sábado, 24 de maio de 2014

SÉRIE SANTUÁRIO 02 - OUTRA VEZ VOCÊ - Capítulo 02



Capítulo 2

       Bourregard caminhava pelos cômodos da casa, revistando cada espaço, com o olhar treinado. Estava inquieto, tinha aquela sensação de que algo não ia bem...
Já pedira para a equipe externa revisar a área duas vezes e se pedisse uma terceira tinha uma vaga ideia de onde os caras o mandariam enfiar sua cabeça.
       Estava a caminho da cozinha para mais uma revista, quando escutou o primeiro grito.
Era um som impregnado de dor e medo.
Correu em direção ao quarto principal e praguejou quando encontrou a fechadura trancada por dentro. O som do choro desesperado aumentava na mesma proporção das súplicas incompreensíveis que chegavam até ele através do cômodo.
Estava a meio caminho da sala em busca de uma das cópias das chaves da casa, quando um baque surdo lhe tirou essa opção e sem pensar duas vezes arrombou a porta. 
       O que viu fez seu peito encolher dolorosamente.
A visão da moça caída no chão, o corpo na posição fetal com os braços protegendo a cabeça. Chorando desesperadamente, ela tentava arrastar ainda mais o corpo já pressionado contra parede, parecendo que desejava se fundir com a mesma para fugir do sofrimento.
Compreendeu que no pesadelo era revivia o horror dos espancamentos que havia sofrido.
       - Me deixem sozinho com ela - Pediu sem precisar virar a cabeça para saber que os caras da equipe estavam logo atrás dele.
O som da porta sendo arrombada trouxera todos para o interior da casa.
- Agora!
 Gritou ao perceber que ninguém havia mexido um músculo.
       - Ouviram o Hendrix, todos fora. – Caetano deu a ordem, no tom de voz que fazia com que todos os homens o obedecessem sem questionamento. – Cuide dela – ordenou.
O tom de ordem não enganou Bo. O outro homem estava tão preocupado com a moça quanto ele.
       Esperou que o último companheiro estivesse do lado de fora para se aproximar.
Ajoelhou-se ao lado dela, que se matinha na mesma posição, ainda chorando e foi quando conseguiu entender o que ela dizia. Estava implorando para que seu agressor parasse e que tivesse misericórdia. 
Sentiu a ira ferver em seu interior. Pela primeira vez, estava satisfeito por ter tirado a vida de alguém. Naquele momento sentia-se grato por, junto com o esquadrão, ter mandado os desgraçados que a machucaram ao inferno para conversarem pessoalmente com o diabo.
       Praguejou em pensamento e quando tentou tocá-la, ela gritou aterrorizada.
Após várias tentativas de acordá-la, todas sem sucesso, sofrendo junto com ela, em um gesto de puro desespero, levantou-a pelos ombros e a chacoalhou com força.
       – Acorda Alicia! – Gritou.
O par de enormes e confusos olhos verdes contemplaram os dele.
Sentiu um alívio tão grande, que o fez pensar, se a expressão chorar de alívio, era de fato figurativa.
- Está segura moça. Foi só um sonho ruim, já passou tudo isso ficou pra trás - Disse com uma voz suave, ao mesmo tempo em que, afrouxava a pressão de seus dedos em seu ombro, até que a soltou.
       Alicia demorou alguns segundos para se situar.
Em um minuto estava sendo espancada na frente dos outros reféns, com os demais guerrilheiros rindo, se deliciando com a demonstração de violência e crueldade. No seguinte, estava olhando para os cuidadosos olhos de Hendrix.
       Ela tentou respirar e o peito doeu.
Ainda dominada pelo terror jogou-se em seus braços e uma onda de conforto a preencheu.
Olhou confusa para o ambiente a sua volta. Reconheceu o quarto, que agora tinha uma porta quebrada, mas, ao contrário do que se podia pensar, acordar não aliviava a dor.
Ainda se sentia tão sozinha, frágil...  
Infeliz...
Sentia tanto frio...
