Capítulo 6
Senhoras do
Santuário,
Minhas amorosas
saudações!
Em primeiro
lugar, quero pedir um milhão de desculpas pelo atraso gigantesco na postagem do
capítulo. Como já mencionei antes o lançamento o livro Meu Destino é Você na
Amazon e a divulgação, comprometeram meu tempo, muito
mais do que eu imaginava.
Prometo fazer o
máximo daqui em diante, para que o fato não volte a se repetir. Obrigada pelo
carinho e compreensão de cada uma de vocês.
Vocês são
demais! ;) :-*
Apesar de saber
que é um pouquinho chato (eu sei que é muito), aconselho a relerem o capítulo
5, para entenderem melhor a sequência de acontecimentos.
Mas também trago
boas notícias!
Isadora e Kiron
falaram tanto, que o capítulo ficou gigante, então está dividido em dois, ou
seja, hoje tem capítulo em dobro, o 6 e o 7!!!!!!!
Como já
perceberam Prefácio de um amor, deixou de ser um conto e passou a ser um livro.
Não será tão extenso quanto Em Teus Braços, ou Meu Destino é Você, mas Kiron e
Dora surpreenderam essa autora, e decidiram contar, da maneira deles, essa
história de amor!
A história está
como madura no Wattpad, sendo assim, conto com a ajuda de vocês para
divulgar a história. Desde já agradeço o
carinho.
Sem mais demora,
com vocês, o capítulo 6, de Prefácio de um amor.
**************
Duas horas e
meia mais tarde...
– Chegamos,
Isadora, sua família a espera – Kiron, já do lado de fora do automóvel,
anunciou ao abrir a porta do passageiro e estender a mão em direção à bailarina.
Isadora respirou
profundamente e seu olfato foi invadido pelos aromas característicos da mata
nativa. Folhas, árvores, orvalho, seiva e os suaves perfumes das variadas espécies
de vegetação.
“Que lugar é
esse?” – ela se perguntava ao aceitar a ajuda do agente de segurança, para
descer do veículo.
A temperatura
amena e úmida tocou sua pele, em uma carícia bem-vinda, e imediatamente os sons
noturnos da floresta alcançaram seus ouvidos. Notara que o agente de segurança
desligara os faróis e reduzira drasticamente a velocidade alguns metros antes
da entrada da propriedade. A chegada deles fora discreta e silenciosa, e ela
desconfiava ser alguma espécie de procedimento padrão.
Cada centímetro
de seu corpo doía. Há duas horas, sua cabeça começara a latejar. O braço, no qual o bandido segurara com um
aperto esmagador, estava arroxeado e inchado. Além do joelho e do outro braço,
a lateral do seu tronco também ardia, mostrando que, na queda, ela se machucara
um pouco mais do que imaginara.
Porém, sentir o
toque da mão levemente áspera do agente de segurança, teve o poder de eclipsar
o mal-estar físico. O leve contato incendiou seu corpo ainda sensível pelas
lembranças das carícias trocadas horas antes. O corpo se rebelava contra o bom
senso e implorava pela proximidade, toque e beijos do homem que ainda segurava
sua mão.
Isadora
percorreu com os olhos o espaço à sua volta. A tênue iluminação mostrava muito pouco
do lugar cercado por árvores enormes e arbustos menores. Enxergou um rio a alguns
metros, e à sua frente, uma charmosa e rústica construção.
A casa térrea
possuía uma varanda que contornava toda sua extensão, o telhado alongado e as
janelas davam um ar despretensioso à casa construída para parecer um chalé.
Os olhos atentos
perceberam as câmeras de segurança, discreta e estrategicamente instaladas. O
instinto a alertou que aquelas não eram as únicas medidas para garantir a
segurança da propriedade.
As divagações
sobre a segurança da casa foram esquecidas quando sentiu Dante soltar sua mão. Dora
encarou os olhos verdes acinzentados que a miravam sérios, quase reverentes. Ela
entendeu que aquele era o momento da despedida. A missão do agente de segurança
chegara ao fim.
Sorriu para o
homem que a fascinava e encantava, desejando tê-lo conhecido em outro momento
de sua vida.
– Obrigada,
Dante, por estar lá e por me tirar de lá em segurança – disse sincera.
