domingo, 22 de novembro de 2015

A Vitrine - Capítulo 03



Capítulo Três

Os dias passam voando e os trabalhos para a Vitrine, se intensificando. Vou ao encontro de Kevin na sua sala – Boa tarde, Kevin.

Ele se levanta para me cumprimentar – Boa tarde, Lê. Tudo certo para irmos ao hotel? Ethan vai desembarcar lá pelas três da tarde, ele é o primeiro a chegar.

— Tenho uma reunião importante do Grupo Rebouças, mas Lorena vai com você. Ela está por dentro de tudo, cada detalhe.


— Ótimo, mas no jantar você estará presente, não é?

— Claro que sim! Ethan já me mandou um e-mail antes de embarcar, exigindo minha presença.

Lolo é meu braço direito, esquerdo e as duas pernas, somos uma equipe. Kevin já tentou promove-la diversas vezes, outros departamentos a procuraram, mas a menina não me larga por nada. Sua formação acadêmica, permite que ela seja promovida a executiva, mas por escolha, ela prefere me ajudar. Há pastas que só faço negociações, o resto é com ela. Há contratos que levam a assinatura dela também, uma excelente profissional, não haveria porque limita-la. Nos meus trabalhos fora da Global, ela está comigo também e às vezes tenho a impressão que muitos preferem lidar com ela do que comigo.

Nos despedimos e fui para minha reunião, passei a tarde inteira negociando novos contratos e renegociando dívidas, pode não parecer, mas é muito cansativo, ainda mais quando somos contratados somente para isso.

Já em casa, tomo um banho, enrolo-me no roupão e sento na varanda com uma xícara de café, ainda bem que deu tempo para descansar. Meus pensamentos viajam e os olhos azuis aparecem. Chega! Esses delírios estão acabando comigo.

Vou para o closet escolher uma roupa, de preferência bem comportada, Ethan não é confiável perto de brasileiras. Olho entre meus pretinhos básicos, até porque a cor combina com meu humor. Peguei um vestido de um ombro só, a parte de cima franzido, acinturado, saia godê, na altura do joelho. Cabelos soltos, um pequeno brinco, pouca maquiagem, pulseira, anéis de ouro e sapato azul bic.

Prefiro pegar um táxi para ir ao hotel, não gosto da ideia de dirigir tarde da noite, ainda mais aqui no Rio. No caminho vou absorta nos meus pensamentos, jamais pensei um dia ser quem sou, estar onde estou, nunca pensei que sobreviveria. Sempre encarei minha vida sendo curta, não faço planos a longo prazo, no máximo três meses. Estou sempre com um pé atrás com todo mundo e com um pé na frente dos negócios.

O táxi para na frente do hotel, alguém abre a porta para mim, desço e vou até o saguão. Enquanto estou esperando alguém me atender, um arrepio corre pelo meu corpo e reconheço que é o que sinto nos meus sonhos. Olho para os lados a procura daqueles olhos azuis, meu coração disparado e meu corpo em alerta, me dizem que tem algo por aqui. Viro em direção aos elevadores e avisto ele, o dono do olhar que me persegue há dias. Ele existe!

Fico estática, chocada, sem conseguir desviar os olhos dele. As portas do elevador se fecham e meus pés sem ordem nenhuma começam a marchar para o elevador.

— Letícia!

Assusto-me e olho na direção da voz, é Lorena – Lolo, ele existe...

Ela segura em meu braço – Lê, você está pálida. Quem existe?

Aponto para o elevador – Os olhos azuis, o dono dos olhos que te falei, está aqui no hotel...

— Estão te esperando no restaurante mulher, o senhor Scott, aquele gostoso não para de perguntar por você.

Nos dirigimos até o restaurante, lá encontro o Kevin e a esposa, Ethan e um de seus assistentes. Assim que ele me vê, levanta-se e vem em minha direção de braços abertos.

— Letícia – Aquele jeito de falar dele, português americanizado é um charme.

— Como está, Ethan?

— Melhor agora com você nos meus braços.