       - Não me solte - Suplicou e apertou-se ainda mais contra o corpo quente e acolhedor.
       - Não vou a lugar nenhum, moça. - Bo (Hendrix), respondeu atordoado.
Ela estava toda envolvida nele, braços e pernas. Apertava tanto que era difícil respirar, mas ele não ousava protestar, nem sequer do incômodo de estar de joelhos. Pequenos tremores ainda sacudiam o corpo delicado e sentia a pele gelada, através do fino tecido de algodão, do pijama que ela usava para dormir.
       O perfume que o perseguira durante o dia, agora o cercava em um invisível e impiedoso abraço.
Ela cheirava tão bem...
O aroma o fazia lembrar as chuvas de verão, que saciavam as folhas sedentas e refrescavam a terra sufocada, pelo calor escaldante.
       Seu corpo respondeu de forma feroz a proximidade.
Na medida em que ela se acalmava e a temperatura do corpo se normalizava, ele experimentou o inferno. Ter o corpo feminino envolto ao seu e mantê-la afastada da sua tão exigente, quanto inoportuna ereção, era ao mesmo tempo o pior dos castigos e a mais doce das torturas. 
       Deliciada com o calor que emanava do corpo de Hendrix, Alicia suspirou, sentindo pela primeira vez, em um longo tempo, uma sensação semelhante à paz. Olhou novamente em direção da porta quebrada e sentiu uma ligação emocional com o quarto que a acolhera, pois apesar das feridas externas terem cicatrizado, sua alma estava tão quebrada e frágil, quanto à porta agora se encontrava.
Não queria se sentir assim...
Desejava com desespero sentir-se inteira. Queria sentir a energia vibrante da vida em cada célula de seu corpo. Odiava essa fragilidade débil! Queria, nem que fosse por uma noite, deixar para trás, todo o terror pelo qual havia passado e experimentar novamente a alegria despreocupada de viver. 
       Cansada de tanto pensar, coisa que fazia muito nos últimos tempos, permitiu aconchegar-se ainda mais ao quente e reconfortante corpo que a segurava.
Sentiu o quão tenso ele ficou ao tentar evitar seu lânguido movimento, mas já era tarde...
       A cada suspiro involuntário da moça, sentia-se mais próximo do caldeirão do inferno.
Quando inadvertidamente, ela moveu o corpo, para aparentemente mudar de posição em seus braços, não conseguiu ser rápido o bastante... Agora ela olhava para ele com um misto de choque e surpresa. 
Bourregard já preparava mentalmente o pedido de desculpas quando o impensável aconteceu.
       Os olhos verdes, que haviam ficado ainda mais escuros, o miravam em uma tentadora mistura de curiosidade e excitação, que lhe roubou o ar. Quando pensou que a situação não podia ficar pior, ela se mexeu para deixar o rosto na mesma altura do seu! Teve que exercer todo o seu controle para não gemer.
       - Moça...
Sussurrou rouco e ofegante.
Falhou miseravelmente em sua tentativa de adverti-la sobre o quão perigoso era aquele caminho para ambos. Estavam tão próximos, que ele sentia o hálito mentolado, do creme dental que ela havia usado antes de dormir. Enxergava as discretas e quase imperceptíveis sardas que ela tinha em volta do nariz.
       - Me faça esquecer.
O pedido saiu numa voz rouca que ela desconhecia.
- Só por hoje, por essa noite, me faça esquecer.
Ela não sentia vergonha ou timidez. A necessidade de se sentir viva sobrepujava quaisquer inibições, que poderiam tê-la intimidado. De repente sentia uma necessidade tão grande de ser beijada e acariciada por aquele homem, que chegava a doer. 
       - Alicia.
Bouregard sussurrou perdido, compreendendo enfim o porquê de Adão sucumbir à serpente, pois naquele momento, mesmo sabendo o quão errado seria tocá-la, não conseguiu resistir à tentação de experimentar um pedaço do paraíso.
