domingo, 31 de agosto de 2014

MEU DESTINO É VOCÊ - Capítulo 04

Capítulo 4 – Desencontros
Oito dias mais tarde.
A chuva incessante caía desde as primeiras horas da manhã, amenizando o intenso calor fora de época naquele início de outono. Guarda-chuvas e capas de todas as cores e formas, davam um novo colorido às ruas da cidade.
Após horas de chuva intensa, no início da noite, a metrópole apresentava os sinais urbanos do crescimento desordenado. Diversos pontos de alagamentos, congestionamentos em diversas avenidas da cidade, transporte coletivo interrompido e milhares de trabalhadores impedidos de voltar às suas casas.
- Isso só pode ser brincadeira!
Theo resmungou, no interior da pick-up que usava para o trabalho, ao se deparar com o quinto ponto de alagamento em menos de quarenta minutos.
- Merda! Xingou  irritado.
Fez o retorno e seguiu em direção da única opção que restava de via de acesso ao seu destino. Poderia arriscar entrar com o utilitário nas ruas alagadas, o perigo porém, seriam os buracos e bueiros abertos e encobertos pela água.
Praguejou mais uma vez ao pensar na intensidade da chuva.
Se continuasse a cair água daquele jeito durante a noite toda, o trabalho que ele e a equipe realizaram durante o dia seria jogado pela janela.
- Caralho! - Xingou mais uma vez ao encontrar sua última opção debaixo d’água. A situação parecia ainda pior que nas outras avenidas.
Mais uma vez, ele estava sem sorte.
Nos últimos oito dias, esse era o quinto encontro que marcava com a musicista, para entregar a carta convite da Sinfônica de Londres.
Pela quinta vez, não conseguiam chegar ao local marcado.
Oito dias antes, ele esteve no conservatório de música mais tradicional da cidade, local onde a professora Eva Martins ministrava aulas de violoncelo, violino e piano. Sua missão, entregar, em mãos, o documento resgatado por sua irmã.  Mas ao contrário do informado à Sarah, a professora não dava aulas no período da tarde e sim pela manhã. Quando chegou ao lugar, fazia menos de dez minutos que a musicista deixara o local.
A recepcionista do lugar se negou a dar o número de telefone ou endereço da professora, afirmando que a política do estabelecimento prezava pelo bem-estar e segurança dos funcionários.
- Como se um psicopata fosse pedir o endereço ou telefone de alguém em seu local de trabalho! – resmungou no interior da  pick-up com a recordação.
Após muito argumentar, a mulher concordou em entregar um bilhete, que ele escreveu à mão.  No texto explicou estar de posse da carta e pediu a musicista para entrar em contato.
No dia seguinte, pela manhã, recebeu cinco mensagens seguidas em seu aparelho celular. Nos dois primeiros, Eva Martins se identificava e demonstrava o alívio e gratidão pela correspondência localizada. Na terceira mensagem, ela explicava que estava afônica, perdera a voz e essa era a razão das mensagens de texto. As seguintes eram negociando a entrega do documento.
Todas as mensagens tinham um toque de humor, com imagens ora divertidas, ora irônicas. Ela ria de seu próprio infortúnio e ele respeitava alguém que conseguia manter o bom humor em uma situação crítica.
Theo simpatizou com a mulher logo nas primeiras mensagens.
Marcaram um encontro no conservatório no dia seguinte pela manhã, porém uma emergência no trabalho, o deixou com o dia inteiro comprometido.
Na tarde seguinte, foi a musicista que teve um problema.
A mulher também dava aulas em uma fundação sediada em uma comunidade carente. Pelo que ele pode compreender pelas mensagens recebidas e por reportagens na TV, traficantes fecharam a comunidade por vinte e quatro horas. Empregados de escolas, creches, posto de saúde, assim como outras pessoas que trabalhavam no bairro, foram impedidos de deixar a comunidade.
Ela e todos os funcionários da fundação pernoitaram no prédio da instituição. O incidente não a fez desistir do trabalho, o que o fez nutrir um profundo respeito pelos ideais e coragem dessa mulher.  
