sábado, 7 de junho de 2014

SÉRIE SANTUÁRIO 02 - OUTRA VEZ VOCÊ - Capítulo 04



Capítulo 4 
Dez anos depois
       Alicia passou os olhos pelo salão e observou que tudo, desde o impecável atendimento dos garçons, até a eficiente equipe de apoio que discreta, fazia um excelente trabalho em deixar o ambiente ainda mais aconchegante. Estava perfeito!
Respirou aliviada.
       - Esta tudo perfeito. Porque você não relaxa e aproveita?
Alicia virou-se ao ouvir a familiar voz masculina.
Bento Luis Lemes de Albuquerque, era membro de uma tradicional família da região e delegado de Vitória da Esperança. Desde que ela viera morar na cidade, seis anos antes, ele se transformara em seu anjo da guarda.
       -Você está atrasado – O provocou.
       - Os delegados simplesmente não têm horários, mas fiz questão de comparecer - Disse charmoso – O que um homem sedento tem de fazer para ganhar uma bebida neste elegante baile? - Perguntou num tom dramático, com a mão direta sobre o peito e aquela voz que fazia com que as mulheres da cidade caíssem a seus pés.
Alicia, imune ao charme de Bento, revirou os olhos num gesto de impaciência feminina, fez um discreto sinal a um dos garçons que prontamente se aproximou para servir o recém chegado.
       - Como foi a arrecadação? Vocês conseguiram o valor que precisavam?
Bento perguntou enquanto era servido.
O sorriso dela, mesmo não alcançado os olhos, o fez conhecer a resposta antes mesmo de ouvi-la. Ele se perguntou se um dia os olhos dela sorririam também.
       - Superamos a meta estabelecida. – Alicia respondeu com indisfarçável orgulho.

- Parabéns as duas. 
O delegado levantou o copo em uma saudação sincera antes de beber.
Sabia que Marina era a idealizadora do projeto do espaço multiuso, como também tinha certeza de que sem a ajuda de Alicia, teria sido muito difícil transformar o sonho em realidade.
       Alicia observou o delegado por um instante, o homem alto, de cabelos castanhos, expressivos olhos azuis e barba cerrada tinha se convertido em um grande amigo. Sabia que a presença dele em sua vida, desde que se mudara para a cidade, tinha sido providenciada por Álvaro Nascimento, mesmo que ambos negassem veementemente o fato. Percebeu o exato momento em que o delegado avistou Marina, os olhos azuis brilharam ainda mais intensos, com um misto de espanto e adoração.
       - Se continuar olhando para ela desse jeito vai acabar arrumando uma confusão.
O repreendeu em um tom solidário.
       - É tão óbvio assim? - Ele perguntou visivelmente constrangido.
       - Só quando respira. – Brincou tentando aliviar a tensão.
Bento era bonito, integro confiável e idealista. O porque de Marina preferir a inconstância de Alberto Nascimento era um mistério.
Sem mencionar o fato de que sempre que Alberto estava na cidade, lembranças de outro homem, que havia conhecido há dez anos, ficavam ainda mais fortes.
       - Ele deveria estar aqui. Hoje é um dia importante para ela.
Bento ainda não engolira o repentino aparecimento do irmão mais novo de Álvaro Nascimento, há quase dois anos. Devia uma ao dono da Abaré e pagara ficando de olho em Alicia Mendes Bittencourt. O tempo o fez nutrir um carinho fraternal pela jovem delicada, de tristes e melancólicos olhos verdes. Por outro lado, toda vez que Alberto Nascimento estava na cidade, seus instintos entravam em alerta.
       Alicia respirou fundo, antes de destruir os sonhos do delegado.
       - Ele a ama Bento. Quem os vê juntos não tem dúvida disso. Precisa seguir em frente.
Ela pensou na ironia da situação. Nina sequer desconfiava da adoração do delegado, a única pessoa da cidade que desconhecia o interesse dele, era a mulher pela qual ele estava apaixonado.  A vida às vezes não tinha a menor graça, pensou melancólica.
       - Mais fácil falar do que fazer.
Bento tomou tomando mais um gole da bebida.
- Ainda mais quando ela está linda naquele vestido vermelho.
Retrucou para si mesmo em pensamento.
- Vou dar uma circulada, para garantir o cumprimento da lei e da ordem - Piscou, usando o charme para desviar o assunto.
       Alicia o observou se afastar, sem perceber que balançava negativamente a cabeça.
Por alguns instantes contemplou a pista de dança. A visão dos casais dançando ao som das baladas românticas fez seu peito doer, uma sensação tão familiar quanto respirar a assolou enquanto sua mente evocava a imagem do homem que ela não conseguia esquecer, mesmo tendo se passado dez anos.
       Perdera as contas de quantas vezes quase perguntara por ele ao namorado de Marina, o que a tinha paralisado?
Medo.
Ela travava batalhas diárias contra seus medos havia dez anos. Conseguia superar a maioria deles, mas quando se tratava de Hendrix, não conseguia seguir em frente.
Não teve terapia que a ajudasse nesse sentido.
       Limpou uma poeira inexistente no elegante vestido verde na tentativa de disfarçar o suspiro desolado que não conseguiu conter. Ao erguer a cabeça, enxergou Marina do outro lado do salão, seguiu em sua direção, com a intenção de perguntar-lhe se precisava de algo, pois ela sim precisava.
Precisava se manter ocupada para não pensar...
       - Está tudo lindo, deve estar orgulhosa.
Alicia disse ao se aproximar.
       - Na verdade, agradecida seria a palavra correta.  
Marina já se imaginava enchendo os ouvidos de Caetano ao contar cada detalhe, como prometeu que faria quando ele voltasse.
Você deveria dançar também Alicia - Ela comentou.
       - Eu passo.
       A voz do funcionário da portaria soou no rádio que ela havia esquecido que trazia em uma das mãos, informando que quatro carros acabavam de entrar no estacionamento.
       – Eu pensei que a essa altura não faltasse ninguém - Comentou confusa.
       - Eu também.
Marina respondeu bem humorada pelo sucesso do baile.
- Enquanto recebo nossos convidados você pode providenciar as mesas?
       - É óbvio.
Alicia respondeu já saindo para cumprir a tarefa.
       Marina a observou por um instante se perguntando se algum dia seria dado àquela mulher, a mesma graça que ela mesma recebera. Um homem que a amasse tanto que curaria todas as feridas de sua alma.

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       Alicia observou a equipe de apoio dando os últimos retoques na mesa que preparara para os convidados de ultima hora. Satisfeita com o resultado final, agradeceu ao chefe da equipe e se dirigiu a recepção para avisar a Marina que a mesa estava pronta, foi quando os viu caminhando em sua direção.
Seis homens muito altos e fortes, elegantemente trajados.
Todos com o caminhar seguro e determinado, contrastando com a animada e aparente despreocupada conversa na qual estavam envolvidos.
       Ela sentiu como se todo o sangue e ar fugissem do seu corpo.   
Cinco rostos familiares e um inesquecível!
Dez anos depois lá estava ele, alto, forte e espetacular num terno claro. 
Agora ele usava a cabeça raspada, Ela imaginou que era um sacrilégio um homem careca parecer tão bonito.
Não conseguia pensar, não conseguia respirar...
E quando ele olhou em sua direção ela literalmente sentiu o mundo girar...
O socorro veio através de braços fortes e mãos gentis que a ampararam.
       - Eu disse que você precisava relaxar.
Bento ralhou simpático enquanto fingia abraçá-la pela cintura.
- Precisa de ajuda? - Perguntou em voz baixa, deixando claro que havia acompanhado sua reação a chegada do grupo, ao qual ele conhecia somente o homem que começava a ficar com cabelos grisalhos: Álvaro Nascimento.
       - Não. Eu estou bem.
Não estava, mas não faria uma cena.
Sua vontade era fugir daquele lugar, mas não podia falhar com Marina.
Respirou fundo e seguiu na direção deles, para desempenhar sua tarefa, de acompanhar os convidados até suas mesas.

*************************

       Bourregard e os demais homens da equipe, entraram no salão de baile.
Surpresos contemplaram o ambiente aconchegante, criado por Marina e decorado com inusitadas lanternas com flores.
A pequena Nina, como a equipe passa a chamá-la, estava realmente bela, naquele vestido vermelho. Era a imagem de uma mulher feliz.
       Ele e os demais membros da equipe haviam acompanhado os progressos da encantadora Nina, através dos relatórios regulares que Caetano recebia e que eles roubavam. Os furtos perderam a graça quando perceberam que ele tinha pleno conhecimento do que faziam.
Ir atrás de Marina tinha sido a melhor coisa que o amigo fizera.
Perdia somente para o que ele faria essa noite. Pedi-la em casamento.
       Uma incômoda e conhecida sensação de perda tomou conta de seu peito, ao pensar na mulher frágil, de olhos assustados que lhe roubara a alma. Tinha revirado o mundo atrás dela e apesar de ser filha de um homem rico e conhecido, a moça desaparecera da face da terra.
       Percebeu que algo havia chamado a atenção dos homens.
Ao olhar na mesma direção sentiu como se um dos campeões do UFC tivesse dado um soco em seu estômago! A sensação era tão real que era difícil respirar.

Dez anos depois, em um deslumbrante vestido verde, lá estava ela!
A mulher que povoava seus sonhos!
A mulher que amava em segredo há dez longos anos!
A mulher que possuía sua alma!
E ela estava nos braços de outro homem!
Ainda atordoado, a viu abandonar delicadamente os braços do estranho e caminhar em sua direção.
       Apesar de estar se esforçando bravamente para parecer indiferente, Alicia fracassava de forma vergonhosa. Munindo-se do autocontrole adquirido ao longo de anos de terapia, saudou os homens que a socorreram no pior momento de sua vida como se não os conhecesse, como fora orientada há fazer dez anos antes.
Álvaro, sempre um passo a frente que qualquer outra pessoa que ela conhecia, veio a seu socorro e em um tom gentil e familiar, tomou a iniciativa de “apresentar” os amigos do noivo.
A surpresa pelo termo “noivo” a distraiu, mesmo que momentaneamente, da tempestade de emoções que ameaçava seu controle.
       E assim o homem que ela conhecera como Renato e que cantarolava Faroeste Caboclo sem errar a letra, agora lhe era apresentado como André. O que implicava com a enfermeira Janis, que na época respondia pelo no nome de Mick agora se chamava Marcos. O homem reservado de traços árabes que antes era Fred, lhe era apresentado como Matheus. O Axel, que gostava de rock e de cozinhar, chamava-se João. Ela se perguntava se esses seriam seus nomes verdadeiros, quando o nome Bartolomeu realmente a surpreendeu.
       - Pode me chamar e Bart. – Bourregard pediu charmoso.
Ao tocar na mão dela, no mesmo cumprimento formal dado pelos demais, sentiu o peito apertar. A mão dela estava fria, aliás, excessivamente fria. A face estava tão branca como folha de papel, parecia que ela desmoronaria a qualquer momento.
       Alicia sentiu que regressara dez anos no tempo...
Sentir o toque gentil em sua pele, ouvir a voz grave de timbre suave...
Era tudo tão intenso, tão... 
Fez a única coisa na qual conseguiu pensar, num tom quase inaudível pediu licença e fugiu.


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