sábado, 17 de maio de 2014

SÉRIE SANTUÁRIO 02 - OUTRA VEZ VOCÊ - Capítulo 01



Com o coração transbordando de alegria apresento a vocês a história  de Alicia e Bourregard.
Um amor intenso, que nasceu num momento difícil, no lugar mais improvável.
Vocês conhecerão também um pouco mais dos nossos apóstolos, ou seriam lendas do rock?
Um agradecimento especial às minhas amigas insanas Ana Maria Vilhena Coelho e Sandra Evaristo, que foram minhas incentivadoras, revisoras e leais consultoras.
A  Lilith Lisa e a Martinha Fagundes que tão carinhosamente me incentivam.
Um grande beijo no coração de cada uma.
Desejo que ao lerem se apaixonem pelo casal, assim como fiz ao escrever.

Nina Reis
Capítulo 1
Dez anos antes
       Tudo estava tão quieto e silencioso, que Bourregard podia ouvir os sons noturnos da mata nativa, que cercava a casa que ele e os demais membros do esquadrão chamavam de Santuário.
Era o único membro da equipe no interior da casa, que ao mesmo tempo era uma fortaleza. Os demais faziam a segurança externa, revezando-se com os homens das outras duas equipes de elite comandadas por Conrado e Caetano Montessori.
       Somente os homens da equipe principal conheciam as verdadeiras identidades dos donos da Abaré Segurança Corporativa e Escolta Especializada. Há dois anos, após várias missões de escoltas frustradas pela política e diplomacia nacional e internacional, os irmãos haviam convocado os melhores homens e mulheres que puderam encontrar em diversas organizações militares espalhadas pelo mundo.      Todos especializados em combate armado, rastreamento, vigilância, tecnologia civil e militar e apresentaram a proposta de criar um esquadrão de elite para missões especiais. Essa equipe não teria um nome, seus membros em cada missão teriam uma nova identidade, não receberiam reconhecimento público por suas missões, seriam apenas fantasmas dispostos a se arriscar para fazer um trabalho que outros não haviam conseguido.
       Há quatro semanas, as três equipes desse esquadrão de elite tinham realizado a missão mais arriscada e perigosa desde sua formação. Invadiram um dos acampamentos das Farc, na Amazônia Colombiana,  libertado a jovem Alicia Mendes Bittencourt, sequestrada dez meses antes, quando passava férias com a família em Cartagena. Além de Alicia, em uma iniciativa impulsiva e arriscada, libertaram outros seis reféns com quem ela dividia a mesma cela/jaula, o que quase levou ao fracasso da missão.
       Bourregard, que nessa missão atendia pelo nome de Hendrix, aproximou-se de uma das janelas blindadas e contemplou a visão da lua cheia, que derramava o brilho prateado, pela paisagem do rio e da mata nativa.
Mais uma vez recordou o momento em que ele a havia encontrado.
       A jovem estava seriamente debilitada, claramente desnutrida e desidratada. Possuía vários machucados pelo corpo e seus pulsos estavam em carne viva.
Bo sentiu seu estômago encolher ao recordar a maneira como os enormes olhos verdes olharam para ele, quando a encontrou encolhida num canto da jaula. Enxergou incredulidade, surpresa, certa desconfiança e o que mais mexeu com ele, esperança.
       Em nenhum momento a moça demonstrou sentir medo dele.
Quando revelou que fora enviado por sua família, ela literalmente se jogou em seus braços e permaneceu agarrada a ele durante todo o resgate. Somente deixou seus braços, quando a entregou aos cuidados da jovem Ângela, a enfermeira ainda em formação, que era o mais recente membro adicionado à equipe, graças à teimosia de Conrado Montessori, ou como a sociedade o conhecia Álvaro Nascimento.
       Ângela aos dezenove anos, apesar de ainda não estar formada, conhecia medicina melhor que muito médico com anos de estrada. Crescera acompanhando o pai, cirurgião das forças armadas, em zonas de conflito. Se a equipe, no início, tinha alguma dúvida quanto à capacidade dela, essa já não existia. Cuidou com competência do atendimento de emergência dos sete reféns resgatados e fizera um excelente trabalho de recuperação com Alicia Mendes.
       Recordou a emoção de Alicia e dos pais quando conversaram pela primeira vez em onze meses, pois apesar do resgate ter acontecido há quase um mês, por medida de segurança e para despistar as Farc, somente no dia anterior a família fora notificada por Álvaro Nascimento (Conrado Montessori), que a jovem fora libertada e estava em um local seguro.