       Quando os lábios fortes tocaram os seus, numa carícia lenta e exploradora, ela deixou de pensar e se entregou as sensações. Podia jurar que seu sangue corria mais rápido em suas veias e seu o coração trovejava tão forte que tinha a impressão que Hendrix podia ouvi-lo.
O beijo carregado de persuasiva sedução foi sucedido por outro, e mais outro e mais outro...
       Bourregard explorava a deliciosa boca de Alicia sem pressa.
Provando, provocando e saboreando pela primeira vez na vida o gosto do céu. Seu corpo respondia ao dela com força e intensidade até então desconhecidas para ele.  
Sem deixar de beijá-la, os levou para a cama e a manteve sentada sobre o seu colo. Apesar de todo o seu ser gritar pelo dela, seria suave e gentil. Daria à moça o que ela havia pedido. Uma noite para esquecer e que Deus o ajudasse depois disso.
       - Alicia! - Murmurou.
       Os lábios percorreram o pescoço esguio e delicado.
       Ela respirou fundo, deliciada. 
Quando os olhos se encontram, a visão dos dela com pálpebras pesadas pelo desejo fez o ego masculino rugir em seu interior. Percorreu com o olhar faminto o corpo feminino, vestido num ridículo pijama de bolinhas vermelhas, com uma enorme estampa da Minnie. Que os anjos tivessem piedade dele, porque naquele momento, acreditava nunca ter visto uma mulher tão sexy, como a que estava em seu colo.
       Quando a despiu da camisa do pijama, sentiu o corpo delicado ficar tenso.
Alicia não recuou, mas estava visivelmente desconfortável.
       - Sei que não sou bonita, meu corpo tem muitas cicatrizes...
Ele a interrompeu com outro beijo arrasador.
       - Você é linda moça.
Tocou os cabelos ondulados da cor de mel, que estavam um desastre quando ela foi resgatada, e que Angie havia cortado um pouco acima dos ombros. Percorreu com os dedos o rosto delicado e o contraste da pele dele, negra, com a dela, o deixou fascinado. Apesar de ainda trazer as marcas do que sofreu no cativeiro, a pele continuava tão clara, como a pétala mais frágil, de um botão de rosa branca. Pegou uma das mãos que estavam em seu peito, beijou a palma, em seguida, os lábios tocaram a cicatriz do pulso, que ela levaria para o resto da vida.
- Cada marca, cada cicatriz só faz aumentar sua beleza e o homem que não enxergar isto não merece que perca seu tempo com ele.
       O peito dele se encheu de orgulho e posse quando ela corajosamente se desfez do sutiã.
A visão dos seios cheios com delicados e excitados mamilos rosados, quase lhe roubou o controle. Os restos das roupas de ambos seguiram o mesmo destino da peça. O preservativo que estava em sua carteira por puro hábito, já que não saía com uma mulher há meses, foi resgatado e jogado em cima da cama, em um último resquício de razão que sobrava dentro dele.
       Alicia desejou que aquela parte da noite nunca acabasse.
Sentia o mundo, o passado e o futuro agora esquecidos, para ela só o presente existia. Em cada toque ele era extremamente carinhoso, terno, suave, a fazia sentir-se desejada e cuidada ao mesmo tempo.
       E não era apenas ela que estava no limite do controle. O corpo dele respondia com intensidade as tímidas carícias dela. Sem medos ou remorsos, uniram seus corpos, com ela sentada em seu colo, olhando nos olhos um do outro. Bourregard soube que naquele exato momento que a moça que lhe tinha pedido uma noite para esquecer, tinha lhe roubado a alma.
       A intensidade do êxtase a pegou despreparada e ela se perdeu em uma miríade de sensações enquanto seu corpo era sacudido por tremores incontroláveis.
       Nada do que ele havia vivido antes, chegava aos pés da força do orgasmo que acabara de experimentar. Nunca passaria pela sua cabeça, que ato sexual pudesse ser tão... Poderoso foi a palavra mais próxima, que encontrou para descrever o que sentia naquele momento.
       Permaneceram abraçados, dando boas vindas ao acolhedor silêncio, enquanto os corpos se recuperavam lentamente da arrebatadora e inadvertida paixão compartilhada.
