domingo, 23 de novembro de 2014

Sr. G. - Capítulo 01


Patrícia Alencar Rochetty...

Aos 18 anos passei na maior Universidade Federal de São Paulo, em Administração de Empresas, e fui morar numa república, em São Paulo, pura linda e virgem.

Ser virgem, aos 19 anos, não foi uma opção, mas, sim, o que o passado decidiu, ao brindar-me com as maiores inseguranças e menores privilégios possíveis a uma adolescente.

Cresci gordinha e, de quebra, com uma pinta no rosto, numa cidade do interior do Rio Grande do Sul, Ajuricaba, com uma população de 15.000 pessoas, divididas em 335,3 Km².

Alguém pode imaginar uma cidade que, quando chove, vira um atoleiro, dificultando seu acesso? Só quem mora nela, ou, em uma igual sabe como é, os outros, não, né? Mas, foi assim que vivi, por todos os anos antes de chegar a São Paulo.

O número de garotos que circulavam pela cidade era menor do que possam imaginar. E aqueles mais populares eram disputados pelas mais belas garotas, enquanto que os mais ou menos bonitinhos pelas mais ou menos bonitinhas... sobravam para aquelas “menos providas” aqueles meninos como elas, isto é, praticamente “NADA”, pois eram somente os “tribufus” que ninguém queria!

Minha única opção foi crescer lendo livros de romance e sonhando com príncipes encantados. Aquele que, um dia, passaria pela cidade e ficaria apaixonado pela gata borralheira.

Tinha muitas amigas na escola, pois sempre fui à animada da galera, porque vivia fazendo piadas com a minha própria figura. Essa foi a forma que encontrei para não ser excluída do círculo “das amigas descoladas”, que eram as mais populares. Porém, era difícil ouvir as histórias que todas contavam a respeito da perda da virgindade. Algumas eram românticas, enquanto que outras, por sua vez, contavam que doía perder a bendita pelezinha.

Quando completei 16 anos, decidi arrumar um emprego e ajudar na renda familiar, já que meu irmão mais velho era um perfeito vagabundo, que vivia à custa dos meus pais, que trabalhavam, dia e noite, produzindo peças artesanais infantis para uma grande empresa do Rio Grande do Sul. As brigas em casa eram constantes e, para completar, o infeliz do meu irmão trocava os utensílios simples, que meus pais lutaram tanto para comprar, por drogas. Muitas vezes, meus pais tiveram que ir à delegacia ou hospitais resgatá-lo.

E, logo no primeiro emprego, recebi uma dádiva de Deus... 

Bem, mesmo que, no começo, não pensado bem assim...

Fui trabalhar como assistente pessoal  de uma mulher linda, separada e... azeda como um limão! Perdi a conta das vezes em que fiz careta nas costas dela, sempre que dirigia a palavra a mim.

No primeiro dia, ela exigiu que me mudasse para sua casa, alegando que atrasos eram inadmissíveis, portanto, o fato de eu morar na zona rural da cidade, segundo ela, me daria muitas possibilidades para ter desculpas e justificativas para atrasos. Meus pais não gostaram muito da ideia, porém, eu dei pulos de alegria, não por ficar longe deles, pois meu amor e admiração por eles serão sempre eternos, mas, porque sairia daquele sofrimento doloroso de presenciar o que meu irmão fazia com eles.

E foi, então, que começou a romaria de ela pegar no meu pé por qualquer coisa...

− Menina, você tem somente essas roupas? – ela ainda não mencionava o meu nome – Não posso andar com você, para cima e para baixo, com essas roupas de chita!

Num dia em que me flagrou na cozinha, chupando uma manga, ela logo ralhou...

− Menina, você tem que saber comer! – ora bolas, pensei comigo, tem jeito certo para chupar manga, Vossa Majestade?

A manga é uma fruta tão prazerosa que, para mim, tem que ser comida com prazer, lambuzando-se mesmo, sem ficar com frescura! Enquanto que, para Adão, a fruta do pecado era a maçã, para mim, a fruta do pecado é a manga.