Há dois dias, seu sobrinho foi parar no hospital com suspeita de infecção intestinal. Sentiu o peito encolher, ao recordar o quão indefeso o garotinho parecia naquele quarto hospitalar, com as agulhas do soro e medicação ferindo a pele infantil. O rapazinho se comportou como um homem, tranquilizando a mãe que não conseguiu disfarçar seu desespero.
- Graças a Deus, tudo não passou de um susto – sussurrou para si mesmo.
Sorriu ao recordar de sua expressão de desagrado, quando propôs à Eva que se encontrassem no dia anterior e recebeu o torpedo no qual ela pedia desculpas por ter um compromisso em Minas Gerais. Uma apresentação, pelo que ele entendeu.
Sendo muito sincero, ficara mais frustrado que contrariado. Estava curioso para enfim conhecer a bem humorada, talentosa e pelo que notara, batalhadora Eva Martins. Imaginava-a com a idade e aparência similares a de sua irmã. Eva parecia tão determinada quanto Sarah.
Não estava atraído por ela. Até porque, a imagem de uma mulher de pele cor de chocolate e olhos da cor de whisky continuavam a invadir seus sonhos e pensamentos. Mas sentira uma empatia com a violoncelista desde a primeira mensagem recebida.
E era por esse motivo, que a chuva e os pontos de alagamentos, infelizmente comuns em situações como aquela, roubaram seu humor àquela noite. Após tantas conversas divertidas por SMS, e imprevistos, ele e a musicista decidiram enfim se encontrarem pessoalmente em um jantar informal. Combinaram um menu com a cara de São Paulo, ou seja, pizza.
Mais uma vez se perguntou qual seria a aparência dela. As mensagens de texto eram de um português impecável e elegante, o que para ele denunciava a sua idade e formação acadêmica. A musicista conseguira uma posição de destaque internacional em um país conservador. Esse tipo de conquista somente se consegue após longos e árduos anos de trabalho, aliado ao talento.
Eva deveria ter uns dez anos a mais que sua irmã, ponderou, reconsiderando a idade da professora de música.
Já pensara em pesquisar sobre ela na Internet, mas nos últimos dias chegara à sua casa tão cansado, que somente respondera os e-mails profissionais e nada mais.
Tentava encontrar uma alternativa, para chegar a seu encontro, quando o toque do celular anunciou a chegada de mais uma mensagem de texto. Antes mesmo de ler, ele sorriu, ao identificar o número de Eva Martins no aparelho.
Leu a mensagem e respirou fundo desanimado. Ele não era o único preso pelo alagamento. Ela estava presa no metrô. Os vagões pararam de funcionar por conta da forte chuva. Dizia que a informação era de que algumas galerias também estavam alagadas.
Ele ficou sinceramente preocupado, pois em temporais como aquele, era comum a queda de energia em locais públicos, mesmo os que contavam com geradores de emergência como era o caso do Metrô de São Paulo. Respondeu a mensagem perguntando em qual estação ela estava, pois tentaria chegar até lá com a píck-up.
Eva respondeu alguns segundos depois. Dizia para ele não se preocupar com ela e sim com a carta, pois estava em cima do prazo para confirmar o aceite à Sinfônica.
- Droga de mulher teimosa – resmungou ao constatar que ela não informara em qual estação estava.
Ele enviou mais uma mensagem, perguntando onde ela estava.
O toque do celular ecoou minutos depois, anunciando a chegada de mais uma mensagem.
“E arriscar a matar o cavalo branco afogado?” Ela perguntava. Abaixo da frase estava o desenho de um nobre, com o cavalo branco atolado em uma poça de lama.
Theo riu alto ao identificar imediatamente a indireta recebida.
Trocaram mais algumas mensagens buscando alternativas para o problema.
Eva sugeriu receber o documento por e-mail, o que não o agradava em nada. Aquele era um documento para ser entregue em mãos, sem riscos de extravios ou ser danificado por vírus de computador.
Após mais algumas mensagens, ele cedeu e informou que poderia digitalizar o documento em sua casa mesmo e enviar para ela, dentro de alguns minutos.
Momentos depois, recebeu a mensagem na qual Eva informava seu e-mail.
Ele arquivou a informação em uma das pastas de seu celular e seguiu para casa.
Ao virar a pick-up na rua onde morava, avistou um veículo familiar parado em frente a sua casa.