Desvencilho-me do seu abraço pegajoso e cumprimento os outros da mesa. Conversamos, fizemos nossos pedidos e não gostei nada dos olhares trocados entre Lorena e Ethan.

O jantar estava agradável, mas tive que lutar muitas vezes para não me levantar dali e sair em busca daquele homem.

— Letícia?

Viro-me para Lorena – Oi?

— Que tal prestar atenção aqui um pouquinho – ela baixa a voz, somente eu a ouço – Quer que eu vá investigar onde os olhos azuis está?

Todos da mesa olhando para nós, que vergonha – Desculpem-me, o dia foi cheio e estou um pouco cansada.

Kevin e sua esposa se despedem e saem, o assistente do Ethan, Mark, também se despede e parte. Nós fomos para a parte aberta do restaurante, as noites do Rio são agradáveis demais para ficarmos enfornados na parte interna.

Estou gostando de ver Lolo rir, flertar, se le não fosse ele, eu faria muito gosto. Mas o senhor Scott só quer saber de brincar e Lorena é menina para compromissos sérios.

Já estava para me despedir, quando alguém aparece – Ethan – Todo meu corpo respondeu na hora.

Viro-me para ver e dou de cara com aqueles olhos azuis, que nessa iluminação ficam mais escuros e assustadores, eu os reconheceria até na intensa escuridão. O homem é alto e forte, seu perfume toma conta do lugar, estou... hipnotizada...

Ethan fala – Hei cara, não sabia que já estava aqui, se soubesse teria o convidado para jantar conosco.

Os dois homens se cumprimentam – Você sabe que não misturo negócios com prazer – Ele me olha dos pés à cabeça – Apesar que suas amiguinhas são lindas. Quantas vezes já te falei para não envolver as acompanhantes em viagens de negócios, quer tê-las na sua cama tudo bem, mas expor, pode ser um problema.

Lorena me cutuca e pergunta – Lê, é impressão minha ou esse aí está nos chamando de prostitutas?

— Não foi impressão.

O homem dos misteriosos olhos azuis se aproxima, passa seu dedo pelo meu rosto e pergunta – Se você subir comigo, garota, eu te darei uma noite inesquecível e a recompensarei muito bem.

Aproximo-me mais, passo as mãos pela sua camisa – Seria um prazer cuidar de você, senhor. Mas infelizmente não tenho mais horário, agenda cheia. Sabe como é! – Despeço-me do Ethan, pego Lorena pelo braço e saímos dali.

— Letícia de Deus, o que você fez?

— Não sei, era aquilo ou tapa na cara.

— Lê...

— Vamos para casa, estou cansada, não consigo pensar direito e a decepção foi grande. Só de pensar que quando o encontraria seria mágico, que aqueles olhos azuis seriam minha perdição. Eu tenho o dedo podre mesmo...

— Ele é o cara dos olhos que você anda sonhando?

— Sim...

— Você não sabe quem ele é?

— Não, agora não quero saber e tenho raiva de quem sabe.

Dois táxis encostam ao mesmo tempo, dou abraço em Lolo e vou embora frustrada, porque eu queria aquela noite inesquecível, queria aquelas mãos pelo meu corpo. Tenho que esquecer isso e me focar no meu trabalho, a partir de amanhã pelos próximos dias, respirarei a Vitrine, até todos partirem de volta para seus países.

Assim que entro dentro de casa, tiro a roupa e vou para o banho quente, não resisto e me toco. Aquele olhar, aquelas mãos, aquele um milésimo de toque no meu rosto foi o suficiente para me desestabilizar.

Minha noite foi agitada, virando de um lado para o outro sem parar. Levanto antes do meu despertador tocar, coloco uma roupa confortável, um tênis e vou correr na praia, gastar minhas energias. Alterno entre caminhar e correr, alongo-me e continuo meus exercícios. Minha finalidade é me esfriar, entrar no papel de executiva, me focar no profissionalismo.

