã mais velha de seu amigo.
O gesto galante a pegou totalmente despreparada. Sebastian adorava
deixar a elegante e sóbria Sarah Santini Gawendo constrangida.
- Obrigada Bas – Agradeceu ao homem de tez morena, curtos cabelos
negros e barba cerrada, que a mirava com divertidos e brincalhões olhos verdes.
Enviou um olhar interrogativo ao irmão.
- Ele implorou para vir – Theo disse com um indisfarçável sorriso.
Ele arrastara Bas para o teatro. O homem precisava se distrair, e
existiam mulheres suficientes naquela noite para tentá-lo a sair do buraco em
que o amigo vivia nas últimas semanas.
- Ele me chantageou – Bas contradisse charmoso.
- Que seja! – Sarah disse resignada.
Virou-se para o irmão para comentar o motivo de ter enviado o
programa da apresentação, porém novamente foram interrompidos.
- Boa noite, é um prazer revê-los – Laura Mondrian cumprimentou os
irmãos Santini, que a apresentaram ao belo moreno de olhos verdes e de
aparência perigosamente sexy, apesar de estar elegantemente trajado.
A anfitriã avisou que o espetáculo estava para começar.
Funcionários que trabalhavam na recepção daquela noite indicaram os locais de
seus assentos.
Preparado para duas horas de boa música, Theo, acompanhado da irmã
e do amigo, acomodaram-se em seus lugares.
***************
- Chegou a hora! – Eva sussurrou para si mesma ao ouvir os acordes
finais de Over the Rainbow / Simple Gifts.
Sua apresentação seria de apenas três canções, mas em seu coração,
sentia como se fosse um concerto completo.
A música terminou.
Aplausos ecoavam pelo teatro enquanto a enorme cortina vermelha se
fechava. Eva respirou fundo ao observar a dança leve e sincronizada dos tecidos,
que deslizavam com graça, até separar plateia e orquestra. Esse era o sinal
para se posicionar.
O coração acelerou.
Não importava quantas vezes se apresentasse, em todas às vezes,
sentia o friozinho no estômago e aquele bater descontrolado em seu peito.
Ergueu a saia do vestido, o suficiente para não atrapalhar seus passos rápidos
e seguiu para o centro do palco. O assistente de produção posicionou a cadeira
que ela usaria mais a frente, como fora pré-determinado.
A funcionária responsável pelo figurino ajeitava a ampla saia de
seu vestido, enquanto ela posicionava corretamente o violoncelo.
- Perfeito, você esta parecendo um anjo – a mulher sussurrou e
saiu apressada.
Eva sorriu agradecida.
As cortinas começaram a mover-se lentamente e tudo mais foi esquecido.
Imediatamente a ansiedade desapareceu e uma melodiosa tranquilidade percorreu
seu corpo. Pelos próximos minutos seriam somente ela e seu violoncelo.
A música era sua alma.
***********
Theo estava agradavelmente surpreso com a apresentação daquela
noite.
Quando tocaram os primeiros acordes de All I Need do Winthin
Temptation, compreendeu o porquê de Sarah, insistir tanto, que ele lesse o programa
da noite.
A agradável e genial apresentação das releituras das canções de
rock e músicas populares estava impecável. Já estavam com quarenta minutos de
espetáculo, quando as cortinas se fecharam pela terceira vez.
- Cara, a chantagem valeu a pena, o show está bombando – Bas
sussurrou alto o suficiente para ser ouvido por Sarah.
A provocação provocou o riso abafado do amigo.
- Estamos em um concerto e não em um show – Sarah ralhou caindo na
provocação – e o que significa esse bombando? Isso nem é uma palavra!
- Você tem uma alma velha Sarah – Bas a provocou mais uma vez.
- Qual o problema dele? – ela perguntou ao irmão - Jurava que ele
havia frequentado as mesmas escolas que você!
- Frequentou – Theo respondeu com uma expressão cínica – mas ele
caiu e bateu a cabeça quando criança. Não é muito normal – murmurou em tom de
divertida confidência.