Bas e sua inconfundível Pajero negra.
- Está perdido? – Saudou Sebastian que se protegia da chuva dentro de seu utilitário preto.
- Alagado seria uma melhor definição – Bas gritou de dentro do carro. – Minha rua está debaixo d´água. A porra da garagem subterrânea esta alagada.
Theo fez um careta de desagrado ao imaginar o prejuízo dos moradores e  então recordou da moto monstro de Sebastian. O veículo conceito, feito por encomenda era a menina dos olhos do homem com cara de poucos amigos.
- Não pergunta sobre a moto – Bas grunhiu.
Theo fez um sinal para que o amigo o seguisse e abriu o portão de acesso a garagem.
- Eu trouxe o jantar – Bas anunciou carregado com duas caixas de pizza e meia dúzia de cervejas, ao entrar na casa.
- Isso ainda vai te matar – Theo ironizou ao ver as duas caixas de pizza. Divertido por constatar, que pelo menos o menu escolhido para noite seria mantido.
- Isso é uma iguaria italiana – Bas resmungou indo em direção à cozinha.
Theo seguiu para o escritório, determinado a cumprir sua missão antes do jantar.
Minutos depois, enviou o documento para o e-mail informado por Eva e mandou uma mensagem de texto informando o envio.
Esperou alguns minutos por uma resposta que não veio.
Meia hora mais tarde, Bas entrou no escritório com a forma de pizza e duas cervejas e encontrou Theo teclando uma nova mensagem de texto.
- Algum problema? – perguntou ao depositar a forma com a pizza fumegante sobe a mesa do escritório e estender uma garrafa em direção ao amigo.
Theo pegou a garrafa oferecida e em rápidas palavras explicou o que estava acontecendo.
- Cara, se não sabemos em qual estação ela está, só nos resta esperar – ponderou, ocultando sua própria preocupação, com uma mulher que conhecia somente através dos comentários do amigo.
- Ela nunca demorou tanto para responder – Theo comentou, consultando a tela do celular.
- Percebe que fala dela como se a conhecesse há anos? – Bas provocou para quebrar a tensão. – Isso é tão estranho quanto sua fixação pela tal mulher misteriosa do metrô.
- Vá à merda! – Theo ralhou tomando um gole de cerveja.
- Já estou nela meu amigo – Bas comentou indiferente ao sentar em umas das poltronas do escritório.
Theo sorriu solidário ao entender sobre qual assunto o amigo se referia. A moto fora somente a cereja do bolo. O cara estava um desastre e tudo porque deixou seu pau pensar por ele. Uma mulher, por mais gostosa que fosse, não merecia a sanidade de um cara, pensou, distraído por um momento, da mulher que não respondia as suas mensagens de texto.
- Ás merdas nossas de cada dia! – Theo disse ao erguer a garrafa de cerveja em um brinde à amizade que os unia desde a adolescência.
- Às merdas! – Bas respondeu e tomou mais um gole da sua garrafa.
No decorrer das horas seguintes, Theo enviou mais três mensagens e não recebeu nenhuma resposta.
Ele esperou no escritório, tendo a companhia de Bas.
Comeram as pizzas, beberam as cervejas, assistiram TV e por fim, decidiram jogar uma partida de xadrez, que era interrompida a cada dez minutos, para Theo conferir seus e-mails e mensagens recebidas no celular.
Às três e quinze da madrugada, o som de alerta de recebimento de e-mail tocou.
Theo abandonou o jogo de xadrez para checar o e-mail recebido e respirou aliviado ao enxergar o nome de Eva em sua caixa de entrada.
Ao ler o conteúdo do email descobriu o porquê ela não respondera suas mensagens de texto. Do jeito único de narrar os fatos, ela contava ter sido assaltada ainda quando estava na estação do metrô. De uma maneira hilária contou como negociou com o bandido para deixá-la com os documentos.  E como após chegar ao prédio, pediu ajuda ao porteiro da noite, para arrombar seu próprio apartamento, uma vez que as chaves estavam na bolsa roubada. O elegante e bem humorado texto, ganhou um tom de despedida, quando ela agradeceu o empenho, compreensão, gentileza e paciência que ele tivera com ela nos últimos dias.