Estou saindo do chuveiro e ouço meu celular tocar, olho no visor e vejo que é Kevin – Bom dia, boss, em que posso ajuda-lo?

— Bom dia, Letícia. Há que horas pretende chegar no hotel?

Pelo tom de voz a coisa não está boa. Olho a hora – Daqui duas horas, Kevin. Combinei de almoçar com a Lorena antes da reunião.

— Tudo bem, se puder chegar antes para conversarmos, agradeceria muito.

— Estarei aí em uma hora. Até daqui a pouco.

Não sei o motivo do mal humor, está tudo conforme o planejado, nada saiu errado até aqui, deve ser o nervosismo. Não estou nervosa, estou ansiosa, não vejo a hora de começar. A corrida me ajuda justamente nisso, não há nada mais letal para negociações do que a ansiedade, isso faz com que a gente ceda antes do necessário, não enxergue melhores oportunidades. Quando se vai enfrentar os grandes, como é o meu caso hoje, não pode mostrar ansiedade, até porque qualquer sinal de fraqueza, eles me devorarão.

Escolho um tailleur e saia lápis em preto, sapatos altos, apenas um brinco, a sobriedade faz muita diferença. O cabelo preso em rabo de cavalo, maquiagem básica e a autoconfiança lá em cima.

Assim que chego ao hotel, vou ao encontro do Kevin na sala de conferências reservadas para a Vitrine. Os seguranças já estão a postos e fazendo seu trabalho, perfeito! Eu me preocupei com cada detalhe desse encontro, até ajudei a selecionar os seguranças, acompanhei a varredura do local ontem, outra deve ser feita daqui a pouco, temos a polícia em alerta fora do local e tudo está indo perfeitamente bem, graças à Deus!

Lorena vem ao meu encontro – Oi, Lê, senhor Cooper está tenso, o homem vai enlouquecer meio mundo. Já pensei em providenciar camisa para o coitado...

— Letícia!

Lorena levanta me cutuca e fala – Boa sorte!

— Oi Kevin, estamos tendo problemas?

— Não, por isso estou nervoso, nada dá errado, isso é um mal sinal.

Como pode ser mal sinal as coisas darem certo? – Vem comigo, vamos beber algo e comer alguma coisa, senhor presidente. Está muito tenso.

Estendo meu braço e ele diz – Não estou com fome, Letícia. Prefiro ficar aqui até começar a reunião.

— Nada disso Kevin, você almoçará comigo e Lorena. Temos seus dois assistentes de olho naquilo, se algo der errado, nos procurarão. Você já deveria ter aprendido que comigo as coisas são assim, nada passa em branco, cada detalhe, cada nuance está conferido.

Ele arruma o terno – Em todas as edições tivemos problemas ou imprevistos e esse está tudo... certo, para mim é difícil. Enquanto vocês se sentam, vou ao toalete.

Lorena está mais distraída do que de costume – Lorena?

— Sim?

Analiso-a de cima a baixo e os olhos brilhantes entregam a boneca – Qual é o nome do boy?

— Hã?

Começo a rir, isso é o que falamos quando queremos ganhar mais tempo para pensar em uma boa desculpa – Nomes Lolo.

— Promete não ficar brava comigo? – Ela junta as mãos como se fosse rezar – Por favorzinho?

— Prometo não surtar.

— Ethan...

Eu deveria ter imaginado, sorrio e aceno. Neste momento, Kevin volta a mesa e fazemos nossos pedidos. O garçom sai e ele fala – Sábado pela manhã embarcamos para Fortaleza, reservei toda a primeira classe para leva-los. Segunda-feira temos um almoço com a Presidente em Brasília, depois retornaremos ao Rio. Se algum deles se interessar pelos projetos, terça-feira voltaremos as negociações.

Respondo – Só uma coisa, eu não precisarei ir a Fortaleza e nem para Brasília, não é?

— Não precisará, assim vocês descansam um pouco.

Lolo agradece – Obrigada, senhor Cooper.

