Com
o coração transbordando de alegria apresento a vocês a história de
Alicia e Bourregard.
Um
amor intenso, que nasceu num momento difícil, no lugar mais improvável.
Um
agradecimento especial às minhas amigas insanas Ana Maria Vilhena Coelho e Sandra
Evaristo, que foram minhas incentivadoras, revisoras e leais consultoras.
A Lilith
Lisa e a Martinha Fagundes que tão carinhosamente me incentivam.
Um
grande beijo no coração de cada uma.
Desejo
que ao lerem se apaixonem pelo casal, assim como fiz ao escrever.
Nina
Reis
Capítulo 1
Dez anos antes
Tudo estava tão quieto e silencioso, que
Bourregard podia ouvir os sons noturnos da mata nativa, que cercava a casa que
ele e os demais membros do esquadrão chamavam de Santuário.
Era o único membro da equipe no interior da casa, que ao mesmo tempo era
uma fortaleza. Os demais faziam a segurança externa, revezando-se com os homens
das outras duas equipes de elite comandadas por Conrado e Caetano Montessori.
Somente os homens da equipe principal
conheciam as verdadeiras identidades dos donos da Abaré Segurança Corporativa e
Escolta Especializada. Há dois anos, após várias missões de escoltas frustradas
pela política e diplomacia nacional e internacional, os irmãos haviam convocado
os melhores homens e mulheres que puderam encontrar em diversas organizações militares
espalhadas pelo mundo. Todos especializados
em combate armado, rastreamento, vigilância, tecnologia civil e militar e
apresentaram a proposta de criar um esquadrão de elite para missões especiais.
Essa equipe não teria um nome, seus membros em cada missão teriam uma nova
identidade, não receberiam reconhecimento público por suas missões, seriam
apenas fantasmas dispostos a se arriscar para fazer um trabalho que outros não
haviam conseguido.
Há quatro semanas, as três equipes desse
esquadrão de elite tinham realizado a missão mais arriscada e perigosa desde
sua formação. Invadiram um dos acampamentos das Farc, na Amazônia Colombiana, libertado a jovem Alicia Mendes Bittencourt,
sequestrada dez meses antes, quando passava férias com a família em Cartagena.
Além de Alicia, em uma iniciativa impulsiva e arriscada, libertaram outros seis
reféns com quem ela dividia a mesma cela/jaula, o que quase levou ao fracasso
da missão.
Bourregard, que nessa missão atendia pelo
nome de Hendrix, aproximou-se de uma das janelas blindadas e contemplou a visão
da lua cheia, que derramava o brilho prateado, pela paisagem do rio e da mata
nativa.
Mais uma vez recordou o momento em que ele a havia encontrado.
A jovem estava seriamente debilitada, claramente
desnutrida e desidratada. Possuía vários machucados pelo corpo e seus pulsos
estavam em carne viva.
Bo sentiu seu estômago encolher ao recordar a maneira como os enormes
olhos verdes olharam para ele, quando a encontrou encolhida num canto da jaula.
Enxergou incredulidade, surpresa, certa desconfiança e o que mais mexeu com
ele, esperança.
Em nenhum momento a moça demonstrou
sentir medo dele.
Quando revelou que fora enviado por sua família, ela literalmente se
jogou em seus braços e permaneceu agarrada a ele durante todo o resgate.
Somente deixou seus braços, quando a entregou aos cuidados da jovem Ângela, a
enfermeira ainda em formação, que era o mais recente membro adicionado à
equipe, graças à teimosia de Conrado Montessori, ou como a sociedade o conhecia
Álvaro Nascimento.
Ângela aos dezenove anos, apesar de ainda
não estar formada, conhecia medicina melhor que muito médico com anos de
estrada. Crescera acompanhando o pai, cirurgião das forças armadas, em zonas de
conflito. Se a equipe, no início, tinha alguma dúvida quanto à capacidade dela,
essa já não existia. Cuidou com competência do atendimento de emergência dos sete
reféns resgatados e fizera um excelente trabalho de recuperação com Alicia
Mendes.
Recordou a emoção de Alicia e dos pais
quando conversaram pela primeira vez em onze meses, pois apesar do resgate ter
acontecido há quase um mês, por medida de segurança e para despistar as Farc,
somente no dia anterior a família fora notificada por Álvaro Nascimento
(Conrado Montessori), que a jovem fora libertada e estava em um local seguro.
O
som de passos vindos da entrada dos fundos o fez virar-se para o recém-chegado.