Sarah ergueu a sobrancelha esquerda, enfim compreendendo o intento
de Bas e suspirou dramaticamente desanimada.
- Chegou a olhar o programa que recebemos na entrada? – perguntou
mudando de assunto.
- Não – Theo respondeu em uma postura relaxada – Até agora fui
agradavelmente surpreendido, continuemos assim – Piscou charmoso.
O cessar do baixo burburinho os alertou para a abertura das
cortinas.
Que seja! – Sarah pensou secretamente satisfeita por saber que em
instantes, ele seria realmente surpreendido.
Theo ainda sorria pela maneira quase inocente, com que a irmã mais
velha caía nas provocações de Bas, quando as cortinas do teatro se abriram mais
uma vez.
O único ponto iluminado do palco era o piano de calda.
Os primeiros acordes da música A Tousand Years ecoaram pelo
teatro. Instantes depois outro ponto foi iluminado. O som de um violoncelo
ressoou elegante. Theo sentiu como se tivesse acabado de ser atingido por um
raio.
Porra! Era ela! Pensou entre cativado e desnorteado.
Reconheceria aquela mulher em qualquer lugar.
A dama de olhos cor de whisky e pele cor de chocolate.
Ela estava linda! Disse para si mesmo literalmente boquiaberto.
Um flash do encontro no metrô se iluminou em sua mente. O momento
em que ela retirava a alça da capa do instrumento que estava preso às costas.
- Idiota! – sussurrou o xingamento contra ele próprio.
Como havia se esquecido de um detalhe como aquele! – Praguejou em
pensamento.
- Eu bem que mandei você ler o programa desta noite – Sarah
murmurou satisfeita, ao ver a reação do irmão e estendeu seu próprio programa
para ele.
Theo olhou confuso para Sarah que parecia saber quem era a
musicista.
Como era possível se ele não contara a irmã seu encontro no metrô?
Perguntava-se ao pegar o papel estendido em sua direção.
Abriu o elegante documento e foi como ser atingido por um trem.
Os olhos buscaram a mulher que sobre o palco parecia tocar com a
alma.
Eva Martins era a sua dama de olhos cor de whisky!
A doce e divertida Eva Martins com quem trocou inúmeras mensagens
de texto!
Um largo sorriso tomou conta de seu rosto ao contemplar a comunhão
única entre mulher e instrumento.
Ela usava um vestido branco que caía fluído em torno dela e do
violoncelo. Nos cabelos usava uma espécie de tiara larga, mas vários
pontos brilhantes iluminavam os cachos negros. O contraste do metal e pedras
com a iluminação do teatro criava um efeito parecido com uma aura.
Parecia um anjo ou uma deusa, ou ambos.
Eva Martins! Ele não conseguia acreditar.
O encontro do metrô! Pensou. É claro! Foi assim que a carta da
sinfônica foi parar entre os trabalhos dos alunos da irmã! Concluiu ainda
atordoado.
A música terminou e entusiasmados aplausos saudaram a artista.
Com um elegante e régio movimento de cabeça ela agradeceu.
O som de três violões viajou pelo teatro e um discreto burburinho
de aprovação percorreu a plateia à introdução de Monte Castelo, da banda Legião
Urbana.
Mais uma vez, o som do violoncelo cativou a atenção de todos.
A cada cadenciado movimento do corpo feminino, que parecia
embalado pela canção, seu próprio corpo reagia.
Eva era uma violoncelista fantástica! Pensou extasiado.
A música terminou e mais uma vez, efusivos aplausos soaram através
da nave do teatro. A musicista ainda agradecia, quando os primeiros acordes da
canção Secrets do OneRepublic, tocados por violinos, alcançaram o público.
Segundos mais tarde, o som do violoncelo mais uma vez soou majestoso.
Aos poucos, os demais instrumentos da orquestra acompanharam a
apresentação. Os violinos voltaram a tocar, depois os pratos, em seguida
entraram os demais violoncelos e então, toda a sinfônica tocava com ela.
Uma apresentação impecável que conseguiu atingir cada uma das
pessoas presente naquela noite. Orgulho era uma palavra singela e vulgar para
descrever o sentimento que explodia em seu peito. Por um fugaz instante ele
teve aquela mulher e todo aquele talento em seus braços.
Ele sorria bobamente, porém não se importava.
Reencontrara sua dama de olhos cor de whisky.
***
Eva sentia a música crescer a cada nota. Ouviu, sem registrar, a
discreta exclamação do público no ponto mais alto da canção, quando toda a
orquestra se juntou ao violoncelo.
Mente, corpo, alma, coração e violoncelo em uníssono.
Cada célula de seu corpo vibrava em comunhão com a música.
Algo inesperado aconteceu.
Um par de olhos azuis invadiu sua mente. A recordação do rosto do
homem desconhecido intensificava sua reação apaixonada a cada nota, em cada
acorde.
Eva se encontrou tocando para o homem sem nome. Um desconhecido
estranhamente familiar que despertou seu corpo e emoções adormecidas.
Nunca acontecera antes! Sempre fora somente ela e o
violoncelo em uma união que transcendia a teoria ou prática musical.
Mas naquela noite, através de sua música, encontrou-se mais uma
vez com ele.
A orquestra voltou a silenciar, e solitário, o violoncelo emitiu
as últimas notas da canção. E novamente ela o deixou ir...
Um breve instante de silêncio total e ensurdecedor ganhou o
teatro, seguido de uma explosão de ovações. Profundamente emocionada, Eva
assistiu a plateia levantar e aplaudi-la de pé!
Seus sonhos podem e irão se realizar! A voz da mãe soou em sua
mente e coração. O sorriso do homem da estação brilhou em suas
recordações.
O maestro veio até ela, a ajudou a levantar, a guiou até a frente
do palco e beijou sua mão. Com leve reverência agradeceu ao regente e as
pessoas que a aplaudiram e sentindo-se como em um sonho, deixou o placo.
- Aonde você vai? – Sarah perguntou ao ver o irmão se movimentando
para deixar a fileira na qual estavam.
- Preciso falar com ela – ele respondeu ainda olhando em direção
ao palco.
- A organização do teatro é rígida, não permitem contato algum até
o término do concerto – Sarah ponderou, surpresa pela reação do irmão.
- Preciso tentar – Ele respondeu.
Theo tentou passar por sua irmã, mas ela o segurou pelo braço.
- Ela é uma convidada, você pode prejudicá-la se insistir em falar
com ela, antes do fim do conserto.
- Ela tem razão - Bas interviu intrigado pela reação do amigo à
apresentação da musicista, com quem trocara mensagens de celular.
Theo considerou a situação por um instante. Não desejava criar
qualquer constrangimento para Eva, depois de uma apresentação memorável como
aquela. Contrariado voltou a se sentar.
*****************
Eva encontrou Laura esperando por ela, assim que deixou o palco.
Com lágrimas nos olhos, trocaram um longo e cúmplice abraço.
- Foi fantástico Eva! Fantástico. Estou muito orgulhosa por você!
- Obrigada! – Eva disse entre lágrimas e sorrisos.
- O táxi já está a sua espera – Um rapaz, assistente da produção,
informou à musicista ao se aproximar, com seu violoncelo já envolto na capa de
couro.
- Obrigada Rui – Eva agradeceu, passando a alça da capa pela
cabeça.
Laura girou os olhos em desaprovação ao desapego da amiga com a
aparência.
- Estou adorando o fato de você não ficar para o final. O monstro
vai ficar sem voz de tanto que terá de responder sobre sua ausência – A
bailarina sussurro em tom conspirador, referindo-se ao diretor da sinfônica, ao
entregar a bolsa para a amiga.
Laura observou a aparência de Eva discretamente divertida. A
mulher pegaria um táxi trajando um elegante vestido de noite, com um
instrumento pendurado em suas costas e uma bolsa grande nas mãos.
- Essa apresentação está agendada há seis meses, não pude cancelar
Laura – Eva respondeu ao pegar o celular para consultar o horário – Estou em
cima da hora! Preciso ir – disse ao colocar a alça da bolsa sobre o ombro.