O almoço só não foi mais tranquilo porque o Kevin não parava de balançar a perna, isso estava me irritando já. Mas meus pensamentos estavam voltados a Lorena e Ethan, eu me preocupo com ela e levando em consideração como ele é, não sei se será uma boa ideia. Deus a proteja de qualquer mal.

— Antes que eu me esqueça Letícia, reservei um quarto, se quiser descansar ou mesmo passar a noite durante esses dias, é seu e da Lorena.

Por essa eu não esperava – Obrigada Kevin.

O momento de abrir a Vitrine estava perto, me ajeitei, arrumei as pastas, conferi os equipamentos, respiro fundo. Olho em volta e vejo a grandiosidade da coisa, esse pode ser um grande passo para o sucesso ou para a decadência.

O salão Azul foi uma excelente escolha para esse evento. As mesas e cadeiras formam um grande “U”, as janelas amplas com cortinas impecáveis, preenchem todo o espaço com luz natural, tornando-o perfeito para a apresentação. Toda o lugar foi arrumado para tornar as horas mais confortáveis, o hotel teve o cuidado de arrumar uma parte com cafés, sucos e frutas. O acesso à sacada do hotel proporciona aos participantes um espaço para apreciar deslumbrante vista para a praia.

O primeiro convidado chega, o grego Sebastian Khristophoros, bem vestido com calça cinza e camisa branca, bem ajustada ao corpo. Moreno bronzeado com feições fortes, queixo quadrado, boca bem desenhada, olhos castanhos-esverdeados, cabelos negros e lisos no ponto certo para ser puxado. Kevin o recebe, ele também me cumprimenta e o meu pensamento de profissional foge de mim.

— Seja bem-vindo, senhor Khristophoros.

Os gregos e sua mania de cumprimentar com beijos no rosto. Não acho ruim, nem um pouco! – Estou muito bem, senhorita?

— Letícia Sophie Barros.

— Sophie é o nome da minha segunda filha. Difícil esquecer – Lorena o acompanha até a cadeira de escolha dele e o acomoda no primeiro assento.

Logo entra o sheik Hassan Mohamed Aziz Bashir, meio metro de pura falta de elegância, a beleza passou a quilômetros dali. Baixinho, cheinho, nariz grande, com kandurah que é o nome da veste longa branca, muito parecido com um vestido e em sua cabeça o gutra. Um aceno de cabeça e a Lolo também o acompanha até o seu lugar.

Ethan com seu bom humor, já chega me beijando no rosto – Boa tarde, senhorita Letícia.

— Boa tarde senhor Scott. Sinta-se à vontade.

Ele passa seu braço pela cintura da minha amiga, que está com um sorriso bobo e vão em direção a cadeira.

— Boa tarde, signorina.

Olho para as duas personalidades que estão diante de mim, o italiano Martino Nicolazzi Rossi, elegante em seu terno Armani preto. Ele é um homem não muito bonito, mas muito charmoso. Olhos claros, nariz avantajado, parecido com um jogador de futebol, o Buffon.

— Boa tarde Signori Rossi, seja bem-vindo. Lorena o acompanhará até um assento.

— Gracie.

Eu reconheceria aquele irlandês em qualquer lugar, porte inglês, olhos verdes claros, cabelos loiros levemente avermelhados, pele claríssima. Por debaixo daquela camisa branca justa, tem um corpo escultural. A elegância não passa desapercebida.

Sem pensar, adianto-me e estendo a mão – Boa tarde senhor Larkin, seja bem-vindo a Vitrine!

Elegantemente, ele a toma e a beija – É um prazer estar aqui e por favor, chame-me de Liam.

Eu aceno em sinal de respeito e o acompanho até a terceira cadeira lateral, à esquerda de quem apresentará – Qualquer coisa que precisar, pode chamar a Lorena – Aponto para a Lolo.

Os assessores e assistentes dos empresários, foram tomando seus lugares nos assentos em volta do grande “U” que os principais convidados formavam.

— Espero que eu também tenha o direito da senhorita Letícia me acompanhar até minha cadeira.


Não acredito que ele está aqui...

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