Capítulo 13 - Família e
Amigos
Ainda sentindo ressoar em seu corpo os deliciosos efeitos dos beijos compartilhados com Theo, Eva optou pela entrada de serviço da casa de Laura. Isso lhe daria tempo para cuidar da toalete, passar batom, rímel e se recuperar, ao menos um pouco, das emoções do seu reencontro com seu empreiteiro das flores.
Entrou na cozinha ampla, arejada e bem equipada, decidida a ir
diretamente para o banheiro. Porém, ao ouvir um resmungado praguejar, estacou e
esquadrinhou o espaço em busca da origem do som.
- Merda!
O som da voz masculina e mal humorada ecoou pelo ambiente. Eva
sorriu ao reconhecer a quem pertencia aquele familiar resmungar. Circundou o
balcão em estilo americano e o encontrou sob a pia da cozinha.
O homem de mais de um metro e oitenta estava deitado de costas,
parte do tronco sob o balcão da pia. Estava descalço e com o tronco nu. A
elegante calça social, de corte impecável, denunciava que ele viera diretamente
do trabalho. Passou os olhos novamente pelo espaço e encontrou as peças de
roupa que faltavam sobre uma das cadeiras da mesa de refeições de oito
lugares. O terno, a camisa branca e a gravata. No chão ao lado das peças,
os sapatos e as meias.
Eva sorriu e balançou a cabeça de um lado para o outro, ao
imaginar o que os endinheirados investidores da bolsa diriam se vissem a
estrela do momento do mundo financeiro consertando a pia de uma cozinha que nem
era a sua.
Arthur era o filho único de Diana e Afonso, os caseiros que
serviam os pais de Laura e que após o casamento da menina, da qual cuidaram
desde o nascimento, foram trabalhar para ela. Na verdade, ficaram. Laura recebeu
a tradicional residência dos Mondrian, como presente de casamento. Os
pais, logo após o casamento da filha, mudaram-se para os Estados Unidos.
Conhecera Arthur quando, ainda menina, começou a frequentar a casa
de Laura. Era a amiga pobre da menina rica, rodeada de amigas ainda mais
ricas. Nas festinhas e reuniões fraternas, sempre terminava escondida em
algum canto e conversando com o filho do caseiro. O menino, alto e maduro para
a idade, sempre a defendia da perseguição das meninas ricas. Mais que isso, ele
mostrou a ela como não se deixar humilhar e a enfrentar de cabeça erguida à
maldade e o preconceito.
O homem alto, moreno, de ombros e peito largos e impactante olhos
escuros, que naquele momento lutava contra algum problema hidráulico, soube
aproveitar as chances que a vida lhe apresentou. Aos quatorze anos, inscrito em
uma ONG de aprendizes, começou a trabalhar como office boy na mais importante
corretora de valores de São Paulo. Vinte e um anos depois, o homem era o Midas
do momento.
Eva o contemplou com carinho. O corretor de valores bem sucedido
tinha uma enorme frustração. Não conseguia convencer os pais a deixarem o
trabalho simples e irem morar com ele. Afonso repetia, incansavelmente, que
preferia a morte a viver sustentado pelo filho. Orgulhoso e turrão, o pai não
cedia aos apelos do filho. Diana, por sua vez, nutria um amor materno por Laura
e isso a impedia de se afastar. Sempre repetia que a menina, a maneira como se
referia à bailarina, precisava dela. O que deixava Arthur inconformado, para
dizer o mínimo.
A ironia era que, apesar de se tornar um homem importante e com
uma confortável situação financeira, Arthur nunca se negava a atender um pedido
do pai. Afonso, volta e meia, pedia a ajuda do filho para pequenos reparos na
casa. E poderia apostar que fora um desses pedidos que colocara o homem sob a
pia da cozinha.
Eva colocou a bolsa sobre o balcão e cruzou os braços, divertida.
- Você deve ser o encanador mais caro do país – disse em tom de
brincadeira.
Arthur, que até aquele instante, ignorava a presença de outra
pessoa na cozinha, ergueu a cabeça a procura da voz familiar, porém, ao
esquecer que estava sob o balcão bateu a cabeça contra a cuba.
- Porra Eva! – protestou a fazendo rir – Que susto do caralho você
me deu!
Ele protestou massageando o local atingido na batida.
- Você tem o vocabulário de um estivador – ela fingiu protestar –
Precisa de ajuda senhor encanador?
- Me passa aquela chave – pediu apontando para a ferramenta, sem
tirar a cabeça de dentro do balcão.
Eva alcançou a ferramenta sobre o piso e entregou a ele.
- Quando vai convencer seu pai a usar o catálogo de prestadores de
serviços que esse condomínio faz questão de publicar todo ano? –
perguntou.
- Pronto – ele anunciou – Pode abrir a merda da torneira para mim?
– pediu ainda com a cabeça entocada no interior móvel.
Eva atendeu ao pedido.
Por alguns segundos o único som no ambiente era o da água
atingindo a pia de inox, escorrendo pelo encanamento ao encontro de seu
destino.
- Porra! Eu sou bom! – vibrou ao se levantar.
- E o melhor de tudo, modesto – Eva comentou rindo.
O homem era muito competitivo. Não era a toa que escolhera o
estressante mercado financeiro como profissão.
- Eu bem que tento falar sobre o tal catálogo, mas ele continua a
ignorar – Arthur respondeu a pergunta que ela fizera momentos antes, ao mesmo
tempo em que lavava as mãos.
- Como vai estranho? – Eva o saudou.
- Eu vou muito bem bela violoncelista. Preparada para a reunião de
amanhã? - perguntou.