“Experimentar o
sabor dessa mulher, fora um erro...” – o soldado disse para si mesmo.
“Saber que a
pele de Isadora era macia e quente, a maneira como o perfume de orquídeas
selvagens se intensificava quando ela estava excitada, o quão delicioso e
inebriante era o sabor de sua boca, somente aumentara sua fome e sua
frustração” – resmungou em silêncio.
Kiron sentiu ira
crua e feroz rugir em seu interior ao contemplar os ferimentos de Isadora. Os
olhos pararam sobre o braço marcado e ferido pelo agarre do capanga do
traficante.
– Não tão segura
assim – Kiron respondeu e acariciou o braço arroxeado. – Queria poder matar o
desgraçado – comentou mirando os olhos cor de ônix.
“Tocar Isadora
era experimentar o paraíso e o inferno em mesma medida” – Kiron pensou
atordoado pela intensa atração que o fazia desejar arrastá-la de volta ao carro
e possuir o corpo pequeno, curvilíneo e tonificado pelo ballet.
A ferocidade na
voz do agente de segurança fez o coração da bailarina vibrar.
– Nós dois
sabemos que esses ferimentos não são nada – Isadora respirou fundo antes de
continuar –, se você não estivesse lá, a essa hora, eu estaria implorando para
aquele monstro, que me deixasse morrer –
retrucou e sentiu um calafrio de puro terror percorrer seu corpo.
“Merda!” – ela praguejou
em silêncio.
“Ela era uma
mulher forte, mas imaginar o quanto estaria sofrendo nas mãos do traficante sádico
e psicopata, aterrorizava-a” – confessou para si mesma.
“Yáónoma tu
thée!” – Kiron resmungou em silêncio ao notar o quanto Isadora se esforçava
para se mostrar forte.
Desejou trazê-la
para os seus braços e garantir que o filho da puta nunca chegaria perto dela,
mas não podia fazê-lo. Estavam cercados por câmeras, vigiados em um ângulo de
trezentos e sessenta graus, sabe-se lá por quantas pessoas.
“Foda-se!” –
Kiron praguejou.
“Tocaria e
beijaria Isadora uma última vez, e que todo resto fosse ao inferno!” – decidiu.
Erguia a mão
para acariciar a face cor de café frappé quando a porta da casa, chamada de
Santuário, fora aberta e os três homens Baptista marcharam em direção da
bailarina e a envolveram em um íntimo e amoroso abraço.
Não era preciso
tradução para entender as emoções contidas naquele abraço. Presenciara alguns
nos anos em que integrava a equipe 3 do esquadrão.
Kiron olhou em
direção da casa e enxergou Álvaro Nascimento parado à varanda da casa. A
presença do líder do esquadrão não o surpreendeu, afinal, Isadora era filha do
Major Baptista. Ao lado de Álvaro, já trajando o horrível uniforme branco e com
os cabelos cor de cobre recolhidos no severo coque, Ângela o encarava com uma
expressão furiosa na face.
“A enfermeira
não o perdoaria por mentir para ela” – ele constatou. “Na verdade, Angie o
perdoaria nas próximas horas, mas fingiria por meses, somente para torturá-lo”
– pensou com carinho fraternal.
Kiron conhecia
poucas pessoas com o coração gigante, como o de Ângela Garlipe.
Com um aceno de
cabeça, seguiu em direção à varanda. Após a conversa com o líder do esquadrão,
seguiria seu caminho para longe de Isadora Baptista, a maior tentação com a
qual já se deparara em sua vida.
*******
Dora levaria
para sempre em sua memória o momento em que, ainda do lado de fora da casa,
quase fora esmagada pelo abraço dos três homens mais importantes da sua vida.
Por um momento se permitiu ser frágil e se agarrou ao pai e aos irmãos. Ficaram
abraçados por longos minutos, sem que palavras fossem necessárias. Os toques,
os cheiros e o aconchego familiar reconfortaram seu coração, restauraram suas
forças e alimentaram sua rebeldia.
Quando o pai ao
afrouxar o abraço, informara que Angie viera com eles, Dora sentiu o coração
alagado de gratidão. Porém, quando no instante seguinte, o pai sugerira que
deveria cuidar dos ferimentos, descansar e conversarem na manhã seguinte, a
determinação e teimosia, que faziam dela uma autêntica Baptista, falara mais
forte.