 Ora, primeiro, porque tem todo um ritual preliminar, em que você tem que pegá-la, entre as mãos, senti-la entre seus dedos e apertá-la. Só aí, eu já sinto fagulhas de prazer invadir-me. Depois, deve fazer um buraquinho e chupar até que todo o seu caldo seja sugado... Hum... E, quando a gente acha que todo o seu caldo acabou, descasca e encontra um caroço, esperando por você, suculento. Bem, daí para frente, é cair de boca e chupar, novamente, até chegar deixar o caroço lisinho, sem nada! 

Cá para nós, eu não era boba, apesar de virgem! Já havia visto vários filmes proibidos para menores. E já que, diferente das minhas amigas, eu não tinha outra opção em termos sexuais, permitia-me ter o meu inocente prazer com a manga, então.

E, justamente por considerar um prazer inocente, olhei para aquela mulher sem entender o motivo por chamar minha atenção. Ela puxou de sua bolsa, um espelhinho e fez com que eu olhasse meu reflexo nele.

Senhor do céu! Mesmo amando chupar manga, nunca tinha visto meu rosto quando fazia isso. Pude ver que tinha suco amarelo da fruta até na minha testa... Ô frutinha boa do pecado!

Mesmo entendendo o que ela queria dizer e achando engraçada a cena, não pude evitar um pensamento sacana. Minhas reflexões libidinosas fizeram um paralelo com o ensinamento franciscano, que prega que é dando que se recebe. Ora, usando meus conhecimentos adquiridos ao chupar uma manga, neste caso o de chupar bem o caroço, um dia, ao “dá-lo” a um belo de um alguém, quem sabe ele retribua fazendo o mesmo comigo, com a mesma eficiência, sem desperdiçar nada do caldo...

− Menina, você come demais! Não é a toa que aquelas roupas com elástico caem-lhe tão bem. Fique sabendo que não gastarei um centavo a mais com roupas para você. Recuso-me a comprar outras roupas, com número maior, já que compramos o seu novo guarda roupa. Você vai ter que se adequar a ele.

E assim foi, por meses, ao trabalhar ao seu lado. Ela falava, de um lado, e eu fazia careta, de outro. Mas, com o passar do tempo, fui acostumando-me com as suas reclamações e comecei a tentar entendê-la.

Uma casa sem fotos, sem lembranças, silenciosa... Apenas à noite, é que ouvia seu choramingo de dor! Tudo nela intrigava-me. Como uma senhora, de 58 anos, linda, rica e inteligente, podia trabalhar, dia e noite, tentando esquecer algo do passado? Claro que não seria eu a perguntar isso à fera, pois, no mínimo, sobraria uma arranhada dela, bem em cima da minha pinta.

−D. Agnello, se não for mais precisar de mim, hoje, vou passar o final de semana com meus pais– disse a ela, em uma tarde de sexta, como fazia em todas as outras. Mas, naquele dia foi diferente.

− Patrícia...

− Sim?– respondi, timidamente, com medo de suas palavras, até por que não poderia fazer careta para ela estando à sua frente.

− Se lhe pedir para passar o final de semana comigo, seria difícil você aceitar? – pela primeira vez na vida, vi, em seus olhos, humildade. Depois de combinar com ela que iria, então, somente visitá-los e que estaria à disposição dela quando voltasse, no mesmo dia, nossa convivência mudou.

Foi assim que, a partir desse dia, ela passou de um recipiente amargo para um doce. Antes, o adjetivo maravilhoso que eu usava para sua ausência passou a ser usado para sua presença. Minha vida mudou e a adolescente reprimida começou a se transformar em uma adolescente sonhadora. As conversas das garotas que eu implorava para participar, como por migalhas, passaram a ser desnecessárias. Os garotos que nunca me olharam passaram a me disputar. Dia a dia, fui aprendendo, com a minha mentora, a ser uma dama, nem por isso baixei a guarda para nenhum dos idiotas que me desprezara no passado.