       O som de passos vindos da entrada dos fundos o fez virar-se para o recém-chegado.
       - Desconfio ser inútil, mas vou oferecer assim mesmo. Se você quiser descansar posso render você. - Javier, que na missão respondia pelo nome de Mick, disse sem disfarçar o aborrecimento. Bo estava extremamente protetor com a moça, isso indicava que o assunto começava a ser pessoal e no ramo deles, isso era encaminhar-se para o desastre. O fato de a casa estar com o aroma dos produtos de beleza, que Angie tinha traficado para o santuário, só aumentava seu mau humor.
       - Descansarei amanhã. – Bo respondeu sem se intimidar com a cara feia do homem a sua frente. Na manhã seguinte os pais da moça chegariam ao santuário e a família seria escoltada até o aeroporto internacional de Curitiba.
Era a primeira vez que se sentia inquieto com o fim de uma missão, mas sabiamente calou-se.   
       - Como consegue ficar aqui dentro com esse cheiro? A casa inteira cheira a mulher! – Javier resmungou e praguejou em pensamento pela teimosia de Álvaro em contratar a jovem e rebelde Ângela como enfermeira.
       - Existem cheiros piores, suas meias por exemplo. – Bo retrucou divertido pelo mau humor de Javier.
       - O líder Optimus quer saber como a moça reagiu à partida brusca da nossa Ana Néri – perguntou sarcástico provocando o riso involuntário de Bourregard.
Os apelidos inusitados, marca registrada do humor ácido do espanhol.
       - O líder Optimus decidiu vir fazer a pergunta pessoalmente, Don Juan de Marco. – Caetano resmungou ao se aproximar e dirigiu sua melhor versão de olhar assassino na direção de Javier, não que isso tivesse tido algum resultado.
Se bem que Optimus soava melhor que o nome que fora forçado a usar naquela missão, ele amava rock and roll, mas ser chamado de Elvis o estava deixando com um humor de cão.
- Tanto desenho animado está fritando seu cérebro – Caetano provocou o espanhol para em seguida olhar na direção de Bo.
Também estava preocupado com a reação da moça à partida repentina de Ângela, a pedido de Conrado. Pela maneira como o irmão gritava ao telefone, não ousou fazer perguntas.
- Uau, a casa está com perfume de mulher. – dirigiu um olhar divertido a Javier.
       - Você é tão culpado quanto a Ana Néri, você aprovou essa porra toda! – Javier disse entre os dentes.
Referia-se ao “dia de meninas”, promovido pela enfermeira para melhorar a autoestima da paciente e prepará-la para o encontro com os pais no dia seguinte. A iniciativa foi interrompida pela chamada urgente de Conrado (Álvaro).
       - Me pareceu uma boa idéia quando ela propôs. Agora já não estou tão certo. - Pensou consigo mesmo. Concordava que um aroma como aquele, não contribuía em nada para concentração dos homens.
       - Prefiro o cheiro das minhas meias.  Javier resmungou – Quando estou em missão - Esclareceu ao receber olhares interrogativos dos outros dois homens.
       - Como ela está reagindo à partida da Janis?
Caetano perguntou usando o nome pelo qual Ângela atendia nessa missão.
Bo respirou fundo antes de responder e praguejou em pensamento ao ter as vias nasais invadidas pelo odor feminino.
       - Ela se trancou no quarto, mas abriu a porta quando levei o jantar, porém o que mais me preocupa é que Janis antes de ir, avisou que ela tem pesadelos todas as noites, o que deve piorar com a ansiedade do reencontro com os pais e um pouco mais com a ausência dela.
Bo percebeu que Caetano não estava surpreso com a informação.
– Sabia dos pesadelos? - Perguntou já irritado pelo chefe ter omitido essa informação.
Desde o resgate de Alicia a equipe estava acampando do lado de fora da casa.
Ao perceber o quanto arredia a moça se sentia com a presença dos homens, Ângela literalmente os expulsou da casa, o que explicava o mau humor de Javier.  
       Caetano respirou resignado, não era somente com a moça que estava preocupado. A reação protetora e passional de Bo havia ligado todos os seus alarmes internos.
       - Porque acha que foi escolhido para estar aqui? Você, além da Janis, é a única pessoa que ela tolera por perto. Não vou mentir cara, eu teria escalado o garoto mangá para essa tarefa se não fosse por isso. - Disse, se referindo ao apelido dado por Javier a Henrique, que era o mais jovem do grupo.
A maneira como Bo olhou para ele demonstrava que ele só deixaria isso acontecer se estivesse morto.