Do alto de seus
um metro e cinquenta e cinco de altura, protestara com veemência.
Ela queria
respostas! Dissera encarando os homens de sua família, e as exigia naquele
momento. Qualquer outra necessidade, banho, curativos, alimento e repouso
seriam saciados somente após esclarecer todas as dúvidas e suspeitas que
invadiram sua mente nas mais de duas horas e meia que passara deitada no banco
de trás do automóvel, conduzido pelo agente de segurança que desaparecera
durante seu reencontro com a família.
Apesar de
contrariados, seu pai, Davi e Luiz acataram sua decisão. Após receber um longo e apertado abraço de
Angie, cumprimentar Álvaro Nascimento e agradecer a intervenção de seus agentes
de segurança, o presidente da Abaré os conduziu, ela e sua família, através do
interior da casa até o cômodo que, na verdade, se revelara uma sala de reuniões
surpreendentemente equipada.
Uma longa mesa
com dez confortáveis cadeiras preenchia quase todo o espaço. Em uma das paredes,
um sofisticado sistema de som, com caixas de som embutidas, ladeava uma tela de
mais ou menos cinquenta polegadas. No centro da mesa, um aparelho que não
parecia ligado a nada, no qual se viam LEDS verdes e azuis, piscava em uma
sequência cadenciada. A curiosidade quase a fazia se abaixar para ver por onde
passavam os fios do pequeno aparelho, que ela intuía ser usado para conexão de
dados.
A sala de
reuniões tinha a mesma decoração espartana das salas de estar e jantar pela quais
passara ao entrar na casa. Existiam os móveis necessários a cada espaço e nada
mais. Nenhum quadro, objeto de decoração ou plantas.
Dora compreendeu
que estava em uma “casa de passagem”. Um lugar para onde pessoas que estavam
passando pela mesma situação que ela, eram levadas para se esconderem de quem
ameaçava suas vidas.
Contemplou os
três homens à sua frente. O pai sentara na cabeceira da mesa. Luiz sentara à
sua direita e Davi estava de pé, com a familiar postura de comando que
intimidava os soldados sob seu comando.
“Não sou um
soldado!” – Dora pensou em silencioso desafio.
Ela estreitou os
olhos ao perceber que eles não pareciam se sentir culpados, sequer estavam constrangidos.
– Irei facilitar
as coisas – Isadora anunciou encarando o pai e os irmãos. – Desde quando estou
sendo vigiada, e por quê? – perguntou determinada a descobrir a verdade.
“Essa era a
única explicação plausível para ainda estar viva!” – pensou entre agradecida e
contrariada.
O silêncio que
se instalara na sala desde que Álvaro Nascimento os deixara sozinhos, tornou-se
incômodo.
Os três homens
trocaram olhares entre si e em seguida a encararam sérios, intensos.
Isadora não
desviou seu olhar ou recuou diante da testosterona e autoridade que vibravam no
ambiente.
“Aqueles homens
protetores, arrogantes e autoritários eram a sua família” – pensou orgulhosa.
– Então? – ela
cobrou uma resposta antes que seu coração se abrandasse e os perdoasse, sem ao
menos conhecer a verdade.
– Nós também
temos perguntas, Dora – o pai rompeu o silêncio.
O tom de voz do
major era frio e controlado, mas Dora enxergava as emoções que brilhavam nos
olhos negros. Eram muitas, entre elas identificou decepção.
“Decepcionara
seu pai” – Dora constatou com o coração dolorido.
– A primeira é: por que não contou para sua
família que estava trabalhando com crianças vítimas de abuso? – perguntou com o
timbre de voz levemente alterado. – Como pôde frequentar lugares tão perigosos
sem se preocupar com sua segurança? – questionou a filha mais jovem.
Dora tentou
ignorar a recriminação que o pai já não tentava disfarçar.
Ela respirou
profundamente antes de responder.
– Aquelas
crianças precisavam de ajuda – disse comovida pela lembrança de sua primeira
visita ao abrigo –, um tipo de ajuda que vai além do que médicos e psicólogos
podem conseguir. A música e a dança são instrumentos que as ajudam no difícil
caminho para reencontrarem a si mesmas, fazerem as pazes com seus corpos,
mentes e almas, tão feridos e torturados.