Arthur se referia a reunião com o coordenador de projetos sociais
de uma grande corporação. Descobrira por acaso que Eva estava trabalhando na
captação de recursos para um projeto do Instituto no qual descobrira a vocação
para música e voltara a trabalhar.
- Nasci preparada senhor corretor – Eva respondeu – E falando
nisso, mais uma vez obrigada pela ajuda – disse grata pela interferência dele.
O projeto da apresentação social, quase fora engavetado por não
conseguirem o valor da captação necessária. Batera em um número inimaginável de
portas e ouvira sempre a mesma resposta. A música clássica não tinha
visibilidade no país. Ou seja, os projetos sociais apoiados por essas empresas,
nada mais eram que um tipo diferente de marketing. Não era a causa que
importava, mas a visibilidade que ela traria. A arte, em suas diversas
manifestações e vertentes, ainda era tratada como dispensável no Brasil.
Infelizmente.
- Me agradeça amanhã, depois de garantir a verba necessária - ele
ponderou – Fiz o contato, mas é você quem deverá convencê-los de que vale a pena
apostar no seu projeto.
Arthur comentou ao alcançar a pequena toalha que a mãe
providenciara no início do reparo da pia e secar ambas as mãos.
- Deixa comigo grandão.
Eva o observou seguir em direção à mesa, afastar a cadeira, sentar
e começar a recolocar as meias e os sapatos.
- Então, o lance com esse cara é sério? – Arthur perguntou
concentrado em calçar os sapatos.
Eva sentiu o rosto queimar ao imaginar que Arthur a vira aos
beijos com Theo, como se fossem dois adolescentes, em pleno condomínio.
- Como você nos viu se estava embaixo da pia? – perguntou ainda
sem saber como responder a pergunta.
Arthur voltou a olhar para ela e sorriu. Um sorriso que revelava
que ela fora flagrada em algo proibido.
- Avise-o que se ele machucar você eu o machucarei. E será com
vontade.
Ele se levantou e começou a vestir a camisa branca.
- A propósito. Eu os vi na outra noite, não hoje. Ele parecia nada
feliz ao se separar de você – comentou ao abotoar os punhos da camisa.
- Ah – ela comentou constrangida, sem saber o porquê de se sentir
assim.
Não encontrara com Arthur aquela noite, ela pensou. Quase suspirou
desanimada ao entender que o homem não estaria em outro lugar. Não quando Laura
estava frágil e precisando de apoio.
- Ele é um cara legal Eva? – perguntou.
Eva sorriu ao pensar em seu Theo Santini.
- Ele é um homem muito especial.
A ternura na voz dela o fez sorrir.
- Você merece o melhor Eva. Nunca se esqueça disso – disse em tom
exigente ao vestir o paletó.
Sorriram cúmplices um para o outro. Eram intrusos em um mundo onde
meninas negras e filhos de caseiros não eram admitidos. Ajudaram um ao outro a
violar as regras de uma sociedade preconceituosa em tantos níveis que chegava a
ser difícil enumerá-los. Eva o admirava e o considerava um vencedor. Não por
ele haver se tornado um homem rico e sim por não ter se prostituído ou se
vendido ao sistema, durante o processo.
- Não vou esquecer – ela prometeu - Laura sabe que tinha um lindo
moreno seminu em sua cozinha? – provocou.
Ele deu um meio sorriso desanimado.
- Da maneira como ela me olhou, quando me viu chegar, fico
surpreso da polícia ainda não ter aparecido.
Eva riu do comentário absurdo.
- Você está muito elegante para um ladrão ou outro malfeitor que
exija a presença da polícia – Eva ponderou com humor.
- Ela me olhou como se eu fosse um traficante ou talvez um mafioso
– ele resmungou ao colocar a gravata sob o colarinho da camisa.
- Isso é um absurdo – Eva retrucou – Ela nunca viu você usando
terno? Em todos esses anos?
Arthur bufou contrariado.
- Sou o filho do caseiro. Ninguém que deva ser notado – resmungou
enquanto tentava dar o nó na gravata.
- Laura não é assim e sabe disso Arthur – Eva respondeu em um tom
de desaprovação.
- Ela paga pelos meus serviços Eva – revelou – Todas as vezes que
ajudo meu pai com algum conserto recebo um discreto envelope e um recibo para
assinar.
Eva o mirou boquiaberta.
- Ela paga você? – perguntou ao recuperar a voz.
- Religiosamente – respondeu com ironia – Você é a única exceção
no mundo esnobe e arrogante da senhora Legrand.
Usou o sobrenome do marido falecido de Laura.
- Também não precisa se referir a ela dessa maneira – Eva defendeu
a amiga – É deselegante.
Arthur sorriu mais uma vez. Era um sinal familiar de que se rendia
aos argumentos dela.
- Desculpe. Esqueça o que eu disse – pediu ao se aproximar.
A gravata ainda estava desamarrada. Em um gesto automático, ela
começou a ajeitá-la para ele.
- Nossa Eva, esse seu perfume de morangos é de matar – ele
provocou – Se eu fosse um cara sem escrúpulos e com uma tigela de chantilly ao
meu alcance, faria um banquete com você.
Eva não tinha receio algum em brincar sobre o tema com Arthur. O
homem era apaixonado por Laura desde a infância. A relação entre eles era
fraterna. Com atração física zero.
- Não sou tão sortuda assim – ela devolveu a provocação e provocou
uma sonora gargalhada do homem alto e moreno.
- Você é o máximo – ele disse ainda rindo – Diga para o cara que
te beijou da maneira certa, que ele é um sortudo desgraçado.
Ele comentou ao testar o nó da gravata que ela terminara de fazer.
