sábado, 12 de abril de 2014

SÉRIE SANTUÁRIO 01 - A HISTÓRIA DE NÓS DOIS - Capítulo 04


Capitulo 4
  
            Ela não pode evitar segui-los com o olhar e parada na varanda observou o carro, na verdade um furgão, deixar a propriedade.
Permaneceu ali, com o olhar fixo, sentindo que o veículo blindado carregava sua vida para longe, quanto mais distante, maior sua vontade de correr até alcançá-lo e como os mocinhos faziam nos contos de fada, resgatar sua vida das mãos do malvado da história.
            O automóvel deixou seu campo de visão ao fazer uma curva, e ela finalmente se deu conta do quanto tudo àquilo era real. Que não fora um pesadelo. Que de agora em diante, estava sozinha, sozinha de verdade. Não tinha família e seus amigos eram as irmãs e a comunidade à qual serviam e para onde não poderia voltar.
Sentia o peito esmagado pela dor e pelo medo do que estava por vir...
            Com necessidade de ficar sozinha, desceu as escadas e começou a caminhar pela propriedade sem de dar conta que seus passos a levavam em direção ao rio. Conforme a opressão em seu peito aumentava, seus passos se aceleravam, até que sem ao menos se dar conta, estava correndo.
            Passado o breve torpor causado pela nova aparência da ex-freira, Caetano viu sua equipe reassumir o comportamento profissional. Assim que ela pisou fora da varanda, os homens reassumiram de imediato suas posições para garantir a segurança do perímetro.
            Ele, “João” e “André”, observavam a distância, respeitando a privacidade que ela não pedira em voz alta. Quando a viu correr em direção ao rio, todos os seus alarmes de perigo soaram e ao se dar conta que, já no rio, ela não diminuía o ritmo, praguejou em voz alta e saltou a varanda, correndo até ela.
            A água do rio já havia estava na altura dos joelhos e molhava a barra do vestido, quando ele conseguiu alcançá-la. Ela sentiu braços indesejáveis a segurando, para no momento seguinte sentir suas costas baterem contra um corpo forte e quente.
            - Me solta – pediu com a voz estrangulada.
            - Não, não vou deixá-la fazer o que quer que esteja pensando em fazer. – disse apertando os braços em volta dela.
A voz dele ofegante pela corrida.
A dela pelo desespero.
            - Não vou me matar. – esperneou tentado se soltar –  só quero mergulhar. – disse quase sem fôlego.
            - Não está em condições de mergulhar sem arriscar a própria vida.
            - Me solta, não consigo respirar. – pediu com a voz entrecortada.
Maria da Anunciação sentia a respiração ficar mais difícil a cada segundo.
            - Não estou provocando isso, é você mesma que está. – o tom de voz dele soara gentil dessa vez – Precisa deixar ir, liberar essa dor que está sentindo, deixa ir. – pedia baixinho junto a orelha dela.
            - Não posso, não posso. – ela balançava a cabeça de um lado para outro. Negando a si mesma a oportunidade de extravasar a dor excruciante que sentia.
            - Deixa ir. – pediu mais uma vez.
            - Não posso, não consigo.
            - Não vou soltar você, não vou deixá-la cair, confie em mim. – Prometeu.
Caetano pressentiu a solidão dela, mas do que qualquer outra coisa.
 Uma solidão que fez seu peito doer por ela.
            - Não posso... Somente os fracos choram. Sou  mais forte que tudo isso, sou mais forte que eles. – ela repetia como se rezasse um mantra. A negação nascida da dor e do desespero.
            - Estou aqui e não vou a lugar nenhum. Prometo te segurar e se não aguentar, cairei com você. – disse sincero.
Ele assumia um compromisso. Não somente para aquele momento, sem saber ao certo, o porquê o fazia.
            - Não posso – Ela repetiu.
 A voz soou fraca, sem a convicção de antes.
Ele sentiu que a resistência estava no fim.
            - Prometo – sussurrou ainda abraçado a ela e aguardou.
A freira respirou fundo uma, duas, três vezes e aí explodiu num choro compulsivo. Tão sofrido que o fez compreender pela primeira vez a expressão “de cortar o coração”. Sentia como se uma navalha retalhasse seu peito. A dor da traição daqueles em quem ela mais confiava e o medo de estar verdadeiramente sozinha, estava impresso em cada lágrima e som.
Ele prometeu que aquele cardeal, de algum modo pagaria, por fazer alguém de alma tão cristalina passar por todo aquele sofrimento.
Bem lentamente a fez ficar de frente para ele e agarrada a sua camisa, ela chorou em seu peito, sem conseguir esconder o quão vulnerável e frágil estava naquele momento.