Isadora fez uma
pausa, mirou um ponto qualquer da sala e em seguida voltou a encarar seu pai.
– Não contei
porque vocês não me deixariam em paz enquanto eu não desistisse, e eu não posso
desistir dessas crianças... – Davi a interrompeu.
– Alguma vez
pensou em sua segurança? No quanto aquele bairro é perigoso? – o irmão mais
velho perguntou exasperado. – Por acaso sabe qual é o índice de criminalidade
daquele lugar? – questionou à irmã mais nova.
– Foi exatamente
por isso que não contei nada a vocês! – Dora respondeu tão irritada quanto o
irmão mais velho. – Sabia que tentariam me aterrorizar! – protestou. –Me fariam
desistir em nome da minha segurança e...– mais uma vez o irmão mais velho a
interrompeu.
– E onde estamos
agora, Dora? – Davi perguntou. – O traficante mais procurado do estado colocou
sua cabeça a prêmio! – Ele sentiu um buraco se abrir em seu estômago ao pensar
na hipótese de que o filho da puta conseguisse sequestrar sua irmã. – O que
mais precisa acontecer para você nos dar razão? – perguntou quase gritando.
Dora encarou o
irmão mais velho. As palavras de Davi soaram como um doloroso e estridente tapa
em sua face.
A bailarina ergueu
o queixo e encarou o coronel Davi Baptista.
– E isso nos
leva a outra pergunta – a voz ponderada e tranquila de Luiz Baptista se fez
ouvir na sala de reuniões. – Por que não nos contou o que estava acontecendo?
Por que não nos pediu ajuda? – o irmão do meio inqueriu.
Dora encarou o
homem que nunca perdia o controle e, sem saber o porquê, se perguntou se a
mulher do irmão, alguma vez, conseguira roubar todo aquele controle e
serenidade do tenente-coronel Luiz Baptista.
Dora expirou e
sentiu a cabeça latejar com mais intensidade.
– Cresci ouvindo
os três repetirem incansavelmente que as forças armadas são responsáveis por
guardar nossas divisas, nos defender de invasões e lutar para defender nossa
soberania. Não cabia à Marinha, Exército ou Aeronáutica a investigação de
crimes e delitos ou o patrulhamento de ruas e bairros. Salvo em situações de
extrema necessidade. Proteger o cidadão em sua rotina cotidiana é um dever das
polícias Civil e Militar. – Dora repetiu
o discurso que ouvira inúmeras vezes dos irmãos e do pai.
– E decidiu
aprender isso justamente na única situação em que não hesitaríamos em ajudar? –
Luiz perguntou em tom repleto de ironia divertida.
Antes que
percebesse, Dora sorria com as lembranças dos acontecimentos que sempre
antecediam os sermões sobre a hierarquia militar.
Quando criança,
não compreendia a diferença entre um policial e um soldado. Sempre cobrava do pai e depois dos irmãos, o
policiamento da rua, que combatessem o crime e defendessem as crianças
perseguidas pelos alunos mais velhos da escola. Em sua inocência, os enxergava
como super-heróis da vida real. E se o super-homem não escolhia a quem
defender, por que seu pai escolhia?
“Davi, que era
dez anos mais velho, e entrara para o exército quando ela estava com oito anos,
fora o que mais sofrera com suas cobranças” – recordou divertida.
Dora mirou
novamente o irmão mais velho.
– Tomei todo
cuidado do mundo. Fiz a denúncia para a Polícia Federal, e procurei um policial
de reputação ilibada – esclareceu –, e somente relatei os fatos após ter todas
as garantias da confidencialidade do meu depoimento e de quais seriam as
medidas que garantiriam a segurança das meninas resgatadas daquele inferno. Não
fui ingênua nem irresponsável! – enfatizou.
“Detestava a
sensação de estar no banco dos réus” – pensou exasperada.
O pai se
levantou, caminhou em sua direção e parou diante dela, sem esconder o quão
contrariado e decepcionado estava.
– O que achou
que estava fazendo, quando escondeu todos esses fatos da sua família? – o pai
perguntou mirando os olhos negros que eram a réplica dos seus.
– Sendo uma
Baptista! – Dora respondeu sem hesitar.
– Desde quando
mentimos, Dora? – o pai questionou irritado.