- Qual a maneira certa de beijar alguém?
Ela perguntou com as mãos na cintura.
Ele riu meio de lado. Com uma expressão séria, tocou com polegar
os lábios dela.
- Beijar da maneira certa é quando os lábios da mulher ficam assim
como os seus. Levemente inchados. E os olhos brilham da maneira como os seus
estão brilhando nesse momento.
A imagem de uma mulher pequena, com o corpo longilíneo e longos
cabelos ruivos cruzou a mente dele. Tinha dias em que acreditava que daria sua
vida para experimentar a sublime sensação de ter Laura em seus braços mais uma
vez.
Eva sorriu da maneira franca que era só dela.
- Nunca acreditei que o encanador, com vocabulário de estivador,
fosse um homem romântico – brincou.
Uma expressão constrangida ganhou a face masculina.
- Não se preocupe. Seu segredo está seguro – ela piscou para ele.
- É bom mesmo – ele entrou na brincadeira – Vou me despedir dos
meus pais e vou para casa. O dia hoje foi longo. Cuide-se moça – disse e
depositou um beijo carinhoso na face dela.
- Tchau estranho. E se cuida também – ela beijou a face dele.
Observou Arthur deixar a cozinha.
Pensando em como Theo dominava a arte de beijar uma mulher,
pegou a bolsa e seguiu para o banheiro a fim de se preparar para o jantar com
Laura.
**********
Theo estacionou a Harley em frente à Cantina D´Anita e consultou o
relógio em seu pulso. Passara quase vinte minutos do horário marcado com Bas e
sua irmã, mas não estava preocupado ou aborrecido com o atraso. Não quando
ainda sentia em sua boca o sabor único de Eva. Seu corpo ainda trazia os
efeitos de ter experimentado a sensação enlouquecedora do corpo macio e morno
colado ao dele.
Ao tirar o capacete, a lembrança da reação espontânea de sua dama
à notícia que ganhara a concorrência, invadiu sua mente. Não conseguiu evitar
que um sorriso idiota se formasse em seu rosto.
Ela estava de volta à sua vida. Pensou ao prender o capacete na
parte dianteira da moto. Não era ainda, a maneira como ele desejava... Mas era
um homem determinado e paciente.
Assim como uma semente precisava de boa terra, água, nutrientes,
tempo, cuidado e paciência para desabrochar em um linda e perfumada flor,
Eva necessitava de espaço, carinho e atitudes sinceras, para acreditar
que o que existia entre eles valia a pena. Que ele não a machucaria, nem
magoaria, como fizeram os outros caras com os quais ela tinha se relacionado.
- Babacas – resmungou ao descer da moto.
Ele era diferente e mostraria isso a ela. Pensou.
Entusiasmado com seu reencontro com Eva e pelo contrato com a Casa
das Rosa seguiu para a entrada da cantina. Lorenzo o cumprimentou com a alegria
espalhafatosa de sempre e o parabenizou pela conquista do contrato com a Casa
das Rosas. Ele entendeu que Sarah já havia espalhado a notícia.
Com um sorriso no rosto, seguiu para o salão a procura da sua
“gangue”. Estacou surpreso ao identificar a mesa ocupada por sua família.
Sentados a mesa, conversando com os netos, estavam Giuseppe e Agnes Santini,
seus pais.
Não desconfiava qual argumento Sarah usara para convencer os pais
habituados a frequentar restaurantes com no mínimo cinco estrelas, a comer a
simples, mas saborosa comida da Cantina D´Anita. Mas estava agradecido.
Os sobrinhos o viram e correram em sua direção, gritando o
familiar “Tio Theo”, desviando perigosamente das mesas ao longo do caminho. Ele
se abaixou para abraçar a dupla barulhenta que alertara a mesa de sua chegada.
- Estava morrendo de saudades de vocês – disse sincero ao beijar o
rostinho de ambos. Fazia quase uma semana que não os via.
As crianças falavam ao mesmo tempo.
Reclamavam de sua demora, contavam a novidade que era a presença
dos avós na cantina e revelavam que a família não o esperou para fazerem os
pedidos. Fizeram questão de avisar que Sarah não se esquecera dele e pedira o
seu prato favorito.
Seguiu para a mesa com Clara em seu colo e segurando a mão de
Pedro. A dupla de tagarelas continuava a falar sobre macarrão com queijo, o
quanto estavam contentes pela presença dos avós e perguntavam quando poderiam
ver as rosas que ele plantaria. Tudo ao mesmo tempo e sem nenhum respeito pelas
vírgulas e pontos em cada frase.
Rindo da capacidade de seus sobrinhos falarem sem parar e, ainda
assim, não ficarem sem ar, chegou a mesa e cumprimentou os pais.
- Estamos felizes com sua conquista – Giuseppe disse ao
cumprimentá-lo com um forte aperto de mão e tapinhas amigáveis nas costas.
Felizes, mas não orgulhosos. Ele entendeu o recado.
O pai ainda não se conformara com o fato de o filho mais novo
escolher um caminho diferente do traçado para ele desde o seu nascimento. Não
desejava presidir a empresa da família e era homem suficiente para admitir que
a mesma estava melhor sem ele. Não era um executivo e não desejava ser.
- Obrigado pai – ele respondeu.
Tratou de afastar a decepção por não conseguir fazer a família
entender sua opção de vida. Aquela era uma noite para celebração! Pensou.
Recebeu um caloroso abraço da mãe.
Nossa! Como amava essa mulher – pensou ao retribuir o carinho.
- É tão bom ver esse brilho em seus olhos meu querido – Agnes
sussurrou ao abraçar o filho mais novo.