- Desconfio ser inútil, mas vou oferecer
assim mesmo. Se você quiser descansar posso render você. - Javier, que na
missão respondia pelo nome de Mick, disse sem disfarçar o aborrecimento. Bo
estava extremamente protetor com a moça, isso indicava que o assunto começava a
ser pessoal e no ramo deles, isso era encaminhar-se para o desastre. O fato de
a casa estar com o aroma dos produtos de beleza, que Angie tinha traficado para
o santuário, só aumentava seu mau humor.
- Descansarei amanhã. – Bo respondeu sem
se intimidar com a cara feia do homem a sua frente. Na manhã seguinte os pais da
moça chegariam ao santuário e a família seria escoltada até o aeroporto
internacional de Curitiba.
Era a primeira vez que se sentia inquieto com o fim de uma missão, mas sabiamente
calou-se.
- Como consegue ficar aqui dentro com
esse cheiro? A casa inteira cheira a mulher! – Javier resmungou e praguejou em
pensamento pela teimosia de Álvaro em contratar a jovem e rebelde Ângela como
enfermeira.
- Existem cheiros piores, suas meias por
exemplo. – Bo retrucou divertido pelo mau humor de Javier.
- O líder Optimus quer saber como a moça
reagiu à partida brusca da nossa Ana Néri – perguntou sarcástico provocando o riso
involuntário de Bourregard.
Os apelidos inusitados, marca registrada do humor ácido do espanhol.
- O líder Optimus decidiu vir fazer a
pergunta pessoalmente, Don Juan de Marco. – Caetano resmungou ao se aproximar e
dirigiu sua melhor versão de olhar assassino na direção de Javier, não que isso
tivesse tido algum resultado.
Se bem que Optimus soava melhor que o nome que fora forçado a usar naquela
missão, ele amava rock and roll, mas ser chamado de Elvis o estava deixando com
um humor de cão.
- Tanto desenho animado está fritando seu cérebro – Caetano provocou o
espanhol para em seguida olhar na direção de Bo.
Também estava preocupado com a reação da moça à partida repentina de
Ângela, a pedido de Conrado. Pela maneira como o irmão gritava ao telefone, não
ousou fazer perguntas.
- Uau, a casa está com perfume de mulher. – dirigiu um olhar divertido a
Javier.
- Você é tão culpado quanto a Ana Néri,
você aprovou essa porra toda! – Javier disse entre os dentes.
Referia-se ao “dia de meninas”, promovido pela enfermeira para melhorar a
autoestima da paciente e prepará-la para o encontro com os pais no dia seguinte.
A iniciativa foi interrompida pela chamada urgente de Conrado (Álvaro).
- Me pareceu uma boa idéia quando ela propôs.
Agora já não estou tão certo. - Pensou consigo mesmo. Concordava que um aroma
como aquele, não contribuía em nada para concentração dos homens.
- Prefiro o cheiro das minhas meias. Javier resmungou – Quando estou em missão - Esclareceu
ao receber olhares interrogativos dos outros dois homens.
- Como ela está reagindo à partida da
Janis?
Caetano perguntou usando o nome pelo qual Ângela atendia nessa missão.
Bo respirou
fundo antes de responder e praguejou em pensamento ao ter as vias nasais
invadidas pelo odor feminino.
- Ela se trancou no quarto, mas abriu a
porta quando levei o jantar, porém o que mais me preocupa é que Janis antes de
ir, avisou que ela tem pesadelos todas as noites, o que deve piorar com a
ansiedade do reencontro com os pais e um pouco mais com a ausência dela.
Bo percebeu que Caetano não estava surpreso com a informação.
– Sabia dos pesadelos? - Perguntou já irritado pelo chefe ter omitido
essa informação.
Desde o resgate de Alicia a equipe estava acampando do lado de fora da
casa.
Ao perceber o quanto arredia a moça se sentia com a presença dos homens,
Ângela literalmente os expulsou da casa, o que explicava o mau humor de Javier.
Caetano respirou resignado, não era
somente com a moça que estava preocupado. A reação protetora e passional de Bo
havia ligado todos os seus alarmes internos.
- Porque acha que foi escolhido para
estar aqui? Você, além da Janis, é a única pessoa que ela tolera por perto. Não
vou mentir cara, eu teria escalado o garoto mangá para essa tarefa se não fosse
por isso. - Disse, se referindo ao apelido dado por Javier a Henrique, que era
o mais jovem do grupo.
A maneira como Bo olhou para ele demonstrava que ele só deixaria isso acontecer
se estivesse morto.
**********************
No banheiro da suíte que ocupava na casa,
que todos se referiam como santuário, Alicia contemplava seu próprio reflexo no
espelho. Tentava reconhecer a mulher que a olhava de volta. Apesar das melhorias
promovidas pela enfermeira Janis e seu insólito “dia de meninas”, descobriu-se
mirando as feições e os olhos de uma estranha.
Há menos de um ano, era uma jovem com
sonhos e fome de viver, como qualquer outra garota de dezenove anos. Hoje,
sentia-se muito, muito mais velha...
Tocou o espelho como se tocasse o rosto de uma desconhecida, que o vidro
teimava em refletir, aceitando a maturidade que lhe havia chego a custo do
sofrimento.
Pela primeira vez desde seu resgate, fez uma prece agradecendo a Deus por
ter sobrevivido.
Sentiu o peito mais leve, ao pensar que
no dia seguinte, estaria com sua família.
Até
onde ela sabia, não existia melhor lugar para curar feridas, que no aconchego
daqueles a quem amava.
Somente seus pais foram autorizados a entra no santuário. Seus irmãos,
cunhadas e sobrinhos a encontrariam em casa. Sentiu o coração aquecer ao lembrar-se
das notícias lindas que recebera. O sobrinho Miguel que era recém-nascido
quando foi sequestrada já estava andando e há dois meses nascera Sofia. Ela nem
chegou à saber que a cunhada estava grávida!
A expectativa do reencontro também trazia aquela indesejável sensação de
desconforto. Sabia que estava diferente, porém, ainda não conhecia a
profundidade dessas mudanças e a possibilidade de não mais se adaptar a família,
fazia seu coração apertar-se.
- Como dizem, seja o que Deus quiser. – Disse
para si mesma, incomodada pelo excessivo silêncio da casa, desde a partida as
pressas da enfermeira maluquinha.
Caminhou pelo quarto que estaria abandonando logo pela manhã e ao sentar
na cama e recostar-se sobre os travesseiros pensava no grupo tão impressionante,
quanto incomum, que a havia resgatado do inferno que fora seu cativeiro na
Colômbia.
Seus lábios se curvaram no ensaio de um
sorriso, ao pensar na inusitada escolha de nomes pelos quais eles chamavam uns
aos outros. Não era preciso ser um gênio das relações humanas para entender que
os nomes eram falsos. Afinal, que tipo de fenômeno cósmico, reuniria num grupo
de mercenários, homens que se chamavam de Elvis, Fred, Axel Hendrix, Mick,
Renato e uma enfermeira chamada Janis?
Se bem que Renato a havia confundido, até que na noite anterior, quando fora
levada até o subsolo da casa, que mais parecia o centro de comando da NASA,
para conversar com seus pais, através de vídeo conferência, ela e Hendrix, que
sempre a acompanhava, o surpreenderam cantarolando a musica faroeste caboclo e
tudo fez sentindo.
- Fui resgata por lendas do rock- disse
baixinho para si mesma se divertindo com a ironia, pois o único que lembrava o
seu homônimo, era o loiro alto, de feições nórdicas, que usava lenço na cabeça
e óculos escuros, que realmente faziam lembrar o vocalista da banda Guns N‘Roses,
porém, com muito mais músculos.
Aprendera a respeitar cada um, e diferente do que pensavam, não tinha
medo deles, somente não se sentia confortável em tê-los a sua volta.
Pensou em Janis e o sentimento de
gratidão tomou conta seu peito.
A jovem cheia de vida, que contagiava o ambiente com sua energia, foi
mais que uma enfermeira. Também fora ouvinte e psicóloga. Reconhecia que
sentiria falta dela, assim como sentiria falta do constante olhar carinhoso e
cheio de cuidado de Hendrix. Desde o
momento que ele entrou na jaula e a tirou do acampamento das Farc nunca vira
pena ou compaixão em seu olhar, enxergava respeito, extremo cuidado e carinho.
Sabia que era irracional sentir essa
proximidade com um homem, com o qual, mal trocara meia dúzia de palavras, mas,
depois de passar quase um ano sob o terror dos guerrilheiros colombianos, quem
poderia esperar que ela fosse racional? – Pensou e suspirou resignada.
Ainda pensando no quanto a presença do xará
do rei da guitarra, lhe era reconfortante adormeceu num sono agitado.
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