sábado, 23 de agosto de 2014

MEU DESTINO É VOCÊ - Capítulo 03


Um Homem de Família

Sete dias depois...

- O cheiro esta uma delícia! – Sarah comentou ao se aproximar e colocar a bandeja com pães de alho assados na mesa ao lado da chapa, onde o irmão preparava a carne.

- Mais uns dez minutos e poderemos jantar – Theo avisou enquanto virava a carne sobre a chapa. Consultou os conteúdo embrulhado em papel alumínio sobre a outra chapa, checando o preparo dos legumes.

Theo estava sinceramente feliz com a presença de Sarah e das crianças em sua casa. A visita da irmã e dos sobrinhos sempre trazia aconchego e uma vibrante energia. 

Os sons de desavença infantil chegaram à cozinha instantes antes de uma chorosa Clara entrar pela porta se atirar nos braços mais próximo.

- O Pedro me empurrou – disse entre lágrimas, abraçada ao pescoço da mãe.

- A culpa é dela! – O jovem Pedro acusou, com a autoridade de irmão mais velho, aos sete anos de idade.

Theo, sabiamente ocultou sua diversão. As discussões dos sobrinhos o faziam recordar da sua própria infância.

- Venha cá rapaz – Ele chamou o menino.

Prevendo uma bela bronca, Pedro se aproximou lentamente, literalmente arrastando os pés. No rosto tinha a mesma expressão teimosa e determinada, que muitas vezes Theo enxergava na face da irmã.

Mais divertido, do que bravo, ele se agachou, até ficar da altura do menino.

- Qual é o seu sobrenome? – Perguntou sério.

Pedro olhou confuso para ele.

- O que – Pedro tentou protestar, porém o tio o interrompeu.

- Qual é o seu sobrenome? – Theo repetiu a pergunta.

- Gawendo – O menino murmurou. 

- Completo – O tio exigiu mais uma vez.

- Santini Gawendo – o menino respondeu com cabeça erguida.

O orgulho aqueceu o peito do tio.

- Nós, os homens da família Santini, protegemos nossas mulheres.

Pedro abriu a boca para protestar.

- Todas elas – Theo enfatizou.

O menino revirou os olhos em gesto aborrecido.

- As mulheres devem ser tratadas como princesas Pedro – disse com seriedade – Até chegar o dia em que escolherá a mulher que irá tratar como uma rainha.

- Argh! – Pedro protestou com desgosto. – Meninas são choronas.

Theo insistiu com o teimoso Pedro Santini Gawendo.

- Meninas são especiais, preciosas e sensíveis. Nós os homens Santini, protegemos e cuidamos das nossas meninas. E os homens Gawendo não são diferentes.

Ele já esperava o olhar questionador do menino.

- O seu pai foi um homem assim – Theo comentou com voz carinhosa.

O menino respirou fundo à menção da memória do pai.

- Sim senhor tio Theo – Pedro respondeu encarando corajosamente o homem mais velho.

- O que um homem Santini Gawendo faz agora? – Theo perguntou sabendo que o sobrinho tomaria a atitude correta.

Pedro ergueu a cabeça e praticamente marchou até a mãe e a irmã.

- Desculpe Clara – o menino disse olhando para o rotinho vermelho e choroso da irmã.

- Como é que uma dama de coração nobre responde em uma situação como essa Clarinha? – O tio perguntou, animando a menina a fazer as pazes com o irmão.

- Tá desculpado – A menina respondeu ainda fungando.

- Você quer voltar a brincar? – Pedro perguntou.

- Hum Hum – Clara respondeu já deixando o colo da mãe.

Theo e Sarah observaram em silêncio os irmãos, de mãos dadas, deixarem a cozinha, em direção ao quintal.

- Obrigada – Sarah agradeceu em voz baixa.

- Não fique tão impressionada. Se eles se parecem com a gente nessa idade, daqui a vinte minutos estarão começando outra guerra – Comentou divertido, novamente concentrado na carne.

- Você será um ótimo pai Theo – Sarah comentou colocando a mesa para o jantar.

- Estou muito satisfeito com o papel de tio, acredite – Theo respondeu divertido retirando a carne da chapa e as colocando em um refratário.

- Não pensa mesmo em construir uma família? – Sarah perguntou, esquecendo por um instante sua tarefa.

- Estou feliz como estou Sarah – Respondeu sincero.

A imagem de uma mulher com pele cor de chocolate, olhos cor de whisky e cheiro de morangos silvestres cruzou sua mente e aqueceu seu peito.

Cristo onde ela estava? Quem era ela para começo de conversa? Pensou consigo mesmo, frustrado.

- Ah, quase esqueci, preciso pedir um favor! – Sara comentou e seguiu em direção à sala.

A voz da irmã o resgatou das lembranças.

Theo colocava as travessas de carnes e legumes sobre a mesa, quando a irmã retornou a cozinha com um envelope e estendeu em sua direção.

- Preciso que entregue isso em mãos amanhã – Sarah informou.

- E isso é? – Ele perguntou ao pegar o envelope.

- É uma carta da Sinfônica de Londres. Um convite à uma musicista chamada Eva Martins. Estava entre os trabalhos do curso de literatura. Acreditei que algum dos meus alunos, havia deixado o documento entre as páginas do trabalho, mas não foi nenhum deles. Então me lembrei do seu acidente no metrô, acredito, que isso pertence a uma das pessoas que o ajudou a recolher os documentos.

Theo abriu o envelope e leu o documento escrito em um inglês britânico formal. A primeira página consistia no convite e a segunda eram instruções para confirmação do aceite do convite na página da organização. Ainda analisava a carta convite quando a voz de Sarah interrompeu suas indagações.

- Já fiz o trabalho de casa – Sarah informou arrumando os talheres – Consegui o endereço da escola de música onde a Eva Martins trabalha. Amanhã ela dará aulas no período da tarde. Você só tem que devolver a carta a ela. Em nãos, é claro.

Theo olhou o endereço anotado a lápis no envelope. Constatou não ficar longe do local no qual ele e a equipe estavam trabalhando.

- Sabe que horas ela chega para dar aula? – Perguntou.

- De acordo com a recepcionista com quem falei ao telefone, a primeira aula é às treze horas, mas a professora Eva chega sempre com no mínimo meia hora de antecedência.

Theo olhou novamente para a carta em suas mãos. O documento continha apenas o nome e informações técnicas e o envelope original não estava entre os papéis. Nem ousou questionar como Sarah conseguira as informações, a mulher tinha vocação para ser detetive.

- Você deveria trabalhar para polícia! – Theo resmungou colocando a carta de volta ao envelope providenciado pela irmã.

- Se não estivesse com o dia super corrido, eu mesma entregaria essa carta - Sarah comentou não dando importância aos resmungos do irmão – Será a primeira sul-americana a tocar na Sinfônica de Londres – concluiu com entusiasmo.

- Graças a você – Theo respondeu colocando a carta sobre a bancada da cozinha – Vou chamar os jovens desbravadores para o jantar – disse já deixando a cozinha.

Quando chegou ao deck da varanda Theo fechou os olhos e inspirou o ar noturno, em um ritual antigo e particular. Os sons de alegria o fizeram sorrir e buscar os sobrinhos com o olhar. Estavam na casa da arvore, entretidos em uma brincadeira de um misto de Ben 10 e Monster High. 

As crianças adoravam o quintal de quatrocentos metros quadrados do tio Theo. Era um espaço em que podiam correr, brincar e sonhar. Bem diferente dos bem cuidados e premiados jardins da mansão Santini, onde a grama jamais poderia ser pisada.

Quando procurou os antigos donos, interessado em comprar a propriedade, seu objetivo era derrubar o imóvel de dois andares e instalar em todo o terreno um viveiro de mudas e plantas em sociedade com seu amigo Sebastian, um botânico excepcional. Mas ao entrar na casa de linhas clássicas e conhecer o inimaginável quintal, com enormes palmeiras cariocas, bananeiras ornamentais e bastões imperador que camuflavam o muro de sete metros sombreando todo o espaço, foi irremediavelmente seduzido e se rendeu. 

A casa precisava de alguns reparos e o jardim precisava de algum trabalho, mas ao pisar naquele lugar ele soube que esse seria o seu lar. A primeira providência ao receber as chaves, foi a construção da casa da árvore. O cunhado falecera há poucos meses e aquele presente ajudou os sobrinhos a superarem a dor da perda.

Tanto Pedro, quanto Clara, deram umas marteladas e ajudaram carregando material para construção. Ao final experimentaram pela primeira vez, ainda muito pequeninos, o prazer de construir algo com as próprias mãos.

- Hora do jantar – Gritou e observou a dupla descer as escadas de acesso à casa da árvore em uma farra fraternal. Passaram correndo por ele, em uma flagrante declaração de fome.

Theo contemplou o quintal mais uma vez.

A imagem da mulher de pele cor de chocolate dançou diante dele, frágil, etérea.

Estava obcecado em encontrá-la.

Na última semana, fora todos os dias à estação do metrô e permanecera por lá por pelo menos quarenta minutos. Os funcionários já o reconheciam e conheciam sua história. Reencontrou várias das pessoas que o ajudaram com os trabalhos de literatura espalhados pelo chão, menos ela.

- Merda! Praguejou em voz baixa.

Não tinha um nome, um apelido, ou telefone. Não tinha nada.

- Inferno! Resmungou.

Precisava tirar aquela mulher da sua mente.

Era um homem saudável de trinta e quatro anos, no auge de sua vida sexual. Sonhar com uma mulher que vira por um fugaz momento era uma loucura, uma insanidade. Precisava tomar umas cervejas com os amigos e erradicar sua frustração nos braços de uma linda e acessível mulher. No dia seguinte mandaria uma mensagem para Bas o convidando para um happy hour, decidiu.

Ouviu a voz de Sarah o chamando para o jantar.

Olhou mais uma vez para o incomum jardim, despedindo-se da imagem imaginária da mulher, que por um instante, em uma manhã comum, balançou seu mundo.

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- Você o quê? – Laura perguntou completamente estupefata.

- Eu sei Laura! É um absurdo e inaceitável, mas eu perdi a carta! – Eva repetiu a desastrosa notícia com a voz afônica por uma repentina rouquidão.

Caminhava de um lado para outro, percorrendo a extensão de sua sala de estar, prevendo o momento em que o vizinho do apartamento abaixo do seu, bateria a sua porta, reclamando da “romaria” em seu apartamento.

-Tem certeza? Já procurou em todos os lugares possíveis? – Laura perguntou ainda sem acreditar.

Eva enviou um olhar “assassino” a amiga.

- Não Laura. Estou histérica por pura diversão – Ela resmungou sem parar de caminhar.

- Brigar comigo não irá resolver o seu problema – Laura retrucou também irritada.

Eva deixou o corpo afundar sobre a confortável poltrona, posicionada ao lado do sofá, de onde Laura a olhava, ainda escandalizada. 

- Já procurei por todo o apartamento, no conservatório, no instituto, no metrô, na empresa de ônibus, até vasculhei o lixo do meu prédio!

Laura fez uma cara de nojo à menção do lixo do edifício.

- Isso é um desastre! – Eva lamentou ignorando a expressão de nojo da outra mulher.

- Calma Eva – Laura pediu, tentando acalmar a amiga.

- Estou desesperada! – Eva continuou – Liguei para Londres, ele me disseram que uma segunda via pode demorar de dez a quinze dias. Em quinze dias vence o prazo para aceitar o convite.

Laura bufou contrariada,

- Quinze dias para emitir a segunda via de um documento? – perguntou ainda mais incrédula – Em pleno século vinte e um? E ainda se dizem de primeiro mundo... – resmungou.

Eva deixou escapar um riso desanimado ao ouvir os resmungos de Laura. Mesmo depois de tanto tempo de amizade não entendia o motivo da birra da amiga contra os ingleses. Sempre se referia a eles como arrogantes e falsos moralistas, sem nunca explicar o real motivo da implicância.

- Meu futuro está naquele documento Laura – Eva desabafou – Droga! – resmungou se levantando novamente.

Por alguns minutos, Laura observou em silêncio enquanto Eva recomeçava a caminhar de um lado para o outro do cômodo.

- Já foi ao médico ver essa rouquidão Eva? Parece bem pior que há dois dias – A bailarina mudou o tópico da discussão, na tentativa de acalmar a amiga e ter tempo para pensar em um modo de ajudá-la.

Eva inspirou irritada.

- Fui e adivinha? – perguntou com ironia - Ele disse que é emocional. Portando a coisa só tende a melhorar – Eva respondeu com ironia.

- Veja pelo lado positivo, pelo menos você não é cantora! – Laura brincou e arrancou um riso desanimado da outra mulher, que não parava de caminhar de um lado para outro.

Por Deus! Eva rogou angustiada. 

Aquele pesadelo não poderia estar acontecendo com ela! Pensou. 

- Porque não fiz todo procedimento de aceite assim que recebi o documento? – Recriminou-se.

- Porque você não estava pronta – Laura retrucou.

- Porque sou uma idiota, isso sim! – Eva resmungou.

Dessa vez, foi Laura quem respirou profundamente. Levantou-se seguiu em direção da cozinha do apartamento, completamente familiarizada com o espaço que considerava sua segunda casa.

- Daremos um jeito – Decretou com autoridade ao retornar com duas taças e uma garrafa de vinho – Sempre damos um jeito, não é? – insistiu e estendeu em das taças para a amiga.

Eva sorriu ao recordar quantas vezes disseram aquela frase uma para outra, nos últimos vinte anos.

Em silêncio observou a amiga-irmã servir as duas taças de vinho e voltou a se acomodar na poltrona, enquanto Laura voltou a ocupar seu lugar favorito no canto do sofá.

- A essa hora da noite, não podemos fazer mais nada – Laura ponderou – Amanhã pela manhã, vou falar com as pessoas que conheço em Londres, talvez a gente consiga abreviar esse tempo absurdo.

- Laura, não quero que fique devendo favores a ninguém por minha causa – Eva contra argumentou – A confusão é minha, eu conserto essa bagunça.

- Bobagem – Laura fez um gesto de deixa para lá com um das mãos – Na verdade, tenho uns favores pendentes por aí, está na hora de cobrar alguns – disse saboreando o vinho.

Eva abriu a boca para protestar, mas foi interrompida.

- Vamos mudar de assunto, afinal, não resolveremos nada hoje mesmo – Laura retrucou e mudou de posição no sofá, se aproximando de Eva.

Na face trazia um expressão travessa.

- Alguma noticia do bonitão do metrô? – Perguntou.

Eva riu, apesar de seu estado de ânimo.

- Eu nunca deveria ter contado sobre ele a você! Vai passar o resto da minha vida me perturbando por conta dessa história – Resmungou divertida, tomando o primeiro gole de vinho.

A mente vagou para o momento que seus olhos encontraram os dele, de um intenso e vibrante azul.

- Não respondeu minha pergunta dona evasiva – Laura fingiu resmungar.

- Não voltei a encontrá-lo no metrô. E não sei o nome dele, ou onde trabalha, ou o telefone como já deixei claro há uns dias atrás – Disse tomando mais um gole de vinho.

Na verdade ela sabia onde ele trabalhava, mas nunca contaria a Laura.

Nos papéis que ajudou a recolher, reconheceu nos cabeçalhos, o nome de duas universidades. E como uma idiota, ou pior, uma perseguidora, se plantou por horas diante do acesso às duas instituições e para que? Perguntou-se. Não fazia ideia.

- Ainda não entendo como pôde ir embora e deixar o homem lá! – Laura insistiu no assunto.

- Eu tinha uma aula para dar! - Eva defendeu-se.

- Faltasse! – Laura respondeu na lata.

- Você é inacreditável! – Eva revidou, porém não conseguiu conter o riso de diversão pela teimosia da outra mulher.

- Mas pelo que me contou valeria a pena, ou não? – A amiga provocou.

A memória da sensação que percorreu seu corpo ao ser abraçada por ele, invadiu sua mente e aqueceu sua pele.

Eva não tentou disfarçar o sorriso descarado que tomou conta de seu rosto.

- Nossa e como! – Respondeu com um suspiro.

- Ele era tão bom assim? – Laura quis saber.

- Não sei explicar o como ou porque, mas era como se eu já o conhecesse, como meu corpo todo o reconhecesse... Ele me olhava de uma maneira que... UAU... Era como se enxergasse minha alma, entende? - perguntou com olhos brilhando.

Por um breve momento Laura ficou sem palavras. Há anos não Eva se interessar por homem algum. Ela inclusive esteve preocupada, com a possibilidade de a amiga ter feito algum voto de celibato ou coisa assim, pois não era normal uma mulher bonita e no auge de seus vinte e oitos anos ter uma vida assexuada.

- Não acredito que deixou esse homem escapar – Disse por fim.

- Nem eu – Eva disse com uma expressão sonhadora. - Nem eu. 



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