- Também amo você mãe! Estou muito feliz por terem vindo – Theo
comentou e depositou um beijo barulhento na face da elegante senhora Santini.
- Nós também querido – ela respondeu sincera.
Agnes estava encantada com a novidade que enxergava nos olhos de
Theo. Seu coração de mãe não poderia estar enganado.
- Será que eu posso abraçar a estrela da noite? – Sarah fingiu
reclamar, ao se aproximar, o que provocou o riso divertido dos demais.
- Parabéns Theo, você merecia ganhar esse contrato – disse ao
abraçar o irmão mais novo.
- Obrigada Sarah. Não sei como você conseguiu, mas obrigada –
disse em voz baixa.
Ela entendeu que ele se referia à presença dos pais.
- Ainda tenho mais uma surpresa para você – ela deu uma piscada
charmosa para ele.
- O que aprontou além de pedir meu prato favorito? – perguntou
fingindo estar preocupado.
- Um minuto e você já irá descobrir – ela respondeu com um sorriso
matreiro.
Antes que o irmão pudesse retrucar ela se afastou e voltou ao seu
lugar na mesa.
Theo se aproximou de Sebastian e o cumprimentou.
- Preparado para o trabalho? – Bas perguntou em uma aberta
provocação.
- Eu é que pergunto. Está preparado para deixar a comodidade da
estufa e arregaçar as mangas, menino das flores? – devolveu a provocação.
- Vai ter que esperar para depois do jantar, empreiteiro –
Sebastian brincou. Mas com um sinal, imperceptível aos demais, indicou a
cadeira vazia ao lado dele.
Theo não teve tempo para indagar ou compreender o que Bas tentava
lhe dizer.
- Até que enfim você chegou! – Alexia comentou ao se aproximar.
Acabava de voltar do toalete.
O som da voz de Alexia o pegou totalmente despreparado. A mulher
estava vestida para matar. Parecia saída de um editorial de moda, como os das
revistas que sua mãe adorava e que sua irmã não tolerava.
- Surpresa! – ela disse e o abraçou – Parabéns pelo contrato –
disse ao beijar seu rosto.
Que merda acontecia ali? – Theo se perguntava sem entender toda
aquela encenação de mulher apaixonada por parte de Alexia.
- Obrigado – Theo respondeu dando um passo discreto para trás.
A última coisa que necessitava no momento era que sua família
acreditasse que ele e Alexia eram um casal.
Porra! Xingou em pensamento ao se dar conta que se não fosse pelo
jantar com Laura, Eva o estaria acompanhando.
- Sarah me ligou contando a novidade e me convidou para o jantar
de comemoração. Espero não estar invadindo uma celebração familiar – ela
esclareceu.
Theo se sentiu um canalha por não desejar a presença dela em meio
a sua família.
Alexia era uma mulher independente, linda e encantadora. Uma
profissional excelente. Seu único erro fora cair na armadilha romântica de
Sarah assim como ele.
Mas que merda Sarah! Xingou em sua mente.
- Claro que é bem-vinda – ele se forçou a dizer.
- Adorei conhecer sua família – ela comentou contemplando todos à
mesa – Seus pai são encantadores.
Algo o incomodava em toda essa situação. Mas ele não seria um
canalha. Alexia era uma amiga e seria bem recebida entre eles, decidiu.
- O charme dos Santini é hereditário - ele brincou.
Seguiu até a cadeira ao lado de Bas e a afastou em um pedido
declarado para que ela voltasse a ocupar o lugar ao lado do homem que olhava
para eles com uma expressão nada amigável. Sebastian nunca simpatizara com
Alexia e não fazia nada para esconder o fato.
Sarah tinha muito a lhe explicar, pensou. Ele sempre fora
muito discreto sobre Alexia. Até porque não existia qualquer envolvimento
emocional no relacionamento entre eles. Era o bom e velho sexo quando estavam
ambos solteiros e dispostos. Simples, sem compromissos ou obrigações.
Após um breve instante de hesitação, a convidada agradeceu e se
sentou no lugar oferecido.
- O senhor pode sentar aqui tio Theo – Clarinha ofereceu a cadeira
vaga entre ela e Pedro.
- Será uma honra milady – ele respondeu e fez uma exagerada mesura
em agradecimento, que deixou a sobrinha encantada.
A família pareceu não entender o porquê ele não escolheu sentar ao
lado da convidada, mas discretos, não emitiram qualquer comentário.
Acolher Alexia entre sua família não significava que teria de
atuar, fingindo que existia algo entre eles. Até porque, antes mesmo de
procurar Eva, ele deixara bem claro à sua vizinha que já não era um homem
solteiro. Ao menos ele se sentia assim. Comprometido com Eva e com esse
sentimento forte e poderoso que estava sempre presente, mesmo quando estavam
separados.
- Você não deveria estar acompanhado senhor Santini? – Bas
perguntou assim que Theo ocupou seu lugar entre os sobrinhos. Não ocultava sua
desaprovação à presença de Alexia.
Ele nunca acreditou naquele papinho de amigos de foda – Bas
resmungou em pensamento.
A loira de pernas longas era uma delícia, ele reconhecia.
Mas também era esperta e perigosa.
- Acompanhado? – Sarah e Agnes perguntaram ao mesmo tempo.
Merda! Theo praguejou em pensamento.
Olhares interrogativos foram de Theo para Alexia e em seguida para
Bas.
- Vocês não sabiam? – Bas perguntou com um falso ar de
arrependimento que não se deu ao trabalho de disfarçar.
Theo enviou um olhar assassino à Sebastian.
Não tinha intenção alguma de constranger a Alexia. Mas também não
negaria a presença de Eva em sua vida.
- Eva já tinha outro compromisso – respondeu pronto para avalanche
de perguntas.
Eva estava em sua vida para ficar. Pelo menos essa era sua
intenção. Era bom esclarecer de uma vez por todas a família que não havia
qualquer romance entre ele e sua vizinha.
- Eva? – Sarah perguntou visivelmente confusa.
- Quem é Eva? – a mãe também quis saber.
- Meu rapaz é melhor começar a se explicar – o pai exigiu
contrariado.
- Eu e o Theo somos apenas bons amigos – Alexia esclareceu –
Ele inclusive já tinha me confidenciado que está interessado em alguém.
Theo olhou agradecido pela generosidade de Alexia.
- Desculpe, quando aceitei o convite não achei que pensariam que
somos um casal – A loira disse visivelmente constrangida.
Hum... Me engana que eu gosto! Bas pensou. O botânico teve
dificuldades em segurar um comentário ácido em resposta à generosidade de
mulher ao seu lado.
- Sou eu quem pede desculpas, por fazê-la passar por essa saia
justa – disse olhando pra ela.
Em seguida contemplou a família em torno da mesa. Pedro e Clara
encaravam os adultos em um descarado interesse em cada palavra dita.
- Agora que já esclarecemos os fatos, podemos voltar à
comemoração? Estou morrendo de fome – disse em tom descontraído.
- Quem é Eva tio Theo? – Pedro perguntou.
- Ela é sua namorada? – Clara perguntou com os olhinhos brilhando.
Certamente a pequena pensava nos desenhos sobre contos de fadas
que tanto gostava de assistir.
- Ela é bonita? – Pedro quis saber.
- Ela é linda e talentosa – Theo respondeu ao sobrinho – E se eu
tiver muita sorte, ela será minha namorada Clarinha.
- Está saindo com a Eva? – Sarah perguntou sem conseguir disfarçar
o sorriso – Isso me faz uma espécie de cupido! – comentou animada ao enfim
compreender a qual Eva o irmão se referia.
- Um bem atrapalhado por sinal – Theo resmungou.
- Quem é essa moça? E por que ela não está aqui hoje? – o pai
interveio na conversa.
- Eva já tinha um compromisso. Por isso cheguei atrasado. Fiz
questão de levá-la - Theo esclareceu.
O pai abriu a boca para questioná-lo mais uma vez, porém a
aproximação dos garçons com os pedidos da mesa interrompeu o interrogatório.
A alegria de Pedro e Clara, diante do macarrão com almôndegas e
queijo, contagiou os presentes. No minuto seguinte, os adultos, estavam
envolvidos em comentários sobre a saborosa comida e o vinho de excelente
qualidade da cantina.
***********
Após cuidar da higiene pessoal e aplicar uma maquiagem leve, Eva
se sentia renovada e pronta, para desfrutar da excelente refeição preparada por
Diana e da sempre acolhedora companhia de Laura.
A emoção do reencontro com Theo ainda reverberava em seu peito.
Saber que estariam juntos na noite seguinte acendia seu sangue. Todo seu corpo
parecia vibrar de ansiedade em uma melodia que lembrava as baladas românticas
interpretadas por trovadores da idade média.
Chegou a elegante sala de jantar e encontrou Laura com duas
garrafas de vinho nas mãos. Parecia em dúvida sobre qual escolher. A ruiva
usava um elegante vestido vermelho e os cabelos ruivos estavam presos em um
penteado elaborado. Laura era assim, elegante e sofisticada em qualquer
situação.
- Se estiver muito difícil escolher, podemos tomar uma taça de
cada – Eva comentou bem humorada ao se aproximar.
- Está dez minutos atrasada – Laura ralhou em um tom de irmã mais
velha e colocou ambas as garrafas sobre a mesa.
O aberto escrutínio de Laura ao examinar sua aparência a fez se
arrepender por não ter passado em sua casa para trocar de roupa.
- Na verdade cheguei há quase meia hora. Estava conversando com o
Arthur na cozinha – comentou examinando as garrafas de vinho.
- O que achou dele? Ele não está estranho? – Laura perguntou com
um semblante sério.
- Ele me pareceu ótimo – Eva respondeu – Por que o achou estranho?
– perguntou encarando a amiga.
Laura não respondeu de imediato.
Deu alguns passos pela sala de jantar até as amplas janelas e por
alguns segundos contemplou o bem cuidado jardim da mansão Mondrian. Parecia
escolher cuidadosamente as palavras.
- Acho que ele está envolvido com algo muito ruim Eva, e me sinto
na obrigação de alertar a Diana e o Afonso, mas não sei como o farei. Eles
adoram o filho e... – Eva a interrompeu.
- Do que está falando Laura? Acha que ele está envolvido com
alguma atividade ilegal? – a musicista perguntou estupefata.
- Você prestou atenção nas roupas que ele estava usando? E o carro
que ele chegou dirigindo? – questionou – Como alguém como ele pode pagar por
tudo isso?
- Alguém como ele? - que conversa maluca era aquela? Eva pensou.
- Quando um trabalhador de serviços gerais vai poder comprar um
sedan importado e usar terno de grife? Para começo de história, para que ele
precisa de um terno de grife?
Literalmente boquiaberta Eva encarava Laura que parecia realmente
contrariada.
“Ela me olhou como se eu fosse um traficante ou talvez um
mafioso”
“Sou o filho do caseiro. Ninguém que deva ser notado”
Fragmentos da conversa que tivera com Arthur ecoaram em sua mente.
- Você me ajudaria a conversar com eles? A alertá-los para o que
está acontecendo? – Laura perguntou em uma voz preocupada.
