Capítulo 7 - O universo
conspira contra ou a favor?
Dois dias depois
Seus apressados e barulhentos passos ecoavam pela escadaria do
edifício. Sem se preocupar com a falta de elegância, Eva pulava os degraus de
dois em dois, equilibrando o violoncelo de um lado e sua bolsa de outro, atenta
ao toque insistente do telefone em seu apartamento.
- Quem achou boa ideia comprar um apartamento em prédio antigo? –
resmungou contra si mesma – E tudo porque ficou encantada com o elevador de
porta de ferro sanfonada do início do século passado? - praguejava ao pegar a
chave – E daí descobre que “a coisa” vive quebrada – continuava falando
sozinha.
Abriu apressadamente a porta, equilibrando de forma desajeitada o
instrumento e a bolsa em uma única mão. A campainha do aparelho soava em timbre
quase desesperado. Entrou no apartamento e correu para atender ao telefone sem
se preocupar em fechar a porta.
- Alô! - disse com a voz ofegante.
Em resposta ouviu o tum tum tum do tom de ocupado. Seja quem for
que estivesse do outro lado da linha, desistira.
- Droga! - Praguejou - Tanta correria para nada - resmungou ao
colocar o aparelho sem fio sobre a base. Seguiu com o violoncelo para o cômodo
que chamava de sala de música e com todo cuidado retirou o instrumento da capa
protetora e o depositou junto aos outros dois, no apoio esculpido especialmente
para esse fim. A sala de música era seu lugar de estudo e criação.
Retornou à sala de estar. Intrigada, mirou o telefone sem fio com
os olhos semicerrados. O aparelho vintage, imitava a forma dos antigos
aparelhos com discador. Fora um presente de Laura e claro, não possuía
identificador de chamadas. A mulher era contra tal recurso tecnológico e
justificava sua posição com um argumento mais mirabolante que o outro.
Na noite anterior acontecera à mesma coisa, pensou com os olhos
ainda fixos no aparelho.
Parecia ser alguém que sabia que aquele horário já estaria em
casa. Porém nos ultimo dois dias, chegara bem mais tarde.
- Bom, se você quiser mesmo falar comigo, vai ligar de novo –
ponderou.
Os olhos contemplaram a porta que esquecera aberta na pressa
para atender a ligação. Ao trancar a porta notou o papel dobrado sobre o chão.
Ao pegar e abrir, constatou ser a ordem de serviço de sua operadora de
internet. O documento avisava que o reparo solicitado por ela há cinco dias,
não fora realizado, pois o técnico não teve acesso ao apartamento para testes e
possível substituição do modem.
- Perfeito! – resmungou encostada à porta fechada.
Consultou o relógio em seu pulso e respirou cansadamente ao
constatar o avançado da hora. Ponderou se deveria o não desmarcar o encontro
com Laura e Rafaela. Tivera um dia cansativo, não estava com ânimo, nem
espírito para barzinho ou boate. Queria mesmo era um longo banho quente, vestir
sua ridícula camisola de algodão com o tema dos smurfs e assistir vários
episódios da série The Mentalist em sua TV.
O protagonista a fazia lembrar-se do desconhecido do metrô.
Estava impressionada e talvez um pouco obcecada por ele, admitiu
para si mesma. Todas as vezes que avistava um homem de cabelos loiros seu
coração acelerava.
Naquela manhã, esteve mais uma vez, na universidade na qual ele
dava aulas de literatura. E mais uma vez não viu qualquer sinal dele entre o
mar de estudantes e professores que circulavam pelo campus.
- Porque esse homem não me sai da cabeça? – Perguntou-se frustrada
por reconhecer o quão improvável seria esbarrar com o sujeito uma segunda vez,
em uma cidade do tamanho de São Paulo.
Com um suspiro resignado, pegou a bolsa e se dirigiu para o seu
quarto.
Conhecia Laura Mondrian o suficiente para saber que a mulher
bateria em sua porta e a arrastaria para o tal bar à força, caso se atrevesse a
cancelar a noite de badalação.
Duas horas mais tarde, depois de um longo banho e uma produção
confortável, porém, elegante, sentia-se revigorada. Pegou a bolsa pequena,
própria para ocasiões como aquela. Mesmo estando atrasada sentia o ânimo
renovado, afinal encontrar as amigas era sempre bom, pensou entusiasmada.
Trancou o apartamento e seguiu diretamente para escadaria. Não
havia chance de que Herbie, nome pelo qual chamava o quase centenário elevador,
voltasse a funcionar naquela noite.
Estava quase no andar abaixo do seu quando ouviu seu telefone
tocar.
- Estou indo Laura! – resmungou apressando o passo.
Na certa era a mulher ligando para xingá-la sobre o atraso.
- Droga! – Praguejou ao recordar da ligação que não conseguiu
atender.
Subiu os degraus o mais rápido que os sapatos de salto permitiam.
Abria a porta quando a campainha do aparelho silenciou.
- Que ótimo! – resmungou aborrecida. – Vou dar vinte segundos para
você ligar novamente – anunciou para o aparelho inanimado e começou a contar em
voz alta.
O aparelho permaneceu em silêncio até o fim da contagem.
- Tente novamente amanhã! – Respondeu para si mesma e saiu
apressada, decidida a se divertir.
*****************
O som da banda de rock animava a noite no bar Underground. O
nome identificava a balada frequentada pelas diversas tribos do cenário
alternativo de São Paulo. Nas mesas, as conversas animadas rivalizavam
com o som da pista de dança, onde os clientes mais entusiasmados acompanhavam o
show ao vivo, cantando junto com a banda. Barmans experientes atendiam os
movimentados balcões com agilidade e precisão. O estabelecimento de dois
andares era decorado com vinis, pôsteres, placas e peças em estilo vintage que
fazia sucesso entre os frequentadores.
Indiferente ao clima descontraído do ambiente e com cara de poucos
amigos, Theo desligou o celular.
O que acontecia com essa mulher que não atendia telefone e nem
respondia e-mails? Pensou frustrado.
- Porra cara! Desencana! Esquece essa mulher! – Sebastian comentou
ríspido. A voz alterada o suficiente para ser ouvido acima do som ambiente do
bar – Ela não atende e não retorna suas ligações. Não responde seus e-mails.
Qual parte do “eu não estou interessada” você ainda não entendeu? – Perguntou
irritado.
Nunca vira Theo tão impressionado e envolvido por uma mulher que
sequer conhecia. E ao que indicava Eva Martins não estava interessada.
- Vá à merda Sebastian! – Theo respondeu no mesmo tom.
Depositou o celular sobre a mesa e bebeu um gole de cerveja.
- O bar está cheio de mulher bonita – Bas argumentou em um tom de
voz impaciente – Posso sem esforço algum, identificar três gostosas que estão
tentando chamar sua atenção há pelo menos meia hora! Qual é o seu problema? –
perguntou.
- Qual o seu problema? – Theo devolveu a pergunta encarando o
amigo.
Incomodado com a verdade implícita nas palavras de Bas, tomou um
pouco mais da sua cerveja e observou o ambiente a sua volta. Reconhecia não
estar em seu melhor dia, ou melhor, noite. Depois de uma semana complicada, na
qual tivera desde problemas com fornecedores, cliente exigindo um jardim que
imitasse as cachoeiras flutuantes do filme Avatar, a um acidente envolvendo um
de seus empregados na tarde do dia anterior. Tudo o que precisava era um pouco
de silêncio e solidão. Não estava com humor, nem disposição para estar em um
lugar lotado e barulhento. O que desejava para aquela noite de sexta-feira era
trabalhar na terra de seu jardim, enquanto ouvia um CD da Alicia Keys.
- Cara, pensa direito, onde acredita que ela está em uma noite de
sexta-feira a essa hora? – Bas perguntou com ironia.
Recebeu um olhar frio e cortante como resposta.
Sebastian percebeu que ultrapassara a extensa margem permitida
pela amizade de muitos anos.
- Nenhuma mulher vale tudo isso – Bas argumentou em um tom
conciliador.
Theo cruzou os braços e encarou o amigo. Sebastian tinha motivos
concretos para estar tão cético. O homem investiu pesado em uma relação, que em
sua opinião estava fadada ao fracasso desde o primeiro olhar. Lavínia tinha um
corpo de Top Model, o coração de uma cascavel e a índole de uma puta. Trepava
com quem pagasse mais. Bas e as promessas de uma vida juntos, foram trocados
pela cama e conta bancária de um importante executivo trinta anos mais velho.
Era a primeira noite em meses, com exceção do concerto para qual
fora arrastado, que o homem se aventurava a deixar o eremitério no qual
transformou o próprio apartamento. Reconhecia estar sendo um péssimo amigo e
uma companhia ainda pior.
Theo terminou sua cerveja e levantou.
- Para mim já deu – disse tirando a carteira do bolso de trás da
calça – A gente se fala mais tarde! – colocou algumas notas sobre a mesa e
pegou o celular.
- Está doido? A noite mal começou! - Argumentou surpreso.
- Acredite, estará melhor sem mim Sebastian. – respondeu e seguiu
para saída.
Bas se levantou determinado a seguir o homem que atravessava o
salão lotado do bar e arrastar o sujeito de volta.
- Mas que por... – o xingamento morreu em sua boca ao dar o
primeiro passo.
Literalmente boquiaberto, avistou uma mulata de cabelos cacheados,
que pedia licença para conseguir avançar através do espaço abarrotado de
pessoas. A observou sorrir sem graça e dispensar um sujeito que a
abordou.
A cabeça girou para a direção na qual Theo acabara de sair.
- Isso é piada! – Resmungou ao alcançar o celular e teclar o
numero gravado na discagem rápida. – Atende cara! - Praguejou.
Sem tirar os olhos da mulher, a viu se aproximar de uma mesa. Duas
mulheres, uma ruiva e uma morena, levantaram para cumprimentar a recém-chegada.
Reconheceu Laura Mondrian e Rafaela Cavalhero.
Por um instante, os olhos deixaram à mulata e se concentraram na
morena que sorria, envolvida no bate papo descontraído com as outras duas.
Imediatamente o amontoado de emoções conflitantes tomou conta dele. Era
incomodo e indesejado, assim como a senhorita Rafaela Cavalhero.
A voz anunciando que a ligação seria enviada a caixa postal soou
em seu ouvido.
- Merda! – Xingou pela distração indesejada.
Desligou e ligou novamente.
Theo acabara de entrar em seu carro quando o celular tocou
pela terceira vez. Pensou em novamente ignorar a ligação, mas conhecia Bas o
suficiente para saber que o homem não desistiria.
Com um xingamento atendeu o aparelho.
- Já disse que essa noite estará melhor sem mim.
Sem dar tempo ao outro homem para dizer qualquer coisa, encerrou a
ligação e desligou o aparelho.
Bas chegou à rua a tempo de ver o carro de Theo virar a esquina.
Mais uma vez ligou para o celular do amigo. A ligação caiu direto
na caixa postal.
- Mas que merda! Praguejou ao entender que o homem desligara o
aparelho.
- Cara, ela está aqui no bar! Sua dama de pele cor de chocolate
derretido e olhos cor de whisky acabou de chegar. Volta agora para o maldito
bar! – gritou no aparelho.
Frustrado mirou a fachada do bar.
Restava voltar a entrar, observar a violoncelista de longe e
torcer para Theo ouvir sua mensagem. Aproximar-se da mesa e forçar uma
apresentação estava fora de questão. Não chegaria perto da mulher sem a
presença do amigo. Com o humor de cão que o homem estava naquela noite,
acabaria confundindo seu gesto com algum tipo de provocação.
- Essa noite vai ser longa – resmungou.
Retornou ao interior do estabelecimento praguejando contra o mundo
ser um lugar pequeno e contra morenas que iluminavam o rosto quando
sorriam.
**************
Na tarde seguinte
Com o violoncelo protegido pela capa personalizada e preso a suas
costas, Eva deixou o histórico edifício de estilo neoclássico da Estação da Luz
e seguiu em direção ao prédio da Pinacoteca. Não conseguiu evitar que seu
coração se encolhesse dolorido a cada passo.
Não era somente a degradação dos edifícios e calçadas que apertava
seu peito. Mas também a condição da miséria humana que habitava aquela região.
Almas e espíritos perdidos para as drogas, prostituição e o crime. Aquelas
pessoas morriam lentamente diante dos olhos da cidade que parecia não querer
enxergar...
Refletiu sobre seu trabalho na fundação. Sua missão era suscitar a
paixão pela música e pelas diversas formas de arte. Fazer com que cada um de
seus alunos enxergasse o mundo, suas próprias vidas por um novo prisma e porque
não, oferecer novas escolhas.
Ela tinha paixão por seu trabalho e acreditava no que realizava,
com todas as forças de seu ser. Porém, deparar-se com o efeito avassalador do
crack, cocaína e outras drogas baratas e devastadoras, ainda feria seu coração.
Pensativa, parou diante do prédio da Pinacoteca. Consultou o
relógio vintage em seu pulso e constatou ter bastante tempo, antes do início do
sarau literário, para o qual fora convidada a participar. Decidiu parar na
cafeteria que ficava ao lado do prédio e tomar um quente e saboroso café.
Nada como um bom café para reanimar o espírito! Pensou e permitiu
que seus passos a guiassem até o estabelecimento, que tinha como vista o belo
Parque Jardim da Luz.
************
Em pleno outono, o calor reinara por boa parte do dia.
Apesar de o sol ter iniciado sua descida, em uma lenta despedida,
os moradores da metrópole experimentavam a sensação térmica do auge do verão.
Naquele final de tarde de sábado, os parques arborizados estavam repletos de
visitantes, sedentos pelas temperaturas mais amenas e a irresistíveis sombras
das árvores.
Theo escavava com vontade o solo que contornava as raízes do que
um dia fora uma árvore de beleza incomparável. A “imponente senhora”, que
durante várias décadas, encantara todos que passeavam pelo hoje conhecido
Parque Jardim da Luz, já não vivia. O tronco oco e adoentado, fora
respeitosamente cortado por seus empregados.
Restava agora escavar a terra e liberar as profundas raízes. Um
trabalho minucioso que em outra oportunidade ele teria deixado para
segunda-feira. Mas não naquele sábado.
Dispensara sua equipe às onze e meia da manhã e inexplicavelmente
eles permaneciam com ele, pareciam determinados a participar da extração e
funeral da “senhora do parque da luz”. Após a retirada, o solo seria
cuidadosamente preparado para receber uma nova e saudável árvore, que em alguns
anos, cederia seus galhos e folhas, para quem tivesse a sorte de se proteger do
sol e do calor sob sua sombra.
Apesar de frustrado e furioso, trabalhava com a reverência que a
velha árvore merecia. Necessitava do esforço braçal, metódico e exaustivo para
expurgar seus fantasmas e esgotar o corpo.
Eva.
A imagem da mulher brilhou com intensa nitidez em sua mente.
Os golpes na terra em torno das raízes ficaram mais fortes.
Porque a mulher não atendia suas ligações e não respondia seus
e-mails?
“Cara, pensa direito, onde acredita que ela está em uma
noite de sexta-feira a essa hora?” A frase de Bas ressoou em sua mente mais
uma vez.
A mensagem recebida e registrada com um impacto inesperado.
Ele estava com ciúmes. Reconheceu para si mesmo.
Aumentou a intensidade dos golpes.
Atraiu sem se dar conta, a atenção dos empregados envolvidos em
outras tarefas.
Estava com ciúme de uma mulher que vira uma única vez! E por menos
de dez minutos! Praguejou em silêncio.
Estava obcecado por ela.
Mas isso acabaria ainda naquela noite.
Trabalharia até a exaustão, depois tomaria um porre sozinho em sua
casa.
No dia seguinte teria uma ressaca e estaria pronto para voltar a
sua vida.
Era um homem saudável de trinta de quatro anos! Pelo amor de Deus!
Chega de Eva Martins, seus infindáveis desencontros e total
desinteresse!
Bas estava certo. Ela não estava interessada.
Fosse o que fosse que sentiu no metrô, fora fruto se sua mente
hiperativa.
Devia desculpas a Bas, reconheceu.
Ao ligar o celular pela manhã, viu o número absurdo de mensagens
em sua caixa postal. Ao ouvi-las sentiu ainda mais irado e frustrado.
A mulher estava na cidade, linda, saudável e bem disposta o
suficiente para badalar em uma noite de sexta. Mas não encontrava tempo para
atender suas ligações ou simplesmente responder um único e-mail.
Passou o dia inteiro com um humor de cão. Atendera somente duas
ligações, uma de Sarah, sua irmã e a outra de Maria Flor. As demais ligações
foram sumariamente ignoradas. Tinha algumas mensagens de voz em sua caixa
postal, provavelmente de potenciais futuros clientes, mas que seriam ouvidas
mais tarde. Do jeito que estava, espantaria o futuro cliente em vez de
conquistar.
E tudo por uma mulher que cheirava a morangos e possuía
embriagadores olhos cor de whisky.
Chega! Pensou sulcando a terra com vontade.
Agora quem não estava mais interessado era ele! Decretou em
silêncio.
Sentiu as raízes cederem.
Estava na hora.
Chamou dois, dos cinco ajudantes, para ajudá-lo a forçar o que
restara do tronco seco, até conseguir retirar toda extensão das raízez sob o
solo.
*********
Após o delicioso capuchino e uma fatia gulosa de torta holandesa,
Eva sentia seu espírito revigorado. Mais uma vez consultou o relógio e sorriu
satisfeita ao perceber que ainda tinha alguns preciosos minutos.
Sem dar tempo a si mesma, para qualquer argumentação contrária,
deixou a cafeteria e entrou no Parque Jardim da Luz. O lugar sempre a
encantara.
O jardim da Pinacoteca, nome pelo qual insistia chamar o parque, a
fazia pensar em um oásis. Localizado em uma região degradada, o espaço verde,
possuía um espelho d’água e um lindo e majestoso coreto, era um espaço que
convidava a meditação e ao prazer do contato com a natureza.
Enquanto caminhava, recordou o encontro com as amigas na noite
anterior.
Fazia tempo que não ria e dançava tanto.
Laura estava impagável e Rafaela, animada pela noite de meninas,
não deixou por menos. Foram abordadas por vários homens, afinal eram três
mulheres sozinhas em um bar em plena noite de sexta-feira. Porém a única saia
justa, fora a aproximação de um homem moreno, de olhar intenso, que abordou a
morena Rafaela Cavalhero. A conversa entre eles fora rápida e pelo que ela e
Laura notaram, nada amigável.
Laura reconhecera o sujeito, mas não recordava exatamente de onde.
O que para ela, não era novidade. A mulher era péssima fisionomista.
Os pensamentos mudaram de rumo e ela se pegou pensando nos e-mails
recebidos de Theo Santini. Depois de mais de uma semana brigando com sua
operadora de internet, o técnico finalmente aparecera naquela manhã. Após ter
seu serviço restabelecido, constatou que Theo enviara cinco mensagens pedindo
para que entrasse em contato com ele. O que foi possível somente por ele ter
tido o bom senso de informar o número de seu celular nas mensagens, pois ela
perdera junto com o celular que fora roubado.
Ligou para ele algumas vezes, ainda pela manhã, porém não
conseguiu contato. Por fim deixou duas mensagens. A segunda para informar quem
era a pessoa da primeira. Ao desligar, depois de deixar a primeira mensagem de
voz, se deu conta de que não havia se identificado e como mantiveram contato
somente por mensagem de texto, ele não teria ideia de quem era a voz em sua
caixa postal.
Eva estacou ao perceber que seus passos a levaram exatamente ao
coreto do Jardim da Luz. Com inspiração na arquitetura inglesa, o coreto
contava com nove abóbadas e estrutura em ferro e tijolo. A construção imponente
sempre a fascinara e após o fim do restauro, voltara a sua antiga glória.
Os lábios literalmente se abriram ao perceber que a porta de
acesso às escadas que levavam a parte superior do coreto estava aberta. Aquele acesso
sempre estava fechado, a não ser que uma apresentação estivesse agendada.
Nunca tivera a oportunidade de estar lá em cima.
Sempre desejou se apresentar ali. Não uma apresentação para
convidados importantes. Seu sonho era subir, se acomodar no centro do coreto e
deixar a música fluir. Atrair os visitantes do parque por sua melodia.
Um concerto inesperado.
Sorriu ao sentir borboletas em seu estômago, instigando a realizar
seu sonho.
Olhou furtivamente para os lados. Nenhum funcionário do parque a
vista.
Com passos apressados, o coração aos saltos e uma travessa
gargalhada presa em sua garganta, subiu os degraus. Prendeu a respiração ao
chegar ao topo das escadas. O piso estava tomado por pequenas caixas que
continham mudas de plantas e flores. Entendeu o porquê a porta estava aberta.
Os responsáveis pela manutenção do parque estavam usando o lugar para guardar
as espécies que em breve estariam por todo lugar.
Isso significava que ela deveria descer imediatamente, antes que
fosse flagrada em sua “invasão”.
Os olhos contemplavam a vista que tinha lá de cima. Era de tirar o
fôlego.
Um oásis. Pensou ao se aproximar das grades de ferro.
Avistou um grupo de trabalhadores empenhados na remoção, do que
parecia ser o tronco, há alguns metros e compreendeu que eram os responsáveis
pelas mudas.
Em silêncio agradeceu a distração deles e lamentou a perda daquela
árvore.
O mundo está ficando cada vez mais cinza! Pensou distraída.
O homem que parecia conduzir o trabalho de remoção, soltou uma das
mãos e ajeitou o boné sobre sua cabeça.
Eva sentiu o coração parar.
No instante seguinte, o órgão vital batia desesperadamente em seu
peito.
O homem de cabelos loiros instruiu os outros dois ajudantes e após
o que pareceu ser uma contagem, os três forçaram a madeira ao mesmo tempo.
A mesma forte sensação de reconhecimento reverberou por todo seu
corpo.
Novamente ele tentou ajeitar o boné, porém, com as mãos cobertas
por grossas luvas e ainda forçando o tronco, acabou atirando a peça longe.
- Oh Meu Deus! – Sussurrou ao constatar que era mesmo ele.
O homem do metrô.
Antes mesmo de conseguir ver o rosto, o reconhecera.
Estavam lá todas as emoções intensas e confusas que sentiu quando
o vira pela primeira vez. Ela não conseguia desviar os olhos.
Observou o grupo fazer mais três tentativas e na última, as
profundas raízes cederam. Urros de satisfação coletiva celebraram a bem
sucedida realização da tarefa.
O viu abrir os lábios em um amplo sorriso e contemplar o tronco
extraído.
Um dos ajudantes comentou algo e com a cabeça apontou em sua
direção.
No instante seguinte os olhos dele a encontraram.
E o resto do mundo deixou de existir.
**************
- Estamos quase lá! – Theo comentou com os dentes semicerrados –
No três! – avisou – Um, dois, três! –gritou.
Os três homens empurraram o tronco ao mesmo tempo.
E após quase dez horas de trabalho, as raízes finalmente cederam.
Celebravam a bem sucedida remoção, quando André, o chamou.
- Chefe, temos plateia! – O jardineiro apontou em direção ao
coreto.
Ainda sorrindo ele olhou na direção indicada pelo empregado.
E sentiu como se uma carreta com dez eixos acabasse de atingir seu
corpo.
Completamente atordoado, olhava para sua dama de olhos cor de
whisky!
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