sábado, 29 de março de 2014

SÉRIE SANTUÁRIO 01 - A HISTÓRIA DE NÓS DOIS - Capítulo 02


Capítulo 2 

          - O livro está tão ruim assim? – Caetano perguntou, esperando que ela jogasse o tal livro na sua cabeça. Ao invés disso, ela calmamente desviou os olhos da linda vista do rio e olhou em sua direção.

       
- Na verdade é uma concorrência injusta. – Irmã Maria da Anunciação respondeu indicando o rio. 

          Diferente de seu tom de voz tranqüilo, seu coração batia num compasso, que poderia ser considerado como desesperado. Ele olhou em direção ao rio, claramente pesando suas palavras e se voltou para ela. 

         - Sobre o que ocorreu há três dias... – fez uma pausa procurando as palavras – não estou acostumado a esse tipo de missão, prefiro estar em campo... - mais uma pausa – estava frustrado e irritado e sei que agi errado... – mais uma pausa, ele visivelmente engoliu em seco antes dizer as palavras seguintes - quero pedir desculpas – disse atropelando as palavras. 

            Ali estava um homem que não pedia desculpas facilmente. – pensou a freira.

           Ela abriu a boca para responder, mas mudou de idéia e se permitiu apenar olhá-lo por alguns momentos e tentar encontrar sinais em seu rosto de que ele dizia a verdade. 

           Era um homem alto, assim como os demais. Só perdia em estatura, para o homem loiro de feições nórdicas que atendia pelo nome de João. Devia medir pelo menos u metro e noventa de altura. Cabelos muito curtos, daqueles que nem era preciso usar o pente para estar arrumado. A pele de tez clara, bronzeada, a fazia pensar que ele talvez tivesse ascendentes hispânicos, ou quem sabe italianos. A barba e os olhos negros pareciam não combinar com o rosto, não havia harmonia e ela se perguntava se além dos nomes falsos, as aparências também não o seriam. Ele usava calças com muitos bolsos, assim como os outros, camiseta e bota, esse parecia ser o uniforme desse grupo de homens. 

         O arquear de uma sobrancelha a questionar seu silêncio prolongado a trouxe de volta a realidade, respirou fundo antes de falar.

         - Eu também peço desculpas. Não imaginei que minhas ações colocariam a vida de vocês em risco. – disse sincera. 

Caetano praguejou mentalmente mais uma vez por sua explosão.

      - Não devia ter falado com a cabeça quente. Não nos colocou em risco. Minha equipe nunca baixa a guarda, sua segurança nunca esteve em risco, quero deixar isso claro. – disse as palavras olhando para ela, para que não houvesse dúvidas de sua honestidade. 

    A resposta da freira foi um leve aceno afirmativo de cabeça e em seguida um constrangedor silêncio, tomou conta do ambiente.

          Durante alguns minutos, os dois apenas contemplaram a paisagem do rio.

        - Os rapazes disseram que todos estão inquietos por estarem há muito tempo longe de suas casas. – ela declarou com tranqüilidade. 

          - O que mais lhe disseram? – perguntou com olhos semicerrados.

          - Mais nada. – disse fechando o livro. 

          Olhou por um instante para frente e voltou-se novamente para ele 

        - Eles são leais a você. Mais do que isso, o olham com admiração e respeito, nunca fariam algo que o decepcionasse. – declarou e com uma serenidade que não sentia, e continuou – Minha mala estará pronta num instante. – disse ao se levantar. 

          - Como soube que esse era o assunto que me trouxe aqui? – ele perguntou estupefato. 

     Você me dirigiu a palavra, quer sinal mais claro que esse? – pensou irônica, e se repreendeu em pensamento pelo pecado. 

           Ou ironia não era um pecado? Perguntou-se. 

          - Isso quer dizer que prenderam o pistoleiro que me atingiu? – respondeu com outra pergunta – Ele denunciou o mandante? – não conseguiu conter sua ansiedade.

         - Não irmã, a polícia do Pará não tem pistas do tal assassino de aluguel, e o tal fazendeiro continua tão impune quanto antes. – Respondeu sem hesitação.

       Durante sua ausência, fizera investigações por conta própria e não gostara nada do resultado. 

        – Como sabe, a Igreja deixou claro que nosso papel era mantê-la em segurança, exigiram que as investigações fossem feitas pela polícia local, sem nenhuma interferência da nossa parte. – Esclareceu.

          - Não entendo. – ela disse para si mesma e voltou a sentar-se. 

         Com o coração batendo descontroladamente e a indignação crescendo em seu peito. Foi quando se deu conta de algo muito importante. 

          - Não vou voltar para casa, não é? 

        Fazia dois anos que morava com outras sete irmãs no mosteiro em Cachoeira do Piraí, uma das cidades mais pobres do país. 

          Caetano respirou fundo, dizendo a si mesmo que esse não era seu problema.

           - Não. - respondeu seco.

           - Para onde me levarão? – perguntou mesmo sentindo que ele não falaria.

          - Ainda não sabemos. Seu chefe deve chegar a qualquer momento, ele decidirá após se certificar que está bem. 

           - O Papa em pessoa? – ela perguntou irônica. 

          Sua intenção era irritá-lo, porém o sorriso franco, o primeiro desde que ela o conhecera, aliviou o clima tenso entre eles.

        - Me desculpe pelo engano senhora, na verdade o representante de Vossa Santidade é quem se dirige para cá. – respondeu com ironia divertida.

          Irmã Maria da Anunciação sentiu o peito apertar diante da informação. 

     O cardeal Henrique Carbonaro viera de Roma para acompanhar as investigações e “cuidar” de sua segurança. No breve encontro que tiveram, assim que ela saíra do coma, ele iniciara a conversa dizendo que a igreja já possuía mártires suficientes e não se mostrou nada satisfeito com o que chamou de “inadequada e irresponsável conduta”. Se dependesse dele, ela seria enviada para o Alasca, não o Alasca estava na moda depois que a tal governadora saíra candidata a vice presidente dos Estados Unidos. Ele a enviaria para Sibéria. 

         Será que existia um convento da sua ordem na Sibéria? – se perguntou.

        - Já esteve na Sibéria? – a pergunta saiu antes que ela pudesse evitar. 

      Surpreso pela mudança drástica de assunto, Caetano não teve tempo para responder, pois os passos de “João” chamaram a atenção de ambos. 

      - O cardeal Carbonaro e a Irmã Maria do Perpétuo Socorro acabaram de passar pela portaria um. – avisou em um tom de voz neutro.

         O olhar que dirigiu a Caetano perguntava o que estava acontecendo. 

       Um cardeal e sua madre superiora? Ela começava a acreditar que a Sibéria seria o menor dos seus problemas. 




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