– Não mentimos,
pai, nós omitimos! – ela retorquiu. – Nunca sabemos onde vocês estão, para qual
país estão partindo ou quando retornarão para casa! Convivo com segredos e
omissões desde que consigo me lembrar. Foram mudanças feitas às pressas em
plena madrugada. Dormíamos em um país e acordávamos em outro. Ausências que
nunca eram justificadas, e meses sem ao menos ouvirmos a voz de um de vocês.
– Somos soldados!
– o pai quase gritou. – Esse é o nosso trabalho. Servimos ao nosso país e
protegemos as pessoas.
– Eu também
sirvo ao meu país e ajudo as pessoas! – ela respondeu. – Não me arrependo de
nada! – declarou encarando os três homens. – Faria tudo novamente! O trabalho,
a denúncia, tudo! Mesmo tendo passado por esse horror, sem saber exatamente
onde estou, ou se daqui a vinte e quatro horas estarei viva, eu não mudaria
nada!
A respiração
levemente ofegante era sinal de seu estado de espírito.
“Meu Deus! O que
acontecia com sua família?” – perguntava-se. Não discutia com seu pai desde os
dezesseis anos!
– É diferente,
Dora!
– Diferente por
quê? Por que sou uma bailarina? Por que sou mulher?
– Porque expôs
as pessoas que tanto tentando proteger! – o major gritou a revelação.
Um ensurdecedor
silêncio tomou conta da sala de reunião.
Dora sentiu como
se seu coração parasse de bater. Atordoada, procurou os irmãos com o olhar e as
expressões de lamento de ambos quase a fizeram cambalear.
– O que o senhor
disse? – perguntou em um quase sussurro.
– Dora, eu acho
melhor você sentar! – Davi pediu em uma voz branda que a alarmou ainda mais.
– Estou bem de
pé! – respondeu sem tirar os olhos do pai. – O que aconteceu? – perguntou sentindo
como se seu coração estivesse sendo esmagado.
– Há dez dias, a
Polícia Federal, depois de transferir as meninas para novos abrigos, retirou os
policiais que guardavam o primeiro, para o qual as crianças foram levadas – o
major fez uma pausa ao notar a palidez na face da filha mais nova.
– Eles fizeram o
quê? – Dora perguntou alarmada. – Eles prometeram que o abrigo estaria seguro.
O coração,
naquele momento, batia descontroladamente.
– A Polícia
Federal acreditou que não havia risco, pois as jovens já não estavam lá – Luiz
esclareceu ao também se levantar.
Dora sentia o
peito dolorido, com fúria, indignação, culpa e preocupação, ao ouvir o irmão
narrar os acontecimentos posteriores à retirada dos policiais que guardavam o
abrigo. Três dias após o abrigo ser abandonado à própria sorte, capangas, do
monstro que ela denunciara, invadiram e destruíram a instituição. Móveis,
utensílios, louças, roupas, tudo fora destruído pelos marginais.
Horrorizada,
ouvia o irmão relevar a extensão das barbaridades cometidas. Atordoada,
descobria que durante a ação, os desgraçados feriram várias crianças e
funcionários do abrigo.
Após muita
hesitação, Luiz revelara que os bandidos, ao deixarem o abrigo, tentaram levar
três meninas com eles, mas a chegada da policia militar, que fora chamada pelos
vizinhos, frustrara a ação dos marginais.
– Por que não me
deixaram atirar naqueles desgraçados?! – Dora gritou revoltada com a barbárie
promovida pelos capangas do monstro.
O coração estava
destroçado ao imaginar o pavor ao quais as crianças e funcionários da
instituição foram submetidos.
Dora se afastou
dos homens de sua família e foi para o outro extremo da sala. Sentia-se nervosa
e angustiada.
“Precisava fazer
alguma coisa” – pensava ao mesmo tempo em que a mente era invadida por
lembranças do trabalho com aquelas meninas.
Recordou o
choque e o horror quando descobrira sobre as jovens que eram entregues pelos
próprios pais ao traficante pedófilo e sádico, a denúncia e a sensação de
alivio quando as meninas concordaram em fugir e denunciar o monstro filho da
puta!
De repente
sentia-se sufocada, era como se a sala diminuísse a cada segundo. Seguiu em
direção à porta, estava com a mão na maçaneta quando a voz de Davi a alcançou.
– Foi por causa
desse ataque, que descobrimos o que estava acontecendo, Dora – o irmão revelou
em uma voz mais branda. – Conheço o policial que lidera essa investigação. Ao
tomar conhecimento sobre o que aconteceu ao abrigo, ele me procurou.
Dora se virou
lentamente e encarou o irmão.
– Quando? –
perguntou. – Há quanto dias sabiam desse ataque e não me disseram nada? – questionou.
– Dora, esse
policial ignorou a lei e a ética, e me procurou como um amigo – Davi fez uma
pausa –, ele me procurou na mesma tarde do atentado ao abrigo, há sete dias –
revelou.
– Davi... – Dora
não conseguiu continuar.
– Precisávamos
manter você em segurança e entender o que estava acontecendo – ponderou – não sabíamos
sobre seu trabalho, sobre as meninas e as denúncias.
A voz do major,
segura e forte, voltou a soar.
– Desde essa
mesma tarde, está sendo protegida e monitorada – o pai revelou.
– Como? – Dora
perguntou estarrecida.
“Como não
percebera” – perguntava-se ainda mais chocada.
– Há sete dias,
os agentes de segurança da Abaré garantem a segurança de cada passo seu – o
major declarou.
– Me diz que
conseguiram prender esse homem, por favor! – a voz da bailarina era quase uma
súplica.
O mal-estar que
sentia ao descer do carro, minutos atrás, piorava a cada minuto. Não sabia como conseguia se manter de pé.
– As únicas
coisas que precisa saber é que, em vez de passar férias em Florianópolis, como
havia planejado, será escoltada até a cidade de Baía Bonita no Rio Grande do
Norte – Davi e Luiz interromperam o pai.
“Para onde?” – a
bailarina se questionou cada vez mais atordoada.
– Pai – a voz de
Davi era um misto de alerta e reprovação.
– Concordamos em
conversar com ela com calma – a voz de Luiz tinha o mesmo tom reprovador do
irmão mais velho.
O Major Baptista
não tirou os olhos da filha mais jovem.
– E de lá, irá
para os Estados Unidos, para integrar o American Ballet Theatre por quinze
meses. O prazo máximo do contrato que ofereceram à você – ordenou com a
autoridade que os homens sob seu comando não ousavam questionar.
Ao ouvir as
palavras pronunciadas em tom de ordem, Dora mais uma vez ofegou. Completamente
estarrecida, com os olhos muito abertos, a pulsação retumbando em suas
têmporas, mirava o rosto do pai. Não ouviu os resmungos contrariados dos
irmãos.
“Não contara à
família sobre as audições que participara há quase dois anos, com a ilusão de
que poderia disputar de igual para igual a vaga de bailarina solista” – pensou
estarrecida.
“Também não
contara que muitos meses depois fora selecionada para membro do corpo do
ballet. Não como solista, mas como parte do corpo secundário” – recordou a
conversa que tivera por telefone com o diretor do elenco da companhia.
Nesses quase
dois anos, seus planos e sonhos mudaram, e suas prioridades também. Não
respondera a convocação. Não desejava sair do país, muito menos fugir.
– Sou maior de
idade, o senhor não pode me obrigar a deixar o país! – respondeu indignada.
– Você não tem
escolha, Isadora! – o pai respondeu no mesmo tom de voz.
– Não irei fugir
e me esconder! – ela retrucou ainda mais indignada. – Eu não sou uma criminosa
procurada pela polícia! – gritou.
Os olhos
queimavam de fúria, a respiração ofegante pela adrenalina. Enquanto falava,
movia-se sem parar pela sala e gesticulava com as mãos.
– Não há
discussão sobre esse assunto! – o pai retrucou.
– Não vou fugir,
pai! – gritou novamente. – Prefiro morrer a viver com medo da minha própria
sombra! Recuso-me a viver com medo! Não seria digna do meu sobrenome se
aceitasse viver assim!
Mais uma vez, um
silêncio escandaloso e ensurdecedor reverberou no cômodo.
Dora olhou para
os irmãos e enxergou orgulho e compreensão em seus olhos. Contemplou novamente
os olhos do pai e não conseguiu definir os sentimentos que ardiam nos olhos
escuros.
– Você não
falhou apenas com aquelas crianças – o pai declarou, e os filhos mais velhos
tentaram interrompê-los, porém, com um sinal, o major os silenciou –, falhou
com sua família também.
Dora sentiu um
calafrio de terror percorrer seu corpo.
– Do que o
senhor está falando? – perguntou em uma voz apavorada.
O pai mantinha o
olhar imperscrutável preso ao dela.
– Precisamos de
tempo para arrumar toda essa bagunça – anunciou. – Esse homem sabe quem nós somos,
onde suas cunhadas trabalham e os colégios onde seus sobrinhos estudam –
declarou.
– Não... – Dora
murmurou enquanto recuava, até que suas costas bateram contra a parede.
– Se não
consegue destruir o inimigo, destrua o que ele mais ama, e conseguirá
destruí-lo – o major declarou encarando filha mais nova.
Dora sentiu o
chão desaparecer sob seus pés.
– Por favor –
suplicou –, me diz que eles estão bem, que esses monstros não tocaram neles –
pediu desesperada.
Dora se sentia
ainda mais perdida e confusa a cada minuto. A mãe e as cunhadas estiveram no
Municipal e não pareciam perturbadas ou preocupadas. Estavam sorridentes e
alegres.
– Estão todos
bem, Dora – Davi informou. – Esses desgraçados não ousaram se aproximar de
nossas famílias.
– Elas sabem? –
Dora perguntou ao irmão.
Davi balançou a
cabeça em um sinal afirmativo.
“E como
conseguiram disfarçar tão bem?” – Dora se perguntou.
A cabeça
latejava com uma intensidade torturante.
– Elas são mulheres de militares – seu pai
respondeu a pergunta que ela não fizera em voz alta. – Sua mãe, cunhadas e
sobrinhos estão sendo escoltados nesse momento para novos endereços, onde
permanecerão até essa confusão estar resolvida – anunciou.
– Meu Deus... –
a bailarina sussurrou sentindo o coração se romper em muitos pedaços.
Dora sentiu como
se a temperatura da sala tivesse despencado. Sentia frio, muito frio, mas, estranhamente,
o frio parecia vir de dentro dela.
– Esteja pronta
para partir às nove horas da manhã – o major avisou.
O pai a
contemplou por alguns segundos e depois seguiu em direção da porta. Segurou a
maçaneta e antes de abri-la, olhou, encarou a filha mais nova uma última vez
antes de deixar o cômodo.
Dora deixava
transparecer todas as suas emoções, e naquele momento sua pequena bailarina, a
menininha cheia de energia e opinião que carregara em seus braços, sentia-se
desamparada e para o próprio bem dela, não poderia consolá-la.
O major mirou a
porta diante dele por dois segundos... Debatia-se entre o dever com toda a
família e o desejo de consolar sua caçula. Mascarando a dor que rasgava seu
peito, deixou a sala de reuniões.
Medo... Isadora
experimentava o pavor em seu grau mais primitivo...
“Não temia por
sua vida... Na verdade, naquele momento, sentia um enorme desejo de estar cara
a cara com o violador e sádico traficante. Adoraria atirar nas bolas daquele
filho de uma puta!” – pensou irada, furiosa, indignada, apavorada.
“Mas pensar na
possibilidade de aquele monstro tocar alguém de sua família, a fazia
experimentar um sentimento inédito para ela, o pavor!”
Quando pequena,
nunca temera os monstros que se escondiam em seu armário, na verdade, eles eram
seus amigos imaginários. Nunca se encolhera diante do preconceito, mas sempre o
enfrentara de cabeça erguida. Nem sempre saíra vencedora das batalhas que a
vida apresentara, porém nunca temera as quedas e os ferimentos.
Até aquela
noite... Até descobrir que a batalha que não temera guerrear, poderia vitimar aqueles
que lhe eram mais caros. As pessoas que mais amava no mundo...
– Dora – a voz
de Davi soou muito próxima e somente naquele momento percebeu que o irmão
acariciava seu rosto. – Pequena, sua pele está gelada – disse com uma voz
preocupada.
Sentiu o coração
sangrar ao imaginar o quanto Davi ficaria destroçado se algo acontecesse à sua
mulher, ou aos seus filhos.
– Hora de cuidar
de seus ferimentos – Angie anunciou ao entrar na sala de reunião –, e dessa vez
não aceito não como resposta – declarou próxima da porta.
Dora quase se
curvara de alívio e gratidão. Precisava pensar, necessitava de um pouco de
solidão.
– A pele dela
está gelada – David comentou ao se afastar. – Cuide bem dela, Ângela, por
favor.
Angie bufou de
maneira nada delicada.
– Farei um trabalho
muito melhor que vocês – a enfermeira respondeu em tom repleto de ironia e
desafio.
– Estarei pronta
no horário determinado – Dora sussurrou e em um passo apressado deixou a sala.
Angie mirou os
irmãos Baptistas, que a encaravam com expressões divertidas. Sem que palavras
fossem necessárias, disseram uns aos outros o que necessitava ser dito.
Com um levo
aceno de cabeça, a enfermeira seguiu ao encontro da bailarina que, ainda sem
saber qual aposento ocuparia a aguardava na sala de jantar.
***********
O brilho
prateado da lua cheia iluminava a mata nativa. O rio, que abraçava parte da
propriedade, refletia, como em um espelho, o céu noturno, com suas luzes cor de
prata. O orvalho caía invisível banhando a vegetação. A umidade tornava a brisa
da madrugada, ainda mais fria.
“Perfeita para
ele” – Kiron disse para si mesmo, parado diante do rio.
A luz da lua
criava uma atmosfera quase mística na área externa da casa, que os homens do
esquadrão chamavam de Santuário, o quartel general da equipe 1.
“Isadora.”
Quando seu
espírito de soldado exigira que ele se afastasse, algo mais forte que seu
desejo, ou vontade, o fizera ficar.
“O dever” – pensou
e fechou as mãos, que estavam ao lado do corpo, em punho.
Após apresentar
o relatório da viagem ao líder do esquadrão, em vez de se retirar e seguir seu
caminho, para longe da bailarina, flagrou-se oferecendo seus serviços para colaborar
com a equipe 1 até o final da missão.
“Não conseguira
se afastar da bailarina que cheirava a orquídeas selvagens, tinha um sabor que
o fazia pensar em mel e vinho e possuía os olhos negros mais expressivos que
conhecera” – admitiu.
“Precisava ter certeza
de que ela ficaria bem” – tentou mentir para si mesmo, mas foi em vão.
O que o fizera
ficar, fora o irracional desejo de estar com ela mais uma vez. O corpo exigia
que tomasse o que Isadora lhe oferecera enquanto se beijavam com desespero no
banco de trás do automóvel.
“Thée um” – clamou. “Se a bailarina não houvesse pronunciado o
nome Dante, ou se o tivesse feito somente quando seu corpo estivesse enterrado
profundamente no interior do dela, a essa hora ele estaria perdido!”
– reconheceu.
Isadora
despertara os instintos primitivos até então adormecidos. Sentia uma
necessidade atroz de protegê-la, garantir seu bem-estar. Desejava, com uma
força descomunal, acabar com a raça dos desgraçados que ameaçavam sua vida. E
morreria pela oportunidade de ser o responsável por seu prazer e o dono de seus
sorrisos.
“Tudo
o que não tinha o direito de cobiçar” – alertou a
si mesmo. “Isadora representava uma
tentação para a qual não estava preparado” –
admitiu.
Ainda
contemplando o rio à sua frente e com as mãos fechadas em punho, Kiron mirou a
lua cheia.
O
desejo, o encanto e o fascínio eram fortes demais... Precisava reencontrar seu
equilíbrio, sua sanidade...
Em
sua vida e em seu trabalho não havia espaço para paixões. A passionalidade,
para um soldado, era sinônimo de morte.
“Não
era a toa que os gregos antigos temiam o eros” –
resmungou em silêncio para si mesmo, referindo-se a uma das palavras pelas
quais seu povo se referia ao amor.
Existia
Ágape, o amor incondicional, Philos, o amor desinteressado, fiel, fraternal.
Storgo, o amor maduro, natural. Mas era eros, considerado o primeiro tipo de amor, que
amedrontava os gregos. Nomeado por causa do deus grego da fertilidade, Eros era
a paixão sexual, o desejo perigoso, ardente e irracional. Era essa perda do
controle que assustara seus ancestrais.
“E ele começava a entender o porquê” – confessou, mirando o brilho da lua
sobre a água.
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