Pegou-a no colo e seguiu quase até a margem do rio. Quando estava somente com os pés cobertos pela água e com ela em seus braços, permitiu-se baixar até que ficou meio que sentado, com os pés e joelhos tocando o fundo do rio.
Seguia falando com ela, mesmo sabendo que não o estava ouvindo. Naquele momento era tudo o que ela precisava. Sentir que não estava sozinha.
            Maria da Anunciação sempre dissera a si mesma que a histeria era sinônimo de fraqueza. Mas não  conseguia parar de chorar. Quando pensava ter controlado o choro, ele voltava com mais força.
Chorava pela dor atual e pelas dores antigas, por frustração, revolta, humilhação. Não soube precisar por quanto tempo chorara. A partir de um certo momento, percebeu que Pedro lhe sussurrava algo, em um tom gentil. Aos poucos, na medida que o choro diminuía, começou a entender as palavras, de apoio e solidariedade, que aqueceu seu coração e a ajudou a recuperar o controle.
            - Sente-se melhor? – Ele perguntou depois de se certificar que ela enfim se acalmara.
            - Sim, já pode me soltar agora. – Respondeu constrangida por se descobrir praticamente sentada em seu colo.
Quando ele atendeu seu pedido, se colocou de frente para ele.
            – Estamos molhados. – comentou não conseguindo lembrar quando haviam voltado para a margem do rio. – Obrigada, por tudo.
            - As ordens. – Ele respondeu, ainda sem entender porque saíra correndo como um homem desesperado.
            - Minhas coisas já estão prontas. – Maria da Anunciação disse dando inicio a conversa inevitável –  Agradeceria se vocês puderem me deixar numa pensão ou em uma pousada. Amanhã darei inicio a essa nova etapa da minha vida, hoje só quero tomar um analgésico e dormir.
Ela tentava parecer otimista, mas sabia estar falhando miseravelmente.
            - Não iremos a lugar nenhum, sem antes garantir que não corre risco algum.
A visão do rosto delicado, maculado pelo inchaço dos olhos ainda vermelhos, da mesma cor que o delicado nariz que agora ele notava ser, levemente arrebitado, o fazia desejar ter o poder de curar suas dores.
            -  Não. – disse com firmeza – Ouviu o cardeal, ele os dispensou. Preciso pen...
Caetano a interrompeu.
            - Tenho tudo sobre controle, confie em mim. Além do mais, não era a Igreja que esta nos pagando. O recurso vem de um benfeitor privado, que não irá gostar nada quando souber dos últimos acontecimentos.
            Ela fungou e ele exerceu toda sua força de vontade para não sorrir. Apesar de ser uma mulher, naquele momento ela mais parecia uma menina.
            - Quem? – ela desejou saber.
            - Não estou autorizado a lhe dar essa informação, mas podemos e devemos recorrer a eles.
            - Não posso aceitar ajuda de quem não conheço.
Ela rezava para que ele entendesse.
            Caetano respirou fundo, olhou para cima num típico gesto de impaciência.
            - Ok. Falarei com eles, mas não prometo nada.
            Devo estar completamente louco, ele pensou
- Que tal entrarmos, já está anoitecendo e confesso estar morrendo de fome.
            Ela olhou para o horizonte e contemplou surpresa que o sol fazia sua decida, dava sua saída majestosa, e cedia o palco a não menos sedutora lua, que teria a encantadora companhia das estrelas.
            - Ficamos aqui por tanto tempo assim? – perguntou entre surpresa e confusa.
            - Sei que as coisas estão meio confusas por hora, mas confie em mim e em minha equipe, Irmã Maria. – pediu
            - Marina – ela disse.
            Diante da pergunta do olhar dele esclareceu.
- Caso já tenha se esquecido, não sou mais uma freira. Meu nome de nascimento é Marina e antes de ingressar na vida religiosa, costumavam me chamar de Nina. 
Comentou estranhando a sonoridade do próprio nome, após tantos anos como Irmã Maria da Anunciação.
            - Marina? – Perguntou realmente surpreso.
Ele sorriu diante do nome delicado que combinava perfeitamente com ela  
- Nina. – pronunciou para testar a sonoridade. – Nina combina com você.
            - Não sou sempre assim. – disse sem jeito, referindo-se a perda de controle.
            - Nem eu. Como já deve desconfiar. – se permitiu brincar com ela – Sabe, tudo que aconteceu hoje me faz lembra uma frase sábia, que meu pai repetia muito.
            - Qual? - Ela quis saber.
            - Nunca confie num homem que usa saia.
E obstante as incertezas do amanhã, ela conseguiu sorrir, para em seguida rir com vontade.



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