A bailarina parecia realmente aflita.
- Conversar com quem? – Eva perguntou completamente chocada.
Estava estupefata com a constatação de que Laura, realmente, não
sabia nada sobre o homem que crescera na mesma casa que ela.
- Com a Diana e com o Afonso é claro! Você prestou atenção a uma
palavra do que eu disse? – perguntou aborrecida – Eles são pessoas
corretas e de reputação ilibada. Gosto muito deles e me dói saber que terão uma
decepção dessa magnitude com o único filho.
- Você realmente não faz ideia do que aconteceu na vida dele nos
últimos vinte anos? – Eva perguntou escandalizada.
- Pelas roupas que ele está usando, desconfio – Laura retrucou
aborrecida.
- Você realmente paga pelos pequenos consertos que ele faz a
pedido do Afonso? – Eva perguntou.
- Claro que pago. Se ele executou um trabalho, nada mais justo que
receber pelo serviço –Laura se justificou.
- Meu Deus Laura! – Eva exclamou ao se sentar na cadeira mais
próxima.
Como isso era possível? – se perguntou em silêncio.
- Pensei a mesma coisa quando o vi – Laura ponderou acreditando
que a amiga, enfim concordava com ela.
- Arthur não está envolvido em nenhum esquema ilegal. Não até onde
tenho conhecimento – Eva esclareceu.
- Como pode ter tanta certeza? – Laura retrucou.
- Como você pode ignorar a vida de alguém que cresceu ao seu lado?
– Eva perguntou sinceramente escandalizada.
- Ele não cresceu ao meu lado Eva. Nunca me intrometi na vida
pessoal dos funcionários dessa casa – Laura respondeu ofendida.
Eva decidiu não revelar a verdade sobre Arthur. Daria a pista e
faria a amiga descobrir por si própria, pois, caso contrário acabariam
discutindo. A situação era tão absurda quanto inacreditável. Será que em todos
aqueles anos de amizade ela se enganara sobre Laura? Não, não era possível –
disse a si mesma em silêncio.
- Sabe o nome que você coloca nos tais recibos que emite toda vez
que ele presta serviço? Faça uma busca no Google. Terá uma bela surpresa –
sugeriu contrariada.
Laura ergueu a sobrancelha direita em um flagrante questionamento.
- Que tal jantarmos? Confesso estar com fome – Eva desconversou.
Decidida a afastar sua irritação, seguiu para o lugar que
costumava ocupar a mesa, sempre que partilhava uma refeição na casa de Laura.
- Não vai mesmo me dizer o que sabe sobre o Arthur não é? – Laura
não conseguia entender a irritação que enxergava na face da amiga.
Estava preocupada com o casal que a viu crescer. Tinha um carinho
filial por Diana e Afonso e a possibilidade de Arthur, de alguma maneira,
feri-los a incomodava e muito.
- Não Laura. Terá de descobrir por si própria. E qualquer dúvida
que tenha, pergunte aos pais dele. Não há segredos sobre esse assunto entre ele
e os pais, acredite em mim.
Laura respirou fundo. Os argumentos de Eva não conseguiram
desfazer a impressão de que havia algo muito errado na vida do único filho do
casal de caseiros.
- Ok, eu me rendo – a bailarina declarou em um tom dramático e
ocupou seu lugar a mesa.
Desdobraram os guardanapos em um incômodo silêncio.
- Como estão as coisas na escola de música? Notei que não passou
em casa para mudar de roupa. Teve mais uma das cansativas reuniões sobre a
versão vida louca dos alunos no festival? – Laura perguntou procurando um
tópico seguro.
Eva respirou fundo antes de responder. É claro que um
detalhe “importante” como esse não escaparia do escrutínio que recebera ao
chegar à sala de jantar.
- Eu tive mais uma dessas reuniões sim, mas não foi esse o motivo
pelo qual não passei em casa – revelou com os olhos brilhando.
- Então? – Laura perguntou animada.
A irritação desaparecera da face de Eva. Ela tinha uma expressão
quase sonhadora naquele momento.
- O Theo me procurou. Foi até o conservatório para conversar
comigo – sabia ter um sorriso abobalhado em seus lábios. Pensar em Theo fazia
isso com ela.
- O seu Theo Santini? – Laura perguntou – Mas vocês não haviam
concordado em não se ver mais?
- Mudamos de ideia – Eva respondeu ansiosa para dividir os
detalhes do reencontro com sua melhor amiga.
Na verdade sentia uma imensa necessidade de se abrir com Laura.
Contar tudo sobre seu reencontro com Theo, confessar suas inseguranças e ouvir
os conselhos da amiga.
Laura encarou Eva com uma expressão pensativa e preocupada.
- Eva serei bem sincera com você – ela começou – Não acho uma boa
ideia você continuar a ver o seu Theo Santini – pronunciou as palavras com
cuidado.
- O que? Por que? – Eva perguntou sem entender como e por que
Laura mudara de opinião.
- Sei que quando você me contou sobre o desconhecido do metrô e
depois que se encontram, apoiei a possibilidade de um envolvimento entre vocês,
mas mudei de ideia.
- Por que? – quis saber.
Sentia o peito apertar. Algo em sua mente alertava que não
gostaria nada do que estava prestes a ouvir.
- Você é excessivamente romântica Eva. Essa sua sensibilidade, às
vezes, faz com que tire o pé do chão e viva em uma realidade paralela... – Eva
a interrompeu pela segunda vez naquela noite.
- Onde está querendo chegar com esse discurso? – Eva perguntou
irritada.
Qual era o problema com Laura? Estava de TPM?