Terminou a leitura com uma inexplicável sensação de perda em seu peito. Habituara-se a receber os textos inteligentes e bem humorados da musicista que partia para fazer história. Respondeu o e-mail, desejando a ela todo o sucesso do mundo e clicou em enviar.
- Adeus Eva Martins – lamentou em voz alta, esquecido da presença de Bas.
Ainda lamentava os inúmeros imprevistos que impediram que conhecesse pessoalmente, uma pessoa tão interessante e brilhante quanto ela, quando uma nova garrafa de cerveja foi colocada à sua frente.
- À Eva Martins e sua incrível carreira! – Dessa vez foi Bas a fazer o brinde.
- À Eva Martins! – Theo respondeu e tomou um gole da cerveja. 
********
Após um longo e terapêutico banho e com uma xícara de chocolate quente em suas mãos, Eva contemplava, através da janela de seu quarto,  a chuva que continuava a cair incessantemente. A beleza melancólica de uma noite chuvosa, sempre a encantava.
Mesmo em uma noite turbulenta como aquela, na qual ficara presa em uma estação do metrô, fora  assaltada por um rapaz que não parecia ter mais de quatorze anos, enfrentara um chá de cadeira na delegacia para prestar queixa e  arrombara a porta do próprio apartamento.
Ao entrar no  apartamento, depois de arrombar a porta com a ajuda do porteiro da noite, os infortúnios pareciam terminados, pelo menos por aquela noite, pensou com ironia divertida, apesar do cansaço.
Sua primeira atitude ao entrar em casa, após agradecer ao funcionário do prédio, foi ligar o notebook. Quando enxergou o nome de Theo Santini em sua caixa de entrada, quase chorou de alívio. Antes  mesmo de tomar banho, ou providenciar algo para bloquear a porta danificada, entrou no site da Sinfônica e com os dados informados na carta digitalizada, confirmou o contrato de um ano. Antes do banho, mandou uma mensagem de agradecimento ao homem que salvara seu futuro.
Os lábios se curvaram num sorriso, ao recordar o alívio e gratidão que sentiu ao ler o bilhete deixado por ele no conservatório. O homem fora um verdadeiro anjo da guarda ao compreender a importância do documento.
O fato de estar totalmente sem voz até dois dias atrás, fora o ingrediente cômico de toda a comunição entre eles.
- O homem deve pensar que sou maluca – sussurrou divertida ao recordar de algumas mensagens trocadas.
Gostaria de tê-lo conhecido, ele parecia ser um homem bem humorado, trabalhador e ligado à família, pensou  ao recordar a emergência com o sobrinho.
Sem prévio aviso, ou ter sido solicitado, a imagem do homem de olhos cor do céu em uma tarde de verão irrompeu em sua mente.
Eva fechou os olhos e suspirou deliciada ao recordar a sensação arrebatadora que experimentou, quando os braços firmes, mesmo que por breves instantes, cercaram o seu corpo.
Quem era aquele homem? E o porquê dessa reação tão devastadora? Perguntou-se e mais uma vez, não encontrou uma resposta.
Ela suspirou e observou as gotas de chuva, escorrem por sua janela, criando desenhos intricados. Ao se virar para ir em direção à cama, seus olhos captaram o aviso de entrada de mensagem em sua caixa de e-mail.
Não era possível que Theo estivesse esperando sua mensagem de resposta, era?
Mais curiosa do que crédula, se aproximou do notebook.
- Oh meu Deus! – exclamou ao ler o nome dele em sua caixa de entrada.
Com um clique, abriu o e-mail e leu a mensagem.
No inicio ele meio que resmungava pelo que ele chamou de espírito audacioso dela, ao tentar negociar com um ladrão e por ter arrombado a própria porta. Salientava que teria sido mais seguro e sensato, ela ter ido para a casa de um amigo ou parente.
- E ouvir Laura resmungar com ela a noite toda? Jamais! – disse a si mesma, cativada pela preocupação dele.
As linhas seguintes eram de despedida, assim como foram as suas. Ele desejava a ela todo o sucesso do mundo e que essa temporada em Londres, rendesse muitos frutos. Terminou prometendo que um dia teria o privilégio de assistir a uma de suas apresentações.
- Adeus Theo Santini – Eva sussurrou para tela do computador. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário