Capitulo 4
Ela não pode evitar
segui-los com o olhar e parada na varanda observou o carro, na verdade um
furgão, deixar a propriedade.
Permaneceu ali, com o olhar fixo, sentindo que o veículo blindado carregava sua vida para longe, quanto mais distante, maior sua vontade de correr até alcançá-lo e como os mocinhos faziam nos contos de fada, resgatar sua vida das mãos do malvado da história.
Permaneceu ali, com o olhar fixo, sentindo que o veículo blindado carregava sua vida para longe, quanto mais distante, maior sua vontade de correr até alcançá-lo e como os mocinhos faziam nos contos de fada, resgatar sua vida das mãos do malvado da história.
O automóvel deixou seu campo de
visão ao fazer uma curva, e ela finalmente se deu conta do quanto tudo àquilo
era real. Que não fora um pesadelo. Que de agora em diante, estava sozinha,
sozinha de verdade. Não tinha família e seus amigos eram as irmãs e a
comunidade à qual serviam e para onde não poderia voltar.
Sentia
o peito esmagado pela dor e pelo medo do que estava por vir...
Com necessidade de ficar sozinha, desceu
as escadas e começou a caminhar pela propriedade sem de dar conta que seus
passos a levavam em direção ao rio. Conforme a opressão em seu peito aumentava,
seus passos se aceleravam, até que sem ao menos se dar conta, estava correndo.
Passado o breve torpor causado pela
nova aparência da ex-freira, Caetano viu sua equipe reassumir o comportamento
profissional. Assim que ela pisou fora da varanda, os homens reassumiram de
imediato suas posições para garantir a segurança do perímetro.
Ele, “João” e “André”, observavam a
distância, respeitando a privacidade que ela não pedira em voz alta. Quando a
viu correr em direção ao rio, todos os seus alarmes de perigo soaram e ao se
dar conta que, já no rio, ela não diminuía o ritmo, praguejou em voz alta e
saltou a varanda, correndo até ela.
A água do rio já havia estava na
altura dos joelhos e molhava a barra do vestido, quando ele conseguiu
alcançá-la. Ela sentiu braços indesejáveis a segurando, para no momento
seguinte sentir suas costas baterem contra um corpo forte e quente.
- Me solta – pediu com a voz
estrangulada.
- Não, não vou deixá-la fazer o que
quer que esteja pensando em fazer. – disse apertando os braços em volta dela.
A
voz dele ofegante pela corrida.
A
dela pelo desespero.
- Não vou me matar. – esperneou
tentado se soltar – só quero mergulhar.
– disse quase sem fôlego.
- Não está em condições de mergulhar
sem arriscar a própria vida.
- Me solta, não consigo respirar. –
pediu com a voz entrecortada.
Maria
da Anunciação sentia a respiração ficar mais difícil a cada segundo.
- Não estou provocando isso, é você
mesma que está. – o tom de voz dele soara gentil dessa vez – Precisa deixar ir,
liberar essa dor que está sentindo, deixa ir. – pedia baixinho junto a orelha
dela.
- Não posso, não posso. – ela
balançava a cabeça de um lado para outro. Negando a si mesma a oportunidade de
extravasar a dor excruciante que sentia.
- Deixa ir. – pediu mais uma vez.
- Não posso, não consigo.
- Não vou soltar você, não vou
deixá-la cair, confie em mim. – Prometeu.
Caetano
pressentiu a solidão dela, mas do que qualquer outra coisa.
Uma solidão que fez seu peito doer por ela.
- Não posso... Somente os fracos
choram. Sou mais forte que tudo isso,
sou mais forte que eles. – ela repetia como se rezasse um mantra. A negação
nascida da dor e do desespero.
- Estou aqui e não vou a lugar
nenhum. Prometo te segurar e se não aguentar, cairei com você. – disse sincero.
Ele
assumia um compromisso. Não somente para aquele momento, sem saber ao certo, o porquê
o fazia.
- Não posso – Ela repetiu.
A voz soou fraca, sem a convicção de antes.
Ele
sentiu que a resistência estava no fim.
- Prometo – sussurrou ainda abraçado
a ela e aguardou.
A
freira respirou fundo uma, duas, três vezes e aí explodiu num choro compulsivo.
Tão sofrido que o fez compreender pela primeira vez a expressão “de cortar o
coração”. Sentia como se uma navalha retalhasse seu peito. A dor da traição
daqueles em quem ela mais confiava e o medo de estar verdadeiramente sozinha,
estava impresso em cada lágrima e som.
Ele
prometeu que aquele cardeal, de algum modo pagaria, por fazer alguém de alma
tão cristalina passar por todo aquele sofrimento.
Bem
lentamente a fez ficar de frente para ele e agarrada a sua camisa, ela chorou
em seu peito, sem conseguir esconder o quão vulnerável e frágil estava naquele
momento.
Pegou-a
no colo e seguiu quase até a margem do rio. Quando estava somente com os pés
cobertos pela água e com ela em seus braços, permitiu-se baixar até que ficou
meio que sentado, com os pés e joelhos tocando o fundo do rio.
Seguia
falando com ela, mesmo sabendo que não o estava ouvindo. Naquele momento era
tudo o que ela precisava. Sentir que não estava sozinha.
Maria da Anunciação sempre dissera a
si mesma que a histeria era sinônimo de fraqueza. Mas não conseguia parar de chorar. Quando pensava ter
controlado o choro, ele voltava com mais força.
Chorava
pela dor atual e pelas dores antigas, por frustração, revolta, humilhação. Não
soube precisar por quanto tempo chorara. A partir de um certo momento, percebeu
que Pedro lhe sussurrava algo, em um tom gentil. Aos poucos, na medida que o
choro diminuía, começou a entender as palavras, de apoio e solidariedade, que
aqueceu seu coração e a ajudou a recuperar o controle.
- Sente-se melhor? – Ele perguntou
depois de se certificar que ela enfim se acalmara.
- Sim, já pode me soltar agora. –
Respondeu constrangida por se descobrir praticamente sentada em seu colo.
Quando
ele atendeu seu pedido, se colocou de frente para ele.
– Estamos molhados. – comentou não
conseguindo lembrar quando haviam voltado para a margem do rio. – Obrigada, por
tudo.
- As ordens. – Ele respondeu, ainda
sem entender porque saíra correndo como um homem desesperado.
- Minhas coisas já estão prontas. – Maria
da Anunciação disse dando inicio a conversa inevitável – Agradeceria se vocês puderem me deixar numa
pensão ou em uma pousada. Amanhã darei inicio a essa nova etapa da minha vida,
hoje só quero tomar um analgésico e dormir.
Ela
tentava parecer otimista, mas sabia estar falhando miseravelmente.
- Não iremos a lugar nenhum, sem
antes garantir que não corre risco algum.
A
visão do rosto delicado, maculado pelo inchaço dos olhos ainda vermelhos, da
mesma cor que o delicado nariz que agora ele notava ser, levemente arrebitado,
o fazia desejar ter o poder de curar suas dores.
-
Não. – disse com firmeza – Ouviu o cardeal, ele os dispensou. Preciso
pen...
Caetano
a interrompeu.
- Tenho tudo sobre controle, confie
em mim. Além do mais, não era a Igreja que esta nos pagando. O recurso vem de
um benfeitor privado, que não irá gostar nada quando souber dos últimos
acontecimentos.
Ela fungou e ele exerceu toda sua força
de vontade para não sorrir. Apesar de ser uma mulher, naquele momento ela mais
parecia uma menina.
- Quem? – ela desejou saber.
- Não estou autorizado a lhe dar
essa informação, mas podemos e devemos recorrer a eles.
- Não posso aceitar ajuda de quem
não conheço.
Ela
rezava para que ele entendesse.
Caetano respirou fundo, olhou para
cima num típico gesto de impaciência.
- Ok. Falarei com eles, mas não prometo
nada.
Devo
estar completamente louco, ele pensou
-
Que tal entrarmos, já está anoitecendo e confesso estar morrendo de fome.
Ela olhou para o horizonte e
contemplou surpresa que o sol fazia sua decida, dava sua saída majestosa, e
cedia o palco a não menos sedutora lua, que teria a encantadora companhia das
estrelas.
- Ficamos aqui por tanto tempo
assim? – perguntou entre surpresa e confusa.
- Sei que as coisas estão meio confusas
por hora, mas confie em mim e em minha equipe, Irmã Maria. – pediu
- Marina – ela disse.
Diante
da pergunta do olhar dele esclareceu.
-
Caso já tenha se esquecido, não sou mais uma freira. Meu nome de nascimento é
Marina e antes de ingressar na vida religiosa, costumavam me chamar de
Nina.
Comentou
estranhando a sonoridade do próprio nome, após tantos anos como Irmã Maria da
Anunciação.
- Marina? – Perguntou realmente
surpreso.
Ele
sorriu diante do nome delicado que combinava perfeitamente com ela
-
Nina. – pronunciou para testar a sonoridade. – Nina combina com você.
- Não sou sempre assim. – disse sem
jeito, referindo-se a perda de controle.
- Nem eu. Como já deve desconfiar.
– se permitiu brincar com ela – Sabe, tudo que aconteceu hoje me faz lembra uma
frase sábia, que meu pai repetia muito.
- Qual? - Ela quis saber.
- Nunca confie num homem que usa
saia.
E
obstante as incertezas do amanhã, ela conseguiu sorrir, para em seguida rir com
vontade.
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