Capítulo
2
Bourregard caminhava pelos cômodos da
casa, revistando cada espaço, com o olhar treinado. Estava inquieto, tinha
aquela sensação de que algo não ia bem...
Já pedira para a equipe externa revisar a área duas vezes e se pedisse
uma terceira tinha uma vaga ideia de onde os caras o mandariam enfiar sua
cabeça.
Estava a caminho da cozinha para mais uma
revista, quando escutou o primeiro grito.
Era um som impregnado de dor e medo.
Correu em direção ao quarto principal e praguejou quando encontrou a
fechadura trancada por dentro. O som do choro desesperado aumentava na mesma
proporção das súplicas incompreensíveis que chegavam até ele através do cômodo.
Estava a meio caminho da sala em busca de uma das cópias das chaves da
casa, quando um baque surdo lhe tirou essa opção e sem pensar duas vezes
arrombou a porta.
O que viu fez seu peito encolher
dolorosamente.
A visão da moça caída no chão, o corpo na posição fetal com os braços
protegendo a cabeça. Chorando desesperadamente, ela tentava arrastar ainda mais
o corpo já pressionado contra parede, parecendo que desejava se fundir com a
mesma para fugir do sofrimento.
Compreendeu que no pesadelo era revivia o horror dos espancamentos que
havia sofrido.
- Me deixem sozinho com ela - Pediu sem
precisar virar a cabeça para saber que os caras da equipe estavam logo atrás
dele.
O som da porta sendo arrombada trouxera todos para o interior da casa.
- Agora!
Gritou ao perceber que ninguém
havia mexido um músculo.
- Ouviram o Hendrix, todos fora. –
Caetano deu a ordem, no tom de voz que fazia com que todos os homens o
obedecessem sem questionamento. – Cuide dela – ordenou.
O tom de ordem não enganou Bo. O outro homem estava tão preocupado com a
moça quanto ele.
Esperou que o último companheiro
estivesse do lado de fora para se aproximar.
Ajoelhou-se ao lado dela, que se matinha na mesma posição, ainda chorando
e foi quando conseguiu entender o que ela dizia. Estava implorando para que seu
agressor parasse e que tivesse misericórdia.
Sentiu a ira ferver em seu interior. Pela primeira vez, estava satisfeito
por ter tirado a vida de alguém. Naquele momento sentia-se grato por, junto com
o esquadrão, ter mandado os desgraçados que a machucaram ao inferno para
conversarem pessoalmente com o diabo.
Praguejou em pensamento e quando tentou
tocá-la, ela gritou aterrorizada.
Após várias tentativas de acordá-la, todas sem sucesso, sofrendo junto
com ela, em um gesto de puro desespero, levantou-a pelos ombros e a chacoalhou
com força.
– Acorda Alicia! – Gritou.
O par de enormes e confusos olhos verdes contemplaram os dele.
Sentiu um alívio tão grande, que o fez pensar, se a expressão chorar de
alívio, era de fato figurativa.
- Está segura moça. Foi só um sonho ruim, já passou tudo isso ficou pra
trás - Disse com uma voz suave, ao mesmo tempo em que, afrouxava a pressão de
seus dedos em seu ombro, até que a soltou.
Alicia demorou alguns segundos para se
situar.
Em um minuto estava sendo espancada na frente dos outros reféns, com os
demais guerrilheiros rindo, se deliciando com a demonstração de violência e
crueldade. No seguinte, estava olhando para os cuidadosos olhos de Hendrix.
Ela tentou respirar e o peito doeu.
Ainda dominada pelo terror jogou-se em seus braços e uma onda de conforto
a preencheu.
Olhou confusa para o ambiente a sua volta. Reconheceu o quarto, que agora
tinha uma porta quebrada, mas, ao contrário do que se podia pensar, acordar não
aliviava a dor.
Ainda se sentia tão sozinha, frágil...
Infeliz...
Sentia tanto frio...
- Não me solte - Suplicou e apertou-se
ainda mais contra o corpo quente e acolhedor.
- Não vou a lugar nenhum, moça. - Bo
(Hendrix), respondeu atordoado.
Ela estava toda envolvida nele, braços e pernas. Apertava tanto que era
difícil respirar, mas ele não ousava protestar, nem sequer do incômodo de estar
de joelhos. Pequenos tremores ainda sacudiam o corpo delicado e sentia a pele
gelada, através do fino tecido de algodão, do pijama que ela usava para dormir.
O perfume que o perseguira durante o dia,
agora o cercava em um invisível e impiedoso abraço.
Ela cheirava tão bem...
O aroma o fazia lembrar as chuvas de verão, que saciavam as folhas
sedentas e refrescavam a terra sufocada, pelo calor escaldante.
Seu corpo respondeu de forma feroz a
proximidade.
Na medida em que ela se acalmava e a temperatura do corpo se normalizava,
ele experimentou o inferno. Ter o corpo feminino envolto ao seu e mantê-la
afastada da sua tão exigente, quanto inoportuna ereção, era ao mesmo tempo o
pior dos castigos e a mais doce das torturas.
Deliciada com o calor que emanava do
corpo de Hendrix, Alicia suspirou, sentindo pela primeira vez, em um longo
tempo, uma sensação semelhante à paz. Olhou novamente em direção da porta
quebrada e sentiu uma ligação emocional com o quarto que a acolhera, pois
apesar das feridas externas terem cicatrizado, sua alma estava tão quebrada e
frágil, quanto à porta agora se encontrava.
Não queria se sentir assim...
Desejava com desespero sentir-se inteira. Queria sentir a energia
vibrante da vida em cada célula de seu corpo. Odiava essa fragilidade débil! Queria,
nem que fosse por uma noite, deixar para trás, todo o terror pelo qual havia
passado e experimentar novamente a alegria despreocupada de viver.
Cansada de tanto pensar, coisa que fazia
muito nos últimos tempos, permitiu aconchegar-se ainda mais ao quente e reconfortante
corpo que a segurava.
Sentiu o quão tenso ele ficou ao tentar evitar seu lânguido movimento,
mas já era tarde...
A cada suspiro involuntário da moça, sentia-se
mais próximo do caldeirão do inferno.
Quando inadvertidamente, ela moveu o corpo, para aparentemente mudar de
posição em seus braços, não conseguiu ser rápido o bastante... Agora ela olhava
para ele com um misto de choque e surpresa.
Bourregard já preparava mentalmente o pedido de desculpas quando o
impensável aconteceu.
Os olhos verdes, que haviam ficado ainda
mais escuros, o miravam em uma tentadora mistura de curiosidade e excitação,
que lhe roubou o ar. Quando pensou que a situação não podia ficar pior, ela se
mexeu para deixar o rosto na mesma altura do seu! Teve que exercer todo o seu
controle para não gemer.
- Moça...
Sussurrou rouco e ofegante.
Falhou miseravelmente em sua tentativa de adverti-la sobre o quão
perigoso era aquele caminho para ambos. Estavam tão próximos, que ele sentia o
hálito mentolado, do creme dental que ela havia usado antes de dormir. Enxergava
as discretas e quase imperceptíveis sardas que ela tinha em volta do nariz.
- Me faça esquecer.
O pedido saiu numa voz rouca que ela desconhecia.
- Só por hoje, por essa noite, me faça esquecer.
Ela não sentia vergonha ou timidez. A necessidade de se sentir viva
sobrepujava quaisquer inibições, que poderiam tê-la intimidado. De repente
sentia uma necessidade tão grande de ser beijada e acariciada por aquele homem,
que chegava a doer.
- Alicia.
Bouregard sussurrou perdido, compreendendo enfim o porquê de Adão
sucumbir à serpente, pois naquele momento, mesmo sabendo o quão errado seria
tocá-la, não conseguiu resistir à tentação de experimentar um pedaço do paraíso.
Quando os lábios fortes tocaram os seus, numa
carícia lenta e exploradora, ela deixou de pensar e se entregou as sensações. Podia
jurar que seu sangue corria mais rápido em suas veias e seu o coração trovejava
tão forte que tinha a impressão que Hendrix podia ouvi-lo.
O beijo carregado de persuasiva sedução foi sucedido por outro, e mais
outro e mais outro...
Bourregard explorava a deliciosa boca de
Alicia sem pressa.
Provando, provocando e saboreando pela primeira vez na vida o gosto do
céu. Seu corpo respondia ao dela com força e intensidade até então
desconhecidas para ele.
Sem deixar de beijá-la, os levou para a cama e a manteve sentada sobre o
seu colo. Apesar de todo o seu ser gritar pelo dela, seria suave e gentil. Daria
à moça o que ela havia pedido. Uma noite para esquecer e que Deus o ajudasse
depois disso.
- Alicia! - Murmurou.
Os lábios percorreram o pescoço esguio e
delicado.
Ela
respirou fundo, deliciada.
Quando os olhos se encontram, a visão dos dela com pálpebras pesadas pelo
desejo fez o ego masculino rugir em seu interior. Percorreu com o olhar faminto
o corpo feminino, vestido num ridículo pijama de bolinhas vermelhas, com uma
enorme estampa da Minnie. Que os anjos tivessem piedade dele, porque naquele
momento, acreditava nunca ter visto uma mulher tão sexy, como a que estava em
seu colo.
Quando a despiu da camisa do pijama, sentiu
o corpo delicado ficar tenso.
Alicia não recuou, mas estava visivelmente desconfortável.
- Sei que não sou bonita, meu corpo tem
muitas cicatrizes...
Ele a interrompeu com outro beijo arrasador.
- Você é linda moça.
Tocou os cabelos ondulados da cor de mel, que estavam um desastre quando
ela foi resgatada, e que Angie havia cortado um pouco acima dos ombros.
Percorreu com os dedos o rosto delicado e o contraste da pele dele, negra, com
a dela, o deixou fascinado. Apesar de ainda trazer as marcas do que sofreu no
cativeiro, a pele continuava tão clara, como a pétala mais frágil, de um botão
de rosa branca. Pegou uma das mãos que estavam em seu peito, beijou a palma, em
seguida, os lábios tocaram a cicatriz do pulso, que ela levaria para o resto da
vida.
- Cada marca, cada cicatriz só faz aumentar sua beleza e o homem que não
enxergar isto não merece que perca seu tempo com ele.
O peito dele se encheu de orgulho e posse
quando ela corajosamente se desfez do sutiã.
A visão dos seios cheios com delicados e excitados mamilos rosados, quase
lhe roubou o controle. Os restos das roupas de ambos seguiram o mesmo destino
da peça. O preservativo que estava em sua carteira por puro hábito, já que não
saía com uma mulher há meses, foi resgatado e jogado em cima da cama, em um último
resquício de razão que sobrava dentro dele.
Alicia desejou que aquela parte da noite
nunca acabasse.
Sentia o mundo, o passado e o futuro agora esquecidos, para ela só o
presente existia. Em cada toque ele era extremamente carinhoso, terno, suave, a
fazia sentir-se desejada e cuidada ao mesmo tempo.
E não era apenas ela que estava no limite
do controle. O corpo dele respondia com intensidade as tímidas carícias dela. Sem
medos ou remorsos, uniram seus corpos, com ela sentada em seu colo, olhando nos
olhos um do outro. Bourregard soube que naquele exato momento que a moça que
lhe tinha pedido uma noite para esquecer, tinha lhe roubado a alma.
A intensidade do êxtase a pegou
despreparada e ela se perdeu em uma miríade de sensações enquanto seu corpo era
sacudido por tremores incontroláveis.
Nada do que ele havia vivido antes,
chegava aos pés da força do orgasmo que acabara de experimentar. Nunca passaria
pela sua cabeça, que ato sexual pudesse ser tão... Poderoso foi a palavra mais
próxima, que encontrou para descrever o que sentia naquele momento.
Permaneceram abraçados, dando boas vindas
ao acolhedor silêncio, enquanto os corpos se recuperavam lentamente da
arrebatadora e inadvertida paixão compartilhada.
- Qual a sua idade Hendrix? - Alicia fez
a pergunta com a cabeça ainda apoiada no ombro dele.
Sentia um explicável desejo de se abrir, de confessar seus medos e
revelar suas esperanças.
Bo demorou uns instantes para responder.
O som delicado da voz dela o pegara tão desprevenido quanto o amargo sabor de
ouvir o nome que usava naquela missão.
- Vinte e seis. - Respondeu ainda abalado
pelo que acontecera entre eles e por já desejá-la novamente.
- Eu fiz vinte, há três meses.
Ela respirou e de repente não conseguiu parar de falar.
- Eles me espancaram nesse dia, por eu ter tentado fugir.
Bo a deixou desabafar. Ele e o esquadrão
sabiam que ela havia tentado fugir várias vezes e em cada uma delas, foi
espancada quando recapturada.
– Realmente acreditei que eu não viveria
o suficiente...
Não conseguiu terminar a frase.
Bo permaneceu em silêncio reconhecendo que
ela precisava expurgar parte do que havia sofrido em tantos meses de cativeiro.
- Hoje me olhei no espelho e me senti tão
mais velha... Sinto que não posso voltar atrás, não consigo... Meus pais...
O encarou.
- Eles esperam reencontrar a filha que perderam há quase um ano e não sei
se consigo ser ela novamente, entende? - Fez a pergunta olhando dentro dos
olhos dele.
Bo engoliu em seco, preferia que ela
tivesse mantido a cabeça em seu ombro. Olhar para aqueles olhos tão verdes, como
a cor do coração da mata que cercava a casa, o fez desejar a ter conhecido em
outro lugar, em um outro momento, sob condições bem diferentes das que se
encontravam.
- Não vou mentir moça.
Disse acariciando os cabelos dela
- Este recomeço não será fácil, a readaptação parecerá o inferno em
alguns momentos, mas você já demonstrou que é forte e a vida vai te dar novas
lembranças que você guardará aqui. Tocou na cabeça dela. – E aqui. - Indicou
seu coração. – Aos poucos você deixará tudo de horrível que te aconteceu para trás.
Olhava
para ela, demonstrando sem pudor, o quanto desejava tê-la novamente, mas o
bocejo incontrolável de Alicia o fez praguejar por sua insensibilidade. A moça
ainda estava debilitada e a única coisa em que pensava era em deitá-la, cobrir
o corpo esguio com o seu e permanecer dentro dela até o amanhecer?
- Desculpe. - Disse constrangida e o tom
rosado na pele alva o fez sorrir.
- Precisa descansar, amanhã será um dia
longo.
Sentiu como se um buraco fosse aberto em seu peito, ao recordar, que no
dia seguinte ela sairia de sua vida. O som de um leve ressonar o trouxe a
realidade: a moça adormeça quase que instantaneamente em seus braços.
Bourregard deixou Alicia adormecida e seguiu para seu quarto. Tomou uma
ducha rápida e querendo evitar que a equipe descobrisse o que havia se passado
no interior da casa, optou por vestir a mesma roupa. Amaldiçoou sua estupidez
ao recolocar a porta danificada no lugar e com a chave de fenda em mãos fixou a
dobradiça solta. A fechadura teria de esperar.
Respirou fundo, ainda profundamente
abalado.
Em nenhum momento, enquanto a tinha em seus braços, recordara que não
tinham privacidade. Agradeceu aos céus o fato das escutas e câmeras de
vigilância cobrirem somente as áreas comuns da casa, pois tinha certeza de que
se fosse ao contrário, tampouco teria parado.
A moça o havia deixado cego, o tinha tirado do prumo, baixara a guarda
pela primeira vez e sequer se arrependia.
Estou ferrado, pensou.
Checou mais uma vez a
segurança da casa. O pensamento nunca abandonando a mulher que dormia profundamente
na suíte principal. Queria voltar àquele quarto e fazê-la sua novamente.
Inquieto optou por respirar um ar que não estivesse impregnado pelo perfume
dela e seguiu para a varanda.
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