A primeira demonstração de afeto, “ao estilo Agnello”, aconteceu antes de um jantar, alguns dias após o final de semana que passei com ela. Pediu para que eu a ajudasse arrumar a mesa do jantar. Fiquei surpresa com a sua atitude, porque sempre era a Berenice, governanta da mansão, quem fazia isso. Mas, aos poucos, fui entendendo os motivos... Ela quis ensinar-me como lidar com os talheres, copos e pratos, embora eu só tenha percebido isso depois do convite, que mais parecia uma exigência, para que eu passasse a acompanhá-la nas refeições.

A primeira vez, tenho que admitir, foi um verdadeiro desastre!

Troquei todos os talheres, bebi água no copo de vinho, empurrei a comida com o dedão para o garfo e, ainda, chupei o caldo verde da colher, fazendo barulho. Enfim, fiz tudo errado. Hoje, divirto-me quando me lembro das suas caras e bocas de nojo dela, mas, também, fico emocionada com o modo delicado com que ela foi ensinando-me a me portar, educadamente, à mesa, a comer corretamente e não ser tão gulosa quanto eu era. Ao invés de encher o prato, igual a um peão de obra, fui submetida a uma reeducação alimentar.
Tudo bem que fui flagrada, por diversas vezes, fugindo da dieta...

Como ocorreu logo na noite seguinte. Depois de mais um dia alimentando-me como passarinho, igual a ela, revirei-me na cama, diversas vezes, ouvindo o som da minha barriga roncar. Decidi ir à cozinha, sorrateiramente, para fazer um lanchinho, afinal, pensei comigo, que mal poderia haver em comer um pequeno x-burger, às 11:00 da noite, e tomar um iogurte light.

Para não chamar a atenção, depois de organizar tudo, fiz meu pratinho e decidi levar ao quarto. Subi, calma e silenciosamente, os degraus da escada dos fundos, que ligava a cozinha ao andar superior, mas, quando pisei no penúltimo degrau, o infeliz estalou! Fiquei imóvel como uma estátua, não me mexia! Se desse mais um passo, com certeza, o último degrau entregar-me-ia à Dona Agnello. Após aguardar alguns segundos, não ouvi nenhum som vir do quarto dela e resolvi encarar o último degrau.

A passos de tartaruga, fui andando para o meu quarto, segurando, em uma mão, o prato com meu lanchinho cheiroso e, na outra, um iogurte light.

− Patrícia? –chamou ela, de forma interrogativa.

Parei de respirar e, mais uma vez, fiquei parada como estátua.

−Patrícia, estou acordada, pode entrar no quarto.
O que era aquilo? Até parecia Big Brother, pois desconfiei que a mulher tivesse câmeras pela casa.

− Oi, D. Agnello! Fui buscar um copo com água, pois está muito calor, hoje. A senhora precisa de alguma coisa? – diz que não, diz que não, pensei comigo.

− Entre aqui, Patrícia – ela ordenou.

− Já está tarde, D. Agnello, e estou morrendo de sono – que resposta foi essa? Ai, meu Deus! Tudo o que eu queria era ir para o meu quarto e comer meu lanchinho, bem sossegada! O que ela queria falar numa hora daquelas?

− Patrícia, tarde está é para você comer! Ou você acha que não senti o cheiro de algo fritando, na cozinha?

− Ah, tá! Cheiro? – para que morar numa casa tão grande como aquela se o cheiro que vem da cozinha pode ser sentido a diversos metros de distância?!?! Tinha que pensar em uma resposta, rápido − Foi só uma torrada, com requeijão light, que fiz na frigideira – falei, rezando para que ela engolisse esse absurdo e não se levantasse e visse a tal “torrada” em minhas mãos.

 − Não me importa que você coma! Pode comer o que quiser, mas, tem que ter consciência de que não faz bem comer fora do horário, ainda mais hambúrguer, uma das piores opções. Boa noite, Patrícia!

Fungando sobre meu lanche, nem respondi mais nada, pois não havia argumentos diante do óbvio...

Todas as mudanças foram acontecendo, gradualmente.

Se, para mim, era prático levantar, pela manhã, e fazer um rabo de cavalo, para ela, era um desleixo. Assim, quando eu chegava ao escritório, às 8:00 da manhã,  para passar sua agenda, ela fazia-me voltar ao quarto para pentear os cabelos, passar lápis e batom que já passaram a fazer parte de minha rotina de higiene matinal, outra das coisas que ela fez questão de me ensinar ao estilo Agnello de ser.

De gata borralheira, ela transformou-me numa mulher moderna e pratica, claro que dentro dos padrões dela de modernismo. Não preciso dizer que nunca fiz nada exatamente como ela queria, mas, aprendi muito com ela. Nos últimos meses em que ficamos juntas, ela deu-me total liberdade para administrar praticamente todos os seus bens, sempre acompanhando de perto, claro, no que me saí muito bem, modéstia “às favas”... Minha dedicação e jeito para a coisa fez com que ela encorajasse-me a prestar vestibular em Universidades públicas e eis que passei na USP.

Até seu personal trainer, lindo e bonitão, ela passou a dividir comigo, mas, eu nunca nem sequer tive coragem de olhar nos olhos dele, primeiro porque ele talvez tivesse muito mais do que o dobro da minha idade e segundo porque não sou boba, sempre percebi a asa que ele arrastava para ela. Mas, o coração de rocha dela nunca nem sequer deu uma só esperança ao moço.

O que nunca entendi foi à forma pela qual ela sempre se referia aos homens.

 Sempre que ela contava uma de suas experiências, eu ficava apreensiva, imaginando todos eles pensando apenas no prazer deles, muito diferente dos livros e dos filmes que eu assistia, pois ela retratava a todos como seres extremamente egoístas, em termos sexuais.

No dia em que me despedi dela e de minha família foi como se estivesse deixando para trás um pedaço de mim. O fato de ter que parar de trabalhar e, consequentemente, de ajudar meus pais, doía em meu coração, principalmente quando, a cada dia que passava, via seus olhares ainda mais cansados e tristes. Era fato que meu irmão estava acabando com a vida deles. Justamente nesse dia é que fiz um juramento: de que venceria na vida e iria ajudá-los pelo o resto da minha vida.

− Patrícia, aqui começa uma nova vida. Abrace essa oportunidade, com unhas e dentes, e prometa a mim que nunca deixará nenhum homem direcionar sua vida. Você está preparada para vencer sozinha – dona Agnello disse, dando-me um abraço tão emocionado, que até lágrimas consegui ver em seus olhos.

− Obrigada, minha fada madrinha! Prometo que jamais deixarei qualquer homem do mundo ditar regras em minha vida. Vou vencer sozinha, prometo à senhora – digo, ainda em seus braços, chorando e brincando com ela, querendo ir embora logo, antes de me debulhar em lágrimas.

− Quero que você leve este presente – ela entrega-me um envelope e, quando abro, encontro um comprovante de depósito em minha conta, num valor que jamais imaginei, junto com um bilhete, que dizia:

“Ficamos, juntas, por poucos anos, mas, eles significaram uma vida...

Vivemos encontros e desencontros de ideias, ensinamentos e aprendizados...

Não faltaram os grandes obstáculos e frequentes foram nossos desafios...

O não e o sim foram realidades sempre presentes.

Juntas, conseguimos, por meio de uma admiração mútua, chegar a tão sonhada amizade...

Chegou o momento de você seguir viagem sozinha...

Que as nossas experiências compartilhadas, até aqui, sejam a alavanca para alcançar a alegria de realizar os sonhos que tem.

Te amo!

Agnello”


Perdida em lágrimas, quando me virei para abraçá-la, uma vez mais, ela não estava mais ali. A dor física que me dilacerou, por causa da falta de beijos e abraços, deram lugar às lembranças boas que eu carregaria para sempre dentro do meu coração.



Nenhum comentário:

Postar um comentário