       - Qual a sua idade Hendrix? - Alicia fez a pergunta com a cabeça ainda apoiada no ombro dele.
Sentia um explicável desejo de se abrir, de confessar seus medos e revelar suas esperanças.
       Bo demorou uns instantes para responder. O som delicado da voz dela o pegara tão desprevenido quanto o amargo sabor de ouvir o nome que usava naquela missão.
       - Vinte e seis. - Respondeu ainda abalado pelo que acontecera entre eles e por já desejá-la novamente.
       - Eu fiz vinte, há três meses.
Ela respirou e de repente não conseguiu parar de falar.
- Eles me espancaram nesse dia, por eu ter tentado fugir.
       Bo a deixou desabafar. Ele e o esquadrão sabiam que ela havia tentado fugir várias vezes e em cada uma delas, foi espancada quando recapturada.
       – Realmente acreditei que eu não viveria o suficiente...
Não conseguiu terminar a frase.
       Bo permaneceu em silêncio reconhecendo que ela precisava expurgar parte do que havia sofrido em tantos meses de cativeiro.
       - Hoje me olhei no espelho e me senti tão mais velha... Sinto que não posso voltar atrás, não consigo... Meus pais...  
O encarou.
- Eles esperam reencontrar a filha que perderam há quase um ano e não sei se consigo ser ela novamente, entende? - Fez a pergunta olhando dentro dos olhos dele.
       Bo engoliu em seco, preferia que ela tivesse mantido a cabeça em seu ombro. Olhar para aqueles olhos tão verdes, como a cor do coração da mata que cercava a casa, o fez desejar a ter conhecido em outro lugar, em um outro momento, sob condições bem diferentes das que se encontravam.
       - Não vou mentir moça.
Disse acariciando os cabelos dela
- Este recomeço não será fácil, a readaptação parecerá o inferno em alguns momentos, mas você já demonstrou que é forte e a vida vai te dar novas lembranças que você guardará aqui. Tocou na cabeça dela. – E aqui. - Indicou seu coração. – Aos poucos você deixará tudo de horrível que te aconteceu para trás.
        Olhava para ela, demonstrando sem pudor, o quanto desejava tê-la novamente, mas o bocejo incontrolável de Alicia o fez praguejar por sua insensibilidade. A moça ainda estava debilitada e a única coisa em que pensava era em deitá-la, cobrir o corpo esguio com o seu e permanecer dentro dela até o amanhecer?
       - Desculpe. - Disse constrangida e o tom rosado na pele alva o fez sorrir.
       - Precisa descansar, amanhã será um dia longo.
Sentiu como se um buraco fosse aberto em seu peito, ao recordar, que no dia seguinte ela sairia de sua vida. O som de um leve ressonar o trouxe a realidade: a moça adormeça quase que instantaneamente em seus braços.
Bourregard deixou Alicia adormecida e seguiu para seu quarto. Tomou uma ducha rápida e querendo evitar que a equipe descobrisse o que havia se passado no interior da casa, optou por vestir a mesma roupa. Amaldiçoou sua estupidez ao recolocar a porta danificada no lugar e com a chave de fenda em mãos fixou a dobradiça solta. A fechadura teria de esperar.
       Respirou fundo, ainda profundamente abalado.
Em nenhum momento, enquanto a tinha em seus braços, recordara que não tinham privacidade. Agradeceu aos céus o fato das escutas e câmeras de vigilância cobrirem somente as áreas comuns da casa, pois tinha certeza de que se fosse ao contrário, tampouco teria parado.
A moça o havia deixado cego, o tinha tirado do prumo, baixara a guarda pela primeira vez e sequer se arrependia.
Estou ferrado, pensou.
           Checou mais uma vez a segurança da casa. O pensamento nunca abandonando a mulher que dormia profundamente na suíte principal. Queria voltar àquele quarto e fazê-la sua novamente. Inquieto optou por respirar um ar que não estivesse impregnado pelo perfume dela e seguiu para a varanda.


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