**********************

      No banheiro da suíte que ocupava na casa, que todos se referiam como santuário, Alicia contemplava seu próprio reflexo no espelho. Tentava reconhecer a mulher que a olhava de volta. Apesar das melhorias promovidas pela enfermeira Janis e seu insólito “dia de meninas”, descobriu-se mirando as feições e os olhos de uma estranha.
          Há menos de um ano, era uma jovem com sonhos e fome de viver, como qualquer outra garota de dezenove anos. Hoje, sentia-se muito, muito mais velha...
Tocou o espelho como se tocasse o rosto de uma desconhecida, que o vidro teimava em refletir, aceitando a maturidade que lhe havia chego a custo do sofrimento.
Pela primeira vez desde seu resgate, fez uma prece agradecendo a Deus por ter sobrevivido.  
           Sentiu o peito mais leve, ao pensar que no dia seguinte, estaria com sua família.
         Até onde ela sabia, não existia melhor lugar para curar feridas, que no aconchego daqueles a quem amava.
Somente seus pais foram autorizados a entra no santuário. Seus irmãos, cunhadas e sobrinhos a encontrariam em casa. Sentiu o coração aquecer ao lembrar-se das notícias lindas que recebera. O sobrinho Miguel que era recém-nascido quando foi sequestrada já estava andando e há dois meses nascera Sofia. Ela nem chegou à saber que a cunhada estava grávida!
A expectativa do reencontro também trazia aquela indesejável sensação de desconforto. Sabia que estava diferente, porém, ainda não conhecia a profundidade dessas mudanças e a possibilidade de não mais se adaptar a família, fazia seu coração apertar-se.
       - Como dizem, seja o que Deus quiser. – Disse para si mesma, incomodada pelo excessivo silêncio da casa, desde a partida as pressas da enfermeira maluquinha.
Caminhou pelo quarto que estaria abandonando logo pela manhã e ao sentar na cama e recostar-se sobre os travesseiros pensava no grupo tão impressionante, quanto incomum, que a havia resgatado do inferno que fora seu cativeiro na Colômbia.
       Seus lábios se curvaram no ensaio de um sorriso, ao pensar na inusitada escolha de nomes pelos quais eles chamavam uns aos outros. Não era preciso ser um gênio das relações humanas para entender que os nomes eram falsos. Afinal, que tipo de fenômeno cósmico, reuniria num grupo de mercenários, homens que se chamavam de Elvis, Fred, Axel Hendrix, Mick, Renato e uma enfermeira chamada Janis?  Se bem que Renato a havia confundido, até que na noite anterior, quando fora levada até o subsolo da casa, que mais parecia o centro de comando da NASA, para conversar com seus pais, através de vídeo conferência, ela e Hendrix, que sempre a acompanhava, o surpreenderam cantarolando a musica faroeste caboclo e tudo fez sentindo.
       - Fui resgata por lendas do rock- disse baixinho para si mesma se divertindo com a ironia, pois o único que lembrava o seu homônimo, era o loiro alto, de feições nórdicas, que usava lenço na cabeça e óculos escuros, que realmente faziam lembrar o vocalista da banda Guns N‘Roses, porém, com muito mais músculos.
Aprendera a respeitar cada um, e diferente do que pensavam, não tinha medo deles, somente não se sentia confortável em tê-los a sua volta.
       Pensou em Janis e o sentimento de gratidão tomou conta seu peito.
A jovem cheia de vida, que contagiava o ambiente com sua energia, foi mais que uma enfermeira. Também fora ouvinte e psicóloga. Reconhecia que sentiria falta dela, assim como sentiria falta do constante olhar carinhoso e cheio de cuidado de Hendrix.  Desde o momento que ele entrou na jaula e a tirou do acampamento das Farc nunca vira pena ou compaixão em seu olhar, enxergava respeito, extremo cuidado e carinho.
       Sabia que era irracional sentir essa proximidade com um homem, com o qual, mal trocara meia dúzia de palavras, mas, depois de passar quase um ano sob o terror dos guerrilheiros colombianos, quem poderia esperar que ela fosse racional? – Pensou e suspirou resignada.
       Ainda pensando no quanto a presença do xará do rei da guitarra, lhe era reconfortante adormeceu num sono agitado. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário