domingo, 25 de outubro de 2015

Caminhos do Coração - Capítulo 06


Ca-ce-ta-da. Ele continuava lindo, a única diferença eram alguns fios grisalhos em suas têmporas, e parecia tão aturdido quanto eu.

–Oi, moça.

Ele sorriu para mim e fiquei sem reação. Rancor, raiva e um tesão louco tomaram conta de mim.

Estendi a mão para ele e o cumprimentei.

–Olá, sou Luana. Prazer em te conhecer. – Dei meu melhor sorriso. 

Não daria motivos para ninguém ali ficar falando. Poderiam ser meus novos amigos, mas ainda assim trabalhavam para mim. Não precisava e nem queria me tornar alvo de piadinhas. 

–Beto, venha se sentar aqui. Me conte como está meu sobrinho lindo. Estou morrendo de saudades daquele pestinha.

Minha boca caiu aberta e me esforcei para disfarçar com um bocejo. Eu precisava sair dali! Então ele tinha um filho pequeno. Que lindo! Pensei, sarcástica.

A banda começou outra música e me arrepiei. Fechei os olhos e lutei contra as lágrimas. 

Era a nossa música. 

Tudo o que eu senti e passei quando ele sumiu voltou com força total. Respirei fundo e, com a desculpa de ir ao banheiro, saí de perto dele.

No banheiro lavei o rosto e retoquei a maquiagem, tentando disfarçar meu estado de espírito e as lágrimas.

Estava saindo do banheiro e pensando seriamente em ir embora sem me despedir quando dei de cara com ele.

–Me desculpe, moça. Por favor.

–Não tenho o que desculpar, eu não era nada pra você, além de um brinquedo, uma roupa que a gente usa e não quer mais. – Falei, ríspida.

–Precisamos conversar. Vejo que você ainda usa o colar que te dei.

–Sim, uso todos os dias para me lembrar de não ser tão idiota.

–Não fale assim, me deixe explicar. 

–Você não tem o que explicar. Você foi embora e sumiu. Fim de papo.

–Por favor? Venha comigo, eu te levo para casa e no caminho nós conversamos, e se você não quiser me ver nunca mais na sua vida, eu vou entender. Apenas me escute... Por favor. – Ele fez os mesmos olhinhos que Juliana fazia e percebi a semelhança entre os dois. 

Seu rosto demonstrava seu sofrimento e parecia ser verdadeiro. 

Como um bom coração mole que eu era, concordei.

–Não precisa me levar para casa. Meu carro está na agência, vamos conversando até lá. – Tirei o celular da bolsa e mandei uma mensagem para Jú, explicando que havia bebido demais e estava indo embora. –Pronto, podemos ir.

–Só vou avisar a Jú que estou indo. – Ele estendeu a mão para mim, mas ignorei.

–Eu te espero lá fora. – Estava realmente muito magoada. O que ele havia feito... Que saco, essas lágrimas idiotas que teimam em querer sair!

Fui andando e abrindo caminho pelos corpos que dançavam. Em pouco tempo eu estava do lado de fora. Ah! Um pouco de ar puro era muito bom. 

Estava chutando as pedrinhas na calçada quando senti a mão dele na curva de minhas costas. Meu corpo se acendeu na hora com o toque. Corpo traidor! 

–Vamos?

Concordei com a cabeça e fiquei a uma distância segura dele.

–Ok, seu tempo começa agora. Se tem alguma coisa para me dizer, comece.

–Certo, moça. Primeiro, não era minha intenção ficar longe de você. As coisas saíram do controle quando cheguei em casa. Quando Gabriela voltava para casa, sofreu um acidente. Após a cirurgia, o médico nos deu a notícia de que ela estava grávida. Por pouco não perdeu nosso pequeno Luan. – Ele fez uma pausa e minha respiração ficou presa. Ele havia dado meu nome ao filho! Com um suspiro, ele continuou. –Mas ficou paraplégica. Entenda, eu não poderia deixá-la daquele jeito. Então sacrifiquei minha felicidade, sacrifiquei nosso amor. A saúde dela ficou frágil demais, devido ao tempo em que passava na cadeira de rodas e depois que o pequeno nasceu ela ficou ainda pior. Não chegou a ver o segundo aniversário dele. – Ele me olhou e percebi que ele chorava.

Coitado do meu amor!

–Por que não me procurou depois que ela morreu? – Perguntei, completamente aturdida com a história que ele havia me contado.

–Eu não tive coragem. Mesmo casado com ela, eu ficava de olho em você. Vi como você sofreu quando não dei notícias. Como se atirou no trabalho e como você se reergueu. Eu não poderia fazer isso com você. Eu te amo demais para te ver sofrer

Parei de andar e o encarei.

–Você tem ideia de como me senti usada quando você sumiu? Quando não respondia minhas mensagens? Me senti a mulher mais estúpida da face da terra, por ter me deixado envolver pela sua fala mansa, seu colar, suas músicas, seus carinhos... Eu uso seu colar todo santo dia, para me lembrar de não ser tão idiota! Meu Deus, isso é tão piegas! Eu ainda tenho seu pendrive! – Sentei-me no meio-fio e segurei meu rosto entre as mãos, agarrando os cabelos. Jesus! Eu estava completamente sem saber o que fazer.

–Ei, moça, não fique assim. Você não foi idiota. O que nós temos é especial. O que vivemos naquelas trinta horas e cinqüenta e quatro minutos, foi inigualável. Nunca me senti tão completo em minha vida... Nada, nem ninguém, nunca chegou perto de ser tão perfeito quanto você, pra mim.

Ele se abaixou a minha frente, ficando cara a cara comigo.

–Moça linda, me perdoa? – Ele tocou meu queixo com o dedo, impedindo que eu desviasse o rosto. Foi chegando perto, sua boca a centímetros da minha. Meu corpo o queria desesperadamente, um tesão enlouquecedor. Meu coração dizia: “Perdoe!”, meu cérebro dizia: “Dê o troco!”

Respirei fundo e apoiei as duas mãos na calçada, me levantando e quase derrubando ele de bunda na rua.

–Eu não sei se posso te perdoar. Sinceramente. – Saí correndo, agarrada à minha bolsa. 

–Luana, por favor, não fuja de mim. Pare, você pode cair! – Ele corria atrás de mim e gritava na rua. 

Uma buzina me fez parar de repente e Beto me puxou pelo braço, amparando-me contra seu peito.

–Sua louca, olhe por onde anda! – O motorista do carro gritou.

–Pare, moça, não fuja de mim. Sei que me ama também, caso contrário não estaria agindo assim.

Ele me abraçou e tudo o que eu estava guardando escapou de mim numa maré de lágrimas e soluços. Ele me virou e me abraçou forte. Enterrei meu rosto em seu peito e chorei toda a minha saudade, todo o meu rancor. Ele apenas acariciava meus cabelos.

–Chore, ponha tudo pra fora. Me perdoe. – Ele apoiou seu queixo em minha cabeça e senti seu corpo sacudir junto ao meu. –Eu te amo, mais do que a mim mesmo.

Levantei meu rosto e ele estava ali, chorando como eu. Estávamos lavando a alma com nossas lágrimas. Ele secou as minhas e eu as dele. E nos beijamos. Naquele beijo, cinco anos de saudade desapareceram. Eu o amava. Estava louca para senti-lo em mim, sua pele colada à minha, aquela boca pelo meu corpo todo... Mas agora seria diferente.

Deixei que suas mãos me acariciassem e corri as unhas pelo seu peito. Ele gemeu e eu me arrepiei com o som.

–Beto, melhor a gente ir devagar dessa vez.

–Certo, eu não vou sumir. Estou passando uns dias na casa dos meus pais, trouxe o Luan para visitar os avós. Vou me mudar pra cá. O que acha?

Fiquei sem reação.

–Como assim se mudar? E seu emprego?

Um monte de “e se” passaram pela minha cabeça.

–Sou meu próprio patrão. Posso abrir uma filial aqui. Não se preocupe com isso, pois eu não estou. Eu quero só você. O resto se arranja. Olhe pra mim. – Seus olhos dançavam nos meus. –Quer namorar comigo?

Se eu queria? Pergunta mais sem cabimento. Deixei-o na expectativa e depois de um minuto, respondi:

–Quero. 

Ele me rodou em seus braços no meio da rua e começou a rir, gargalhar... Os carros passavam ao nosso lado, os motoristas buzinando e xingando.

–Vamos ser atropelados desse jeito! – Disse, rindo junto.

Parou de me rodar e me beijou, rapidinho.

–Fechado. Não tem como voltar atrás. Vamos, você bebeu bastante. Vou te levar para casa e te pego amanhã cedo. Deixe seu carro lá na agência.

Voltamos e fomos pegar o carro dele, no estacionamento do bar. Ele abriu a porta do carro para mim e esperou eu entrar. Fechou a porta e deu a volta, entrando. Ligou o carro e nossa música começou a tocar. 

–Hoje estou emotivo, é nosso aniversário. – Pegou minha mão e beijou a palma. Deixei-me envolver pela música e em minutos estávamos em frente ao meu prédio.

–Ei, como você sabia meu endereço?

–Ok, não fui totalmente sincero. Vim até aqui, para te procurar. Há algumas semanas me avisaram que você havia sido promovida e que tinha se mudado. Sem pistas, só consegui o nome da cidade, que acabou sendo a mesma em que meus pais moravam. Então, há alguns dias eu descobri por acaso que você e minha irmã trabalhavam juntas. Eu a convenci a levar todos ao bar hoje, com a desculpa de que seria uma boa ideia para todos, espairecer um pouco, e que eu estava precisando sair também.

Eu o olhava de boca aberta.

–Não me olhe assim, eu tinha que entregar seu presente. E eu tenho que saber onde você está, para minha paz de espírito.

–Está certo. Meu namorado é um perseguidor. – Sorri, feliz. MEU NAMORADO... Isso soava bem para mim.

–Só persigo você. – Ele me beijou e me puxou para seu colo, mas me segurei ao banco como uma gata.

–É melhor eu subir. Amanhã, então? 

–Sim, amanhã às sete e meia, estarei aqui.

–Ok, boa noite, então. – Fui abrir a porta, mas ele me segurou.

–Luana, não esqueça. Te amo e quero você pra mim. Vou mais devagar, mas não vou parar.

Sorri e me estiquei para mais um beijinho rápido, escapando dele. Quando cheguei à portaria do prédio, dei um tchauzinho com a mão e entrei. O porteiro estava com um buquê de rosas vermelhas e uma caixa na mão, me esperando.

–Senhora, entregaram essas coisas hoje à tarde. Não precisa assinar nada.

Peguei as flores e a caixa, chamei o elevador e subi.

Em casa, coloquei as flores na água e abri a caixa. Um cartão em formato de coração estava em cima de um papel de seda. Peguei o cartão e li. 

“Creio que vai precisar desses depois da bebedeira de hoje, no bar. 

Espero que a essa hora você tenha me perdoado e que sorria ao ver seu presente. Deguste sem moderação. Vai te fazer bem.

Do seu 

Beto.”

Rasguei o papel de seda e descobri várias corujinhas de chocolate. Ele realmente pensava em tudo. Nada melhor do que um docinho para melhorar da bebedeira. Coloquei um na boca e o chocolate se derreteu... Assim como eu havia me derretido em seus braços.

Com uma aura de felicidade, arranquei as roupas e me deitei. Adormeci rapidamente, me sentindo feliz e relaxada, como não me sentia há anos.

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