Foi a vez de Laura respirar fundo antes de responder.
- Você tem um dom e talento incríveis. O destino interrompeu sua
carreira internacional uma vez anos atrás, não quero que isso aconteça
novamente – comentou com cuidado, fazendo à amiga se recordar da carreira
interrompida para cuidar da saúde da mãe.
- Do que está falando? – Eva perguntou ainda mais irritada.
- Você tem a chance de fazer história, de se tornar uma lenda.
Agarre-a e não solte, por nada, nem por ninguém – aconselhou.
Eva olhava estarrecida para Laura.
A bailarina continuou.
- Seu destino é grandioso Eva. Você irá tocar nos melhores teatros
e salões da Europa. Irá se tornar uma musicista de repercussão internacional e
com um empurrãozinho do destino, conhecerá um nobre europeu, ou um rico
empresário que colocará o mundo aos seus pés. Não há lugar na sua vida para um
jardineiro, por mais bonito e charmoso que ele seja.
- Acha que o Theo é uma ameaça a minha carreira? – perguntou.
Que história era aquela sobre nobres europeus e ricos empresários?
– se perguntava.
- Sejamos sinceras uma com a outra – Laura pediu – Se continuar
com esse Theo e as coisas ficarem sérias entre vocês, vai acabar desistindo de
ir para Londres para ficar com ele. Você acredita no amor e em fazer
sacrifícios em nome dele. Não posso ficar calada assistindo você cometer a
maior burrada da sua vida. Pronto. Falei – declarou com convicção.
Eva se levantou. Estava nervosa, irritada e inquieta demais para
permanecer sentada.
- Você ouviu sua própria voz enquanto discursava como a dona da
verdade? – explodiu – Você ouviu as barbaridades que disse?
- O que eu disse de tão horrível assim? – Laura a desafiou
responder.
- Você foi arrogante, preconceituosa, prepotente e esnobe, só para
começar. Quando foi que se tornou esse tipo de pessoa? – perguntou.
- Ah, por favor, Eva! – ralhou impaciente – Você é minha melhor
amiga, minha irmã, não preciso fazer discursos politicamente corretos quando
estamos juntas. Que se foda o politicamente correto! Quero o melhor para você!
Que conheça o mundo. Quero que encontre um homem que lhe dê o mundo de
presente. Entre um jardineiro brasileiro e um nobre europeu, a escolha me
parece óbvia.
Eva mordeu a língua para não gritar paisagista e corrigir Laura.
Afinal, paisagista, motorista, ou qualquer outra profissão não importava. Theo
era um homem especial e ela não deixaria Laura denegrir a imagem dele.
- Pelo amor de Deus! Acorda Laura! Sabe quantos europeus nunca
ficaram frente a frente com um nobre? A grande maioria! – respondeu quase
gritando – E isso não importa. Não vou me prostituir em troca de posição social
ou conforto econômico. Prefiro a morte.
- Quem falou em prostituição? Laura perguntou ofendida.
- Você! Quando tenta me convencer a escolher um marido por sua posição
social. Não preciso de um marido para pagar minhas contas. E não volte a falar
do Theo como se não fosse ninguém. Ele tem minha admiração e o meu respeito.
- Ele não serve para você – Laura insistiu.
- Por não possuir seis zeros na conta bancária?
- Entre outras coisas – Laura não recuou em seus argumentos.
Eva ofegou escandalizada com a crua franqueza de Laura.
- Chega! – Eva disse ao caminhar em direção da cozinha.
- Aonde você vai? – Laura perguntou estupefata.
- Embora – Eva respondeu sem se virar.
- Você está sendo infantil – acusou.
Eva estacou e lentamente girou o corpo até ficar novamente de
frente para Laura.
- Você, em seu discurso esnobe, não desejou nenhuma vez que fosse
feliz. Que eu me apaixonasse e que encontrasse um homem que fosse completamente
apaixonado por mim. Falou somente em dinheiro e em posição social, poder.
- Amor é um conceito super valorizado – Laura retrucou.
Mais uma vez Eva estava literalmente boquiaberta.
Essa era a mesma mulher que em três dias do ano, chorava até quase
desmaiar por saudades do marido falecido? Perguntava-se.
- Estou indo embora. A gente se fala – Eva disse ao entrar na
cozinha, pegar sua bolsa e deixar a casa pela mesma porta pela qual entrara.
Era a noite do pesadelo! O que acontecera com Laura? Por que
estava tão amarga e ácida aquela noite? As perguntas se sobrepunham em sua
mente enquanto caminhava a passos rápidos em direção à portaria do condomínio.
“Você é a única exceção no mundo esnobe e arrogante da
senhora Legrand”
Mais uma vez as palavras de Arthur ecoaram em sua mente.
Não, não e não. Essa não era Laura. Algo estava acontecendo com
sua amiga para estar tão cética e amarga. Ela sabia os riscos que corria ao se
reaproximar de Theo. Sabia que seu coração sairia machucado ao final daquela história.
Porém nunca cogitou o fato de perder a chance que o destino colocara mais uma
vez em sua vida. Era uma mulher madura, não uma adolescente romântica e cabeça
de vento!
A aproximação de um caro que diminuiu a velocidade para acompanhar
seus passos interrompeu seus pensamentos. Assustando-a.
- Quer uma carona morena bonita? – a voz de Arthur soou do
interior do veículo.
Eva respirou aliviada.
Ele não precisou perguntar para perceber que ela e Laura haviam
discutido. Pelo que ele recordava, as discussões da adolescência tinham sido as
melhores. Independente da causa, os motivos eram sempre os mesmos: Eva era
idealista, sensível e sonhadora. Laura era pragmática, workaholic, prática e em
algumas situações, cética. A exceção da vida da bailarina foram os anos em que
namorou Yves Legrand.