- Cuide-se e me liga! – Laura se despediu.
A amiga já seguia apressadamente para uma das saídas laterais.
Laura se virou ao ouvir os passos de Eva retornando, enquanto
caminhava em sua direção, retirava o arranjo dos cabelos.
- Não é seguro sair com isso – Eva entregou a delicada tiara à
Laura.
- Guarda para mim! – Pediu.
Antes que a amiga pudesse dizer qualquer coisa, ela já
estava à caminho da saída novamente.
*******************
- Foi embora? Por quê? – Theo perguntou ao diretor da Sinfônica
pela violoncelista.
Bas pigarreou a seu lado.
Olhou para o amigo que o encarava com uma expressão séria,
advertindo-o para se acalmar.
Foda-se! Pensou. Não estava calmo e não desejava estar.
- A senhorita Martins tinha mais uma apresentação hoje... – Theo o
interrompeu.
- Onde? – Perguntou em um tom ríspido.
Não simpatizara com o sujeito!
- Não sei exatamente.
- Com quem devo falar para saber? – Theo perguntou sem preâmbulos.
- Um minuto senhor Santini, conseguirei a informação que deseja -
O homem se afastou. Tinha certeza que o sujeito retornaria com a resposta,
afinal sua família era uma das mantenedoras do teatro.
- O que esta acontecendo? Você está parecendo um louco! -
Bas perguntou preocupado por aquele comportamento atípico.
- Agora não cara – Theo respondeu com cara de poucos amigos, já
com o celular em mãos.
Passaram-se vinte minutos antes do diretor retornar com a
informação. Tempo em que ele teve de ouvir conversas vazias e dar respostas
monossilábicas. Ligou cinco vezes para o celular dela e em todas às vezes o
maldito aparelho caíra na caixa postal. Também enviou duas mensagens de texto,
das quais não tivera resposta.
Ao ouvir o local da apresentação, saiu em busca de Bas, o
encontrou conversando com um dos musicistas e sua irmã.
- Você leva a Sarah para casa - anunciou e seguiu apressado para
saída, deixando a irmã e o amigo boquiabertos.
Alcançava a porta, quando o braço de Bas o puxou de volta.
- Que merda está acontecendo? – Sebastian perguntou em tom
perigosamente baixo.
- Eva é a mulher do metrô – revelou.
Bas semicerrou os olhos ao ouvir a informação.
- A dama de olhos cor de whisky? – perguntou atônito.
- Sim.
- Pega! – estendeu a chave de seu automóvel – Meu carro é mais
rápido que o seu.
Os lábios do loiro se curvaram em um meio sorriso ao pegar a chave
e entregar a sua.
- Faça as coisas direito – Bas exigiu.
- Farei - Theo respondeu e saiu em busca da mulher que povoava
seus sonhos e fantasias.
- Porra! Isso só pode ser brincadeira! – Theodoro Santini
praguejou em alto e bom som ao se deparar com o teatro fechado.
- Merda! – Xingou.
Irado, caminhava de um lado para o outro diante do edifício,
ignorando os perigos de estar em um local deserto àquela hora da noite,
enquanto mais uma vez, ligava para o número com o qual trocara inúmeras
mensagens.
Novamente, caiu na caixa postal.
- Caralho! Esbravejou ao entrar em seu carro.
O pior era que no dia seguinte, ou melhor, naquele dia, não
poderia ir ao conservatório para procurar por ela. Não com a quantidade de
trabalho que tinha. E ainda mais com um prazo apertado como o negociado com a
Pinacoteca.
- Merda! - Frustrado, socou o volante.
Não poderia procurá-la a noite, pois não tinha ideia de qual era o
endereço dela.
- No dia seguinte – prometeu a si mesmo.
Ele se plantaria diante do conservatório se preciso fosse! Pensou
determinado.
A imagem dela tocando sobre o palco do Municipal invadiu sua
mente.
Ele sorriu ainda extasiado pela visão de beleza etérea.
- Eva Martins – Pronunciou o nome dela no interior do veículo
ainda extasiado pela incrível e inacreditável coincidência.
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