- Só se você prometer não fazer perguntas – Eva respondeu
desanimada.
Sentia o coração apertado. Amava Laura como sua irmã e detestava
brigar com ela.
Arthur abriu a porta do passageiro.
- Tem minha palavra – disse.
Eva entrou e colocou cinto.
- Obrigada – agradeceu o gesto de carinho e amizade.
- É melhor avisar ao porteiro do seu edifício que uma ruiva pode
aparecer por lá de madrugada, chorando e parecendo meio louca para falar com
você – resmungou ao dar a partida.
Eva riu desanimada.
- O porteiro do meu prédio conhece bem a Laura – respondeu.
Mas Eva não acreditava que Laura fosse ao seu encontro essa noite.
A briga fora feia. Precisariam de alguns dias, antes de estarem prontas para
fazer as pazes.
Seguiram pelas ruas de São Paulo em um cúmplice silêncio.
*******
- Sebastian você leva a Alexia para casa? Eu vou acompanhar a
Sarah e ajudá-la a descarregar os dorminhocos. Pretendo pousar por lá.
Theo pediu ao amigo na porta do restaurante.
Os pais foram os primeiros a irem embora. O que aconteceu durante
a Tarantella. Parece que o entusiasmo e espontaneidade os deixaram um pouco
chocados.
Pedro e Clara foram guerreiros, mas não conseguiram resistir ao
chamado de Morfeu, e capotaram em sono profundo ainda dentro do restaurante.
Sarah entendeu que o irmão queria conversar com ela e sua
desastrosa experiência de cupido.
- Claro, será um honra – Bas respondeu em um tom mordaz.
- Eu posso pegar um táxi – Alexia propôs.
- Eu faço questão – Bas disse ao abrir a porta de passageiro da
pick-up.
- Posso confiar que não irá jogá-la em um precipício qualquer? –
Theo perguntou em voz baixa ao se despedir do amigo.
- Não me recordo de nenhum no caminho até a sua casa, infelizmente
– respondeu com sarcasmo e arrancou uma sonora risada do paisagista.
- A gente se fala amanhã? – Bas perguntou ao abrir a porta do
motorista.
- Amanhã à noite levarei a Eva para jantar – Theo respondeu
colocando o capacete.
Bas sorriu ao ouvir a notícia.
- Bom – disse em uma aberta aprovação – Nos vemos depois de amanhã
então.
- Combinado – gritou ao subir na Harley e dar a partida.
Aguardou alguns segundos, até o carro de Sarah passar por ele e
seguiu com a Harley logo atrás dela.
Meia hora depois terminava de ajudar a irmã a vestir os pijamas na
dupla adormecida e colocá-los em suas camas. Sarah ficou responsável pelos
cuidados com a pequena Clara e coube a ele, cuidar de Pedro.
Depois de conseguir executar a complicada tarefa de trocar a roupa
de uma criança adormecida, deixou o quarto do sobrinho e seguiu em direção da
cozinha. Encontrou Sarah servindo duas taças de vinho.
Ele parou junto à porta e com braços cruzados a encarou.
Sarah respirou fundo ao enxergar as perguntas no rosto do irmão.
- Me desculpe – começou – Eu deveria tê-lo consultado sobre
convidar Alexia.
- Por que a convidou para início de conversa? – Theo
questionou.
- Soube através de uma amiga, que jantou com ela semanas atrás,
então juntei isso ao fato de estar misterioso e calado nos últimos tempos.
Acreditei que estava tendo alguma dificuldade em formalizar essa relação então
resolvi dar uma mãozinha.
A expressão sofrida da irmã o fez sorrir. Theo se aproximou e a
abraçou com carinho.
- Você é incorrigível Sarah – disse e depositou um beijo nos
cabelos loiros da irmã mais velha.
- Estou desculpada? – perguntou o abraçando de volta.
- Não consigo ficar bravo com você. Sabe disso – confessou
acariciando os cabelos sedosos em um gesto tão familiar e fraternal que fazia
parte da relação deles desde que ele se entendia por gente.
- Está mesmo envolvido com a Eva? – Sarah perguntou curiosa.
- Promete guardar um segredo? – Theo perguntou.
- É obvio – ela respondeu divertida pela pergunta, a seu ver,
desnecessária.
Desde a infância eram os portadores dos segredos um do outro.
- Estou completamente apaixonado por ela – confessou o que até
aquele momento não admitira para si mesmo.
Sarah contemplou o rosto do irmão. Estava agradecida, por enfim,
seu irmão mais novo descobrir esse sentimento.
- E ela? – Sarah perguntou preocupada.
Não desejava ver seu irmão sofrer.
Theo sorriu charmoso.
- Digamos que ela ainda não se deu conta de que está louca por mim
– disse e piscou charmoso para a irmã.
Sarah sorriu da confiança dele.
- Você é impossível Theodoro Emiliano Santini, mas eu te amo mesmo
assim.
- Eu também te amo Sarah. Mesmo você sendo o pior cupido de toda a
história da humanidade.
Comentou, arrancando uma gargalhada da irmã.
Como ele sentia falta dessa espontaneidade de Sarah. Às vezes
tinha impressão que toda a alegria e entusiasmo da irmã foram enterrados juntos
com o cunhado.
Rindo de sua trapalhada, que quase arruinara a comemoração do
irmão, ela se afastou, pegou as taças de vinho e estendeu uma para ele.
- Quero todos os detalhes dessa
história – anunciou com a curiosidade estampada